Que Gilberto Braga é um autor inspirado, não há quem duvide. Mas em 1980, ele estava inspiradíssimo. Decidiu escrever uma novela que reuniu um conjunto irresistível de elementos teledramatúrgicos que infalivelmente prenderiam a atenção do público (a coautoria a partir do capítulo 60 ficou a cargo do não menos notável Manoel Carlos). Para começar, um grande elenco: Reginaldo Faria (foto), Betty Faria, Raul Cortez (em sua estreia na Rede Globo), Tônia Carrero, José Lewgoy, Gloria Pires, Tamara Taxman, Eloísa Mafalda, Arlete Salles e tantos outros que não devem em talento. A história girava em torno de dois irmãos que não se davam bem, Miguel Fragonard (Raul Cortez), um reconhecido cirurgião plástico, e Nélson Fragonard (Reginaldo Faria), um playboy apaixonado por iates. Disputavam o amor da mesma mulher, Lígia (Betty Faria). Havia ainda uma pequena órfã, Maria Helena (Isabela Garcia), que ficava sob os cuidados da assistente social Suely (Ângela Leal). Descobriu-se que a menina era filha de Nélson. E evidente que não podiam faltar os clássicos vilões de Gilberto. A Beatriz Segall coube a interesseira e arrivista Lourdes Mesquita, que não se conformava com o fato de seu filho Marcos (Fábio Jr.), um promissor médico, namorar uma moça sem recursos, Janete (Lucélia Santos). O mesmo se dava com a sua outra filha, Márcia (Natália do Vale), casada com o professor Edir (Cláudio Cavalcanti). E José Lewgoy personificou Kléber, ex-marido de Stella Simpson (Tônia Carrero), que foi quem matou Miguel pelo motivo do marido de Lygia ter descoberto suas inúmeras falcatruas perpetradas nas empresas que possuía. A descoberta da identidade do criminoso foi um dos chamarizes da trama. O folhetim também contava em seu “cast” com Mauro Mendonça, Kadu Moliterno, que interpretava Bruno, um badalado fotógrafo que namorava Sandra (Gloria Pires), filha de Lucy (Tetê Medina), que morreu na explosão de um barco. Um dos pontos fortes da produção era a trilha sonora, que incluía em sua abertura recheada de praticantes de windsurf a canção composta por Caetano Veloso, na voz de Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), “Menino do Rio”. O windsurf logo virou moda. E a ousadia teve o seu espaço na cena em que as personagens de Tônia Carrero, Gloria Pires, Maria Padilha e Maria Zilda Bethlem fizeram topless na Praia de Ipanema. A confusão foi geral, e deu até polícia. Participações especiais deram um charme extra à obra, como as da atriz francesa Henriette Morineau, e a do cantor de reggae Peter Tosh. No tocante ao enredo, notava-se uma crítica de Gilberto Braga a alguns hábitos das classe média e alta, como a atitude de Irene (Eloísa Mafalda) destinar quase todo o seu rendimento para pagar parcelas intermináveis de uma viagem ao exterior. Enfim, uma novela como essa não dá para se esquecer. Por várias razões. Acredito que apresentei algumas delas, e por suas relevâncias se mantiveram vivas nas memórias de quem assistiu a “Água Viva”.