Blog do Paulo Ruch

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Foto: Jackeline Nigri

Uma mulher de cabelos longos castanhos pinta freneticamente aquarela em tons de azul. A imagem formada remete à olhar enigmático. Música minimalista, percussiva acompanha as pinceladas da jovem Mariana Terra, cuja missão é interpretar a si mesma e a renomada psiquiatra brasileira Dra. Nise da Silveira, além de outros personagens. A proposta dramatúrgica de Daniel Lobo e da co-autora Mariana é arriscada e desafiadora: integralizar as vivências da intérprete com a da médica em questão. Proposta feita. Desafio aceito. E ambos realizam o que tanto desejam: um belíssimo espetáculo em que as histórias se amalgamam até atingir a um todo cênico. Fascina poder conhecer mais tão emblemática e singular figura feminina de nosso país, vítima de preconceitos, descrédito da classe médica, e perseguições políticas. Seus perfil e idiossincrasias nos levam a admirar com intensidade maior a bravura e destemor daquela que defendeu com ferocidade as convicções abraçadas. O conceito de imagem e simbolismo desta são deveras esmiuçados, e a influência que a Dra. Nise recebera de Carl Gustav Jung nos é relatada. O texto de Daniel Lobo é lírico, bem estruturado e comovente. A peça também serve de instrumento para que Mariana Terra preste tributo ao pai. Mariana atua sem medos, deixando claras efervescências de íntimas emoções. Emoções que pareciam estar guardadas esperando o momento certo de se desnudarem. Resulta-se em atuação brilhante de Mariana Terra. O trabalho é enriquecido pela contribuição de Ana Botafogo, que traça conjunto de movimentos corporais fluidos, precisos, leves porém fortes, e bonitos. A direção musical coube a João Carlos Assis Brasil, que mestre que é, soube sabiamente inserir composições dele, e de outros compositores, como Ernesto Nazareth. A percussão de Marco Lobo é relevante e nos instiga, coerente com o tema abordado. O cenário de Ronald Teixeira é prático, dotado de inteligência, com o uso de cavalete, caixotes, cadeira e pequena mesa na qual está o inseparável bule de chá da Dra. Nise. Há ainda pano retangular enorme em tom cru estendido ao fundo, que serve para a projeção de vídeos de pintura, cenas subaquáticas, depoimento de Ferreira Gullar, e participações de Gilray Coutinho e Ednaldo Lucena. Instantes de Mariana com o pai são por nós testemunhados. O figurino já elogiado pertence também a Ronald Teixeira. O vestido da atriz permite que se movimente com facilidade. A preparação vocal de Cláudia Herz logra com que aquela cante com graça. A iluminação de Djalma Amaral é magnífica, brindando-nos com singelos focos e deslumbrantes luzes gerais de matizes amarelados. Quatro “spots” contribuem com o azul. Carlos Vereza empresta a voz marcante para a “Voz do Inconsciente”. A direção de Daniel Lobo é impecável, explorando toda a capacidade dramática da artista, e optando por intercalar palavra, movimento, música, vídeo e dança. E termina “Nise da Silveira – Senhora das Imagens”. Não para nós, pois saímos do teatro com a sã consciência de que a loucura não deve ser tratada apenas como loucura, e sim com entendimento e compreensão. E aqueles que daquilo sofrem devem ser lidados com afeto, como preconizava Dra. Nise. E que não deixemos apagar de nossas mentes conscientes a inefável imagem do afeto.

2 comentários sobre “” O balé do inconsciente em ‘Nise da Silveira: Senhora das Imagens.’ “

  1. Daniel Lobo disse:

    Caríssimo Paulo, salve! Que bom ler tuas palavras. Como sempre faço, aqui e ali, busco impressões sobre a nossa “Nise” na internet. E foi para minha surpresa que li teu texto, bem escrito, delicado, puro. Nossa gratidão por teu olhar poético. A propósito, em ue teatro você nos assistiu? Foi na temporada recente de São Paulo? Terminamos recentemente seis meses de temporada no teatro Eva Herz, na Livraria Cultura. Em setembro estaremos nos CEUS, nas periferias de Sáo Paulo. Outubro em curta temporada no Parque das Ruínas. E em novembro e dezembro no SESC SANTANA em encenação que contará com as participações ao vivo da bailarina Ana Botafogo e do pianista João Carlos Assis Brasil.

    Envie seus contatos para mim, pode ser? Forte abraço, Daniel Lobo

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    1. pauloruch disse:

      Caro Daniel, a peça “Nise da Silveira: Senhora das Imagens” muito me comoveu, pela sua sensibilidade, pela poesia inserida no texto, pela trilha sonora a cargo de João Carlos Assis Brasil, pela ótima interpretação de Mariana Terra, a sua direção precisa etc. E, claro, a personagem real retratada, Nise da Silveira, uma mulher que nos orgulha sobremaneira. Sem contar a narração de Carlos Vereza. Com a participação ao vivo de Ana Botafogo, o espetáculo só tem a ganhar. Parabéns por sua realização. Enviarei o meu contato. Um grande abraço, e obrigado pelas palavras!

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