“Arlete, Edwin, Amir, Alexandre, Pedro e Lúcio, ‘essa família muito unida’ e também dedicada ao teatro e seu público.”

Edwin Luisi e Arlete Salles, amigos de longa data, encontram-se na peça do neto da atriz, o dramaturgo Pedro Medina/Foto: Guga Melgar

No espetáculo “Ninguém Dirá Que É Tarde Demais” Arlete Salles, completando 65 anos de carreira à época de sua estreia, está cercada de grandes amigos, como Edwin Luisi e Amir Haddad, e familiares, como o filho Alexandre Barbalho e o neto Pedro Medina, também autor do texto

Ao se ter o primeiro conhecimento da comédia “Ninguém Dirá Que É Tarde Demais” já sentimos uma ponta de emoção ao constatarmos que liderando o seu elenco estão Arlete Salles e Edwin Luisi, grandes amigos na vida, acompanhados de Alexandre Barbalho e Pedro Medina, respectivamente filho e neto da gloriosa atriz. Na época da estreia da peça, em 2021, Arlete estava completando 65 anos de carreira, e Edwin, 50, e esta efeméride, que não poderia passar em branco, foi brindada com o saboroso, divertido, reflexivo e crítico texto do jovem dramaturgo Pedro Medina. Ajudando a formar essa família estão o mestre Amir Haddad, responsável pela direção artística, o qual havia conduzido os passos de Arlete 35 anos atrás na peça “Felisberto e o Café”, e Lúcio Mauro Filho, que fora enteado da artista, incumbido, ao lado de Máximo Cutrim, da direção musical do espetáculo cujo lindo título foi extraído da canção “O Último Romance”, do grupo Los Hermanos.

O dramaturgo Pedro Medina insere em sua bem estruturada narrativa temas relevantes como envelhecimento, solidão, padrões impostos pela sociedade e amor e sexualidade na terceira idade

A montagem tem como pano de fundo de sua história a grave crise sanitária que transformou e assombrou a humanidade (exatamente um ano após a sua eclosão, mas com muitos já vacinados, protocolos de segurança mantidos e um medo persistente). A despeito disso, Pedro Medina mostrou a sua espantosa habilidade em driblar a tragédia com o seu azeitado humor porém não poucas vezes eivado de críticas oportunas aos que não levaram a sério o episódio traumático, ao nos narrar as implicâncias de dois vizinhos, Luiza (Arlete Salles) e Felipe (Edwin Luisi), um com o outro, moradores de prédios contíguos, devido aos seus hábitos domésticos atrelados ao confinamento compulsório, como o som ensurdecedor da lavadora de roupas da primeira e as músicas insistentes do segundo. Felipe, um servidor público aposentado, viúvo, atolado em dificuldades financeiras, com certa confusão mental, viu-se obrigado a morar com o seu filho Mauro (Alexandre Barbalho), um médico homeopata e místico, separado, pressionado pelo aumento da pensão alimentícia de suas filhas. No caso de Luiza é o seu neto Márcio (Pedro Medina), compelido a interromper o seu doutorado, quem passa a dividir o mesmo teto que ela. Dessas convivências forçadas surgirão os mais diversos conflitos, inclusive geracionais. Um encontro casual na rua sem que saibam quem realmente são mexerá com os afetos de Luiza e Felipe, servindo de trampolim para o desenvolvimento dos fatos posteriores. O autor, com bastante sensibilidade e graça, insere em sua bem estruturada narrativa vários temas relevantes às pessoas, como envelhecimento, solidão, padrões impostos pelo meio social, sexualidade na terceira idade e a possibilidade de se viver um grande amor na fase mais madura da vida. Tudo feito com generosas doses de otimismo.

Uma peça que nos prova a força e a coragem de uma ‘família’ disposta em afirmar e reafirmar a arte teatral em um momento ainda tão delicado

Amir Haddad, do alto de sua experiência e entendimento cênicos, constrói a montagem sem amarras espaciais, fronteiras preestabelecidas, não havendo marcas totalmente definidas dos locais de ação, deixando os seus atores bem à vontade, circulando com desenvoltura por todas as linhas da ribalta. Algumas ótimas sacadas de Amir foram as decisões de colocar os intérpretes como observadores das cenas dos colegas, como se cada um tivesse seu momento de brilhar, e a presença da música, com os artistas bailando, como condutora da transição dos quadros. Arlete Salles, atriz com imensa popularidade graças a seus antológicos personagens na TV, conjuga com soberba maestria as camadas de drama e humor nas medidas que lhe são exigidas, compondo Luiza com marcante vigor e admirável encanto. Arlete atende com inteligência aos níveis mais racionais e assertivos de seu papel, sendo frágil quando necessário. Edwin Luisi, da mesma forma estimadíssimo pelo público por momentos tão expressivos e inesquecíveis na televisão, representa com notável êxito a personalidade mais angustiada e fragilizada de Felipe, desenhando claramente o distúrbio cognitivo que o acomete, não deixando escapar a comicidade que domina muito bem nos instantes pontuais. Alexandre Barbalho acompanha com acertos todos os tons dramatúrgicos que a peça lhe impõe, fazendo uma bela e afetuosa dobradinha com Edwin. Pedro Medina esbanja espontaneidade e simpatia como o questionador Márcio, obedecendo com credibilidade aos arroubos do jovem estudante. Sua cena com Arlete Salles em que o objeto é um questionário sobre sexo na maturidade é engraçada ao extremo. A direção musical de Lúcio Mauro Filho e Máximo Cutrim é primorosa graças à inspiração da dupla em selecionar um repertório que se destaca pelo ecletismo de gêneros (com parcela significativa de músicas instrumentais), como um samba mais antigo, um bolero, uma valsa, além de canções tidas como verdadeiros clássicos, como “Jura”, de Sinhô, e “Luiza”, de Antonio Carlos Jobim. José Dias montou o seu cenário da maneira mais funcional possível, utilizando-se de uma mesa maior, cabideiros de chão e uma dezena de cadeiras, que servem eficientemente à direção. A figurinista Carol Lobato adotou peças atuais, de caráter urbano, como os moletons de Edwin e Pedro, e tradicionais, como o vestido verde com brocados de Arlete e as roupas sociais de Alexandre, respeitando as características de cada tipo. Aurélio de Simoni, no comando da iluminação, lançou mão de planos mais abertos e outros menos, luzes laterais, focos nos atores e sombras, logrando bons resultados em seu conjunto. “Ninguém Dirá Que É Tarde Demais”, como peça, é a prova inconteste que mostra a força e a coragem dessa “família” em afirmar e reafirmar a arte teatral ainda em tempos delicados, ofertando ao público o frescor de um novo e jovem dramaturgo cheio de ideias para nos contar, Pedro Medina.


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