Ao chegarmos ao teatro, já nos deparamos com o bom gosto do cenário de Flavio Graff à mostra. Pilhas de livros de diferentes formas espalhadas por todos os lados, uma mesa central comprida e salpicada de cores, que dá equilíbrio ao ambiente, cadeiras pintadas com vermelho forte, e após o início da encenação, gérberas em vasos. Gérberas que estarão na berlinda em determinadas ocasiões. Há também três grandes painéis no “background”, e diminutas luzes dependuradas. Tudo colabora para a harmonia do espaço cênico. Mérito de Flavio Graff. Quando, enfim, inicia-se a dramatização, ouve-se música discreta, adequada, e autoral de Marcelo Neves, que possui como objetivo complementar movimentação primeira. O texto pertence à dramaturga e atriz francesa Yasmina Reza, cuja uma de suas melhores obras, além desta sobre a qual escrevo, é “Arte”, que já fora inclusive montada no Brasil com êxito. A tradução que torna o texto muito próximo a nós coube a Eloisa Ribeiro. O mesmo caminha demasiado bem sob alternância entre a comédia e o drama, sem nunca perder o contexto reflexivo. A história é centrada em dois casais: Verônica (Deborah Evelyn) e Michel (Orã Figueiredo), e Alan (Paulo Betti) e Annette (Julia Lemmertz), que se encontram com o intuito de resolver civilizadamente pendenga perpetrada pelos filhos de ambos. Na verdade, este encontro serve de mote para que se configure uma espécie de acerto de contas, explícito por meio de ofensas generalizadas, desabafos, confissões, e ditos espirituosos acerca dos relacionamentos conjugais e personalidades de cada um. Yasmina Reza demonstra assim sua irrefutável habilidade em construir diálogos. A direção de Emílio de Mello explora a plenitude da potencialidade dramatúrgica que tem em mãos, valorizando sobremaneira as tão importantes pausas. Os figurinos de Marília Carneiro são coerentes e elegantes. A iluminação de Renato Machado contribui com precisão e leveza (utilizando-se das luzes dependuradas com intensidade branda citadas no começo, e luz geral). O elenco é um dos trunfos, sem dúvida. Há intimidade visível dos quatro intérpretes com o sagrado espaço da ribalta. Deborah Evelyn, Julia Lemmertz, Orã Figueiredo e Paulo Betti percorrem variada gama de emoções, que vão do riso ao que lhe isto é oposto, em que se notam eficiência e magnitude que justificam os aplausos de pé ao término da atração. Para concluir, “Deus da Carnificina” é programa cultural que não nos deixa indiferentes, mas sim atentos a aspectos relevantes do comportamento humano, e satisfeitos com o profissionalismo e denodo empregados na realização de montagem teatral, a despeito de ser adaptação, com nossa lavra. O que nos orgulha.