Como pôr em palco, com mínimo de sedução e cumprimento de verdades históricas, instantes românticos e conflituosos da convivência de notório casal nos quais a melancolia várias vezes se faz presente com visível pujança? Walter Daguerre, o autor, e Jacqueline Laurence, a diretora, souberam com maestria fazê-lo. A encenação baseia-se muito na leitura de cartas, sejam elas trocadas entre o par, sejam elas enviadas a pessoas próximas e queridas. O texto de Walter capta os elementos que narrei acima em diálogos que desnudam o panorama de relacionamento de Chopin e Sand desde o seu começo até o fim. E a possibilidade só existiria em mãos hábeis de alguém incumbido de dirigi-lo. No caso, a reconhecida atriz e diretora Jacqueline Laurence já citada. Ela comanda a obra com amor e devoção aos preceitos designativos do bom teatro. O que digo evidencia-se no aproveitamento estudado do espaço cênico, na acuidade com relação à interpretação dos atores, e na cautela em entremear a peça com as belíssimas composições de Frédéric Chopin. Aliás, a música ao vivo tocada pela virtuose do piano Linda Bustani só impinge riqueza ao todo, e amacia nossos ouvidos. Marcelo Nogueira, que personifica Frédéric, também cumpre com dignidade esta função. A direção musical é atribuída a Roberto Duarte, que soube ricamente usar as canções do músico polonês com suas diversas nuanças no intuito de buscar a valorização da cena. A trilha sonora de Eduardo Elias é uma preciosidade legítima, aproveitando o que há de melhor naquilo que foi produzido pelo amante de Sand. No que concerne às atuações, tanto Marcelo Nogueira quanto Françoise Forton entregam-se com paixão de forma inteligente aos seus personagens, respeitando a variação de emoções dos mesmos. O cenário de Ronald Teixeira é de se encher os olhos. Capricho, harmonia e coerência ímpares. Algo à parte que devemos apreciar são os dois pianos de cauda, sendo que um fica no centro do palco para Marcelo, e o outro ao fundo do lado esquerdo para Linda Bustani. Há uma “chaise longue” com estofamento próximo ao vermelho, escrivaninha com respectiva banqueta, dois cabides para as inúmeras trocas de roupas dos retratados. Cortinas brancas laterais e no “background” completam o lindo arranjo cenográfico. Porém, o que mais me deslumbrara foram os biombos vazados com admiráveis arabescos. Os objetos de cena providenciados por Karlla de Luca são fiéis à época em que se passa a ação: o século XIX. Os figurinos foram de responsabilidade de Ronald também. Ele aposta nos luxuosos fraques e coletes, “manteaux”, xales e luvas. Tudo adequado, e com forte colaboração para que nos transportemos para os meados do século mencionado. Já a iluminação de Renato Machado é pensada de modo a tornar o entretenimento aprazível, depositando seu talento na diversificação das luzes de variados matizes. Um em especial é bastante encantador. Possui um tom amarelado, fato este que realça eficiente visagismo de Sandra Moscatelly. Existe uma gambiarra atrás da ribalta que exerce múltiplas atividades colaborativas. Utilizam-se focos, e luzes geral e indireta, o que comprova a diversidade que lhes falei. Ao final do que assistimos, estamos mais informados. Certificamo-nos que tomamos um “banho de cultura”, e do quanto o clássico não à toa é clássico. Testemunhamos a trajetória de duas importantes figuras no campo em que atuaram. Percebemos claramente o infinito amor que Chopin e Sand sentiram um pelo outro. O que não impediu atritos e a troca de indesejáveis e ofensivas palavras do casal de lado a lado. “Chopin & Sand – Romance Sem Palavras” deixa-nos uma ideia em nossas mentes: o amor existe, o amor pode ser sofrido, o amor é possível, e que talvez um amor idealizado seja aquele de um romance sem palavras.