Blog do Paulo Ruch

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Foto: Divulgação do espetáculo

“Ordinary Days – Um Musical Off-Broadway” já nasceu vitorioso. Primeiro porque se trata de uma reafirmação da vocação do teatro nacional para a realização de musicais, e segundo por se tratar da conquista de uma determinada e talentosa equipe, que inclui produtores, atores, diretor e demais profissionais da área técnica que se empenharam para levar a cabo, mesmo sem qualquer patrocínio, a montagem desta peça originada da dramaturgia de um dos mais promissores e incensados compositores norte-americanos da atualidade, Adam Gwon. O espetáculo em questão nos prova de que é possível se fazer um teatro de qualidade e excelência, desde que haja a vontade inequívoca dos envolvidos, e o interesse do público em ver concretizada a encenação sugerida (utilizou-se o conhecido meio de financiamento Catarse, no qual toda e qualquer pessoa contribui para a sua produção, obtendo em troca, por exemplo, a aquisição de ingressos antecipados, e outras vantagens). “Ordinary Days” – Um Musical Off-Broadway” não foge aos padrões convencionais dos musicais americanos que ganharam o mundo, mas há nele um sabor, um aroma, um “sotaque” genuinamente brasileiros que o diferencia obviamente daqueles. O diretor da encenação Reiner Tenente, creio, intentou imiscuir esta bem-vinda brasilidade à história de dois casais novaiorquinos, cada um deles passando por situações representativas das relações humanas, que se deparam com os obstáculos comuns à vida de qualquer indivíduo que resida em uma grande metrópole. Os casais são formados por Jason (Hugo Bonemer – o ator reveza com Mau Alves) e Claire (Fernanda Gabriela – alterna o papel em diferentes sessões com Gabi Porto), e Warren (Victor Maia – divide o personagem com Caio Loki) e Deb (Julia Morganti – em outras apresentações, substituída por Tecca Ferreira). Jason acaba de se mudar para o apartamento de sua namorada Claire, e em meio às arrumações não controláveis de inúmeras caixas de papelão e consequentes descobertas daquilo que nelas está contido, discutem-se o grau de entendimento do par, o seu real sentimento, a sua verificada reciprocidade ou não, os seus reveses, prazeres, a dúvida do amor compartilhado, o arrependimento mútuo ou solitário e outros tantos aspectos que definem uma relação afetiva. Já Warren é um espevitado artista de rua que escreve em recortes de papel colorido mensagens ou frases de cunho positivo, motivacional ou edificante. O rapaz lépido encontra por acaso um livro em cuja capa há um coração desenhado. A brochura pertence à divertida acadêmica formada em Literatura Deb, e na mesma estão as anotações imprescindíveis para a formulação de sua tese. Deb é insegura com relação às suas potencialidades profissionais, e não poucas vezes se vê mudando de opinião ou decisão em outros campos. Tendo pinturas de Monet ou Manet como testemunhas em um museu, conhece o portador de seu estimado livro. Jason, Claire, Warren e Deb são signos eloquentes de uma sociedade contemporânea, individualista, competitiva e excludente, sem que estas características impeçam o fascínio exercido sobre os seus membros. E nenhuma cidade do planeta representaria tão fidedignamente este padrão social do que a cosmopolita e babélica Nova York. Somando ao todo 21 canções (inspiradas e criativas versões em Português das músicas compostas por Adam Gwon feitas por Caio Loki, elenco, Equipe Contribuições de Clara Equi e Tauã Delmiro), o musical que estreou no Teatro Serrador, no Centro do Rio de Janeiro, ganhou de seu encenador, Reiner Tenente, um direcionamento exponencialmente ágil, dinâmico, o qual atende com privilégios e prioridades às forças e potências exuberantes das aptidões vocais e expressividades corporais de seu talentoso grupo de intérpretes. Reiner soube distribuir e alocar com critérios definidos e acertados os números musicais dentro da narrativa teatral. O “entra e sai” dos atores, lógico, reporta-nos ao clássico vaudeville, assemelhando-se aos modelos adotados por algumas obras do gênero. Tal movimentação quase permanente, pois existem pausas e silêncios importantes na peça, exige de seu elenco sobejo preparo físico e percepção aguçada do tempo de cada ator que o compõe. Hugo Bonemer, um jovem e belo ator paranaense com notáveis experiências em sucessos musicais, como “Hair” e “Rock in Rio – O Musical”, apresenta-se como um artista completamente seguro de si, maduro, sabedor pleno de sua linda entoação vocal. Hugo, ao cantar, ostenta o seu conhecimento técnico da farta gama de notas que lhe são exigidas, cumprindo com garbo a sua função de dar vida ao apaixonado Jason. O mesmo se pode dizer de Victor Maia (“The Full Monty – Ou Tudo Ou Nada”), um intérprete pronto, com brilho lapidado e carisma inquestionável. O carioca, que também é bailarino e coreógrafo, flana pelo palco com suas movimentações precisas e pujantes, acompanhadas por sua poderosa e límpida voz, fazendo-nos conhecer com amplitude o perfil do artista sonhador Warren. Julia Morganti (a atriz e produtora lançou um programa virtual chamado “Gaiola das Roucas”) transborda graça, doçura, fino humor e impressionante domínio vocal. Julia, com seus volumosos e bonitos cabelos loiros, seduz e conquista a plateia em diversas ocasiões, arrancando risos e sorrisos espontâneos, com a composição elaborada da sensível e engraçada Deb. Fernanda Gabriela, que estrelou o monólogo “Efeitos de Borboleta”, defende com rica e profunda emotividade a personagem Claire, exibindo todas as camadas passionais desta mulher obrigada a encarar as possibilidades de êxito ou fracasso de seu relacionamento amoroso. Sua postura cênica e docilidade (assim como Julia) nos tocam. Fernanda, com sua irretocável interpretação das canções, completa o notável time de atores/cantores. “Ordinary Days…” inova de certa forma com o revezamento de seus quatro protagonistas. Em outras sessões, como fora dito, os atores principais são Caio Loki, Gabi Porto, Mau Alves e Tecca Ferreira. Na apresentação analisada, estes mesmos atores participaram com funções diferentes no entrecho dramatúrgico, colaborando todos eles inquestionavelmente para a realização bem-sucedida da montagem. A direção musical de Marcelo Farias é distintamente exemplar. Marcelo, como um bom maestro, conduziu com exímia eficiência, habilidade e sensibilidade a vasta combinação de vozes do elenco e sons e acordes do piano tocado por uma quinta protagonista, a virtuose pianista Arianna Pijoan, que também integra o ensemble. Arianna interage com os atores, por meio de suas expressões faciais e gestuais, gerando uma ótima resposta dos espectadores. A iluminação de Rubia Vieira é em alguns momentos feérica (vê-se uma deslumbrante e múltipla utilização de cores; refletores de LED cumprem com prodigalidade esta função) e em outros se aproxima mais do intimismo, com a adoção deliberada de focos e sombras, provocando um excelente resultado estético e visual. A cenografia de Caio Loki e Equipe se vale da modernidade de estruturas metálicas (juntas formam uma espécie de andaime e seus respectivos andares) e a simplicidade (nem por isso menos eficaz e funcional) simbolizada por caixas de papelão, bancos com a mesma textura, além de uma estante com livros para Deb. Atrás do andaime, que assume vital relevância na obra, vislumbra-se um extenso e enternecedor painel sobre o qual estão imagens de arranha-céus de Nova York (os mesmos arranha-céus citados em uma parte do texto: “Não deixe que arranha-céus escondam de vista os seus sonhos.”). O figurino coube a Renan Mattos, que nos ofereceu com a mais absoluta fidelidade e elegância os costumes e trajes urbanos usados na metrópole americana retratada. Há um desfile de jeans, jaqueta, colete, cachecóis, trench coats, vestidos, boots, dentre outras peças, comprovando que Renan não poupou esforços e pesquisas a fim de que houvesse uma reprodução remetente ao imaginado local da ação. “Ordinary Days – Um Musical Off-Broadway” é um espetáculo que cumpre muitas das suas missões primeiras. Reafirma, como disse, a nossa vocação natural e nata (desde o Teatro de Revista) para a realização de musicais de qualidade, não devendo em nada aos congêneres norte-americanos e londrinos. Comprovando-nos de que é possível sim a produção de uma peça sem o auxílio, mesmo que seja de extrema significância, de um patrocínio declarado. Enchendo-nos de orgulho ao conferirmos bem próxima de nós a existência de atores, artistas e cantores que fazem valer a máxima de que são completos em seus ofícios. “Ordinary Days”… nos diz, por intermédio de suas adoráveis canções, de que a vida mesmo sendo comum em seu dia a dia pode ter escondida atrás de seus “arranha-céus” aquela felicidade, aquele sonho pelo qual tanto lutamos, ou que podemos encontrar por um acaso, em meio a uma “tempestade de papéis coloridos picados”, a mensagem certa que esperamos… por toda uma vida.

2 comentários sobre ““Ordinary Days – Um Musical Off-Broadway” reafirma a nossa vocação natural para este fascinante gênero teatral, e nos oferta, por meio de um elenco impressionantemente talentoso, um espetáculo adorável, sedutor, divertido e sensível.”

  1. Carmen disse:

    MARAVILHOSO!!!!

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    1. pauloruch disse:

      Olá, Carmem Costa. Para mim, é uma honra sem igual que você, produtora da Cerejeira Produções, refira-se a este texto de modo tão elogioso, o que me alegra sobremaneira. Muito obrigado, parabéns e abraços!

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