Foto: Adelson Brasil/Divulgação
Ribalta à vista. Local em penumbra. Fumaça dá ambiência de mistério. O preto predomina. Três cadeiras metálicas estão perfiladas no proscênio. Ao fundo, do lado esquerdo, confortável poltrona “capitonner” ladeada por pequena mesa na qual garrafas e copos estão dispostos. Estes encimados por belo e clássico lustre. Um tapete serve de adorno. Ainda no tocante à cenografia, há o sempre infalível telão que exibe tanto imagens dos filmes de Marlene Dietrich como de fatos históricos pelos quais a atriz e cantora passou. Trabalho coerente de William Pereira, que também dirige a peça. Aliás, nesta função, William sai-se muito bem, privilegiando a não estagnação da história, focando-se na atuação dos intérpretes, e nas várias apresentações musicais (um dos pontos altos do espetáculo). O diretor utiliza-se de modo pleno do espaço cênico, inclusive o “background” para os shows. Os competentíssimos músicos foram colocados no lado direito do palco. A música ao vivo faz toda a diferença para que se buscasse um resultado compensador e agradável. Outro fato a se relevar é a preparação corporal que ficou a cargo da consagrada Marcia Rubin. Marcia procurou valorizar sobremaneira o gestual do elenco. Talvez, a sua tarefa mais dificultosa tenha sido ajudar Sylvia Bandeira a compor uma Marlene o mais convincente possível. E conseguiu. A iluminação do respeitado Paulo Cesar Medeiros aposta em contrastes, sombras, e focos em único artista (com destaque nas performances). Algo expressionista. Há lindo momento em que Marlene Dietrich é iluminada apenas por lanternas. A luminosidade do lustre supracitado impinge charme geral. Um acerto. A direção musical de Roberto Bahal é primorosa. Nossos ouvidos são acarinhados com bonitas e emblemáticas canções (de origens linguísticas diversas), inclusive “Luar do Sertão” e “Blowin’ in the Wind”. Os figurinos de Marcelo Marques são luxuosos, caprichados, pensados com prudência para que não escapassem à época em pauta. O “peignoir” usado por Sylvia é estampado com tons de cinza. Todavia, há o preto, o neutro, o brilho, e um suntuoso vestido longo vermelho trajado por Marciah Luna Cabral (integrante do “cast” e responsável pela notável preparação vocal). Aimar Labaki, o autor do texto, cumpriu com excelência a missão nada fácil de mostrar painel tão rico quanto atribulado de uma das figuras mais admiradas e polêmicas do século XX. Os diálogos fluem, o que torna a compreensão do enredo palatável para o público. Quanto às interpretações, Sylvia Bandeira personifica de forma gloriosa, sensível e bem-humorada a diva Marlene Dietrich. Não é ofício com facilidades. Ao sair do teatro, tive a nítida impressão de que Sylvia atingiu a melhor fase da carreira, demonstrando capacidade interpretativa irrefutável. Já José Mauro Brant, Silvio Ferrari, e Marciah Luna Cabral desdobram-se em vários papéis com evidente correção. No palco, vemos desfile de nomes ilustres da Arte mundial, como Edith Piaf, Maurice Chevalier, Gary Cooper, Josef Von Sternberg, Jean Gabin e John Gilbert. A peça conquista a meta almejada: emociona, distrai, e nos faz conhecer melhor esta controvertida e importante mulher que viveu intensamente. O “Anjo Azul” logrou com que, ao final do que assistimos, tudo aquilo que ao nosso redor estava ficasse mais azul.