Com tintas cinematográficas, a nova novela das 18h da Rede Globo, “Joia Rara”, de Duca Rachid e Thelma Guedes, com a direção invariavelmente segura de Amora Mautner (direção de núcleo de Ricardo Waddington), já nos evidenciou em seu primeiro capítulo a inevitável bifurcação que se escancara à nossa frente no ciclo da vida: um caminho, uma vereda que aponta para a ambição, a sede de poder e riqueza, a vingança, a soberba e o autoritarismo; e o outro que açambarca a eterna busca pelo amor pleno, a justiça, a evolução espiritual, a iluminação, o progresso sadio do ser humano em sua existência terrena. Franz, um Bruno Gagliasso a cada dia mais ciente de sua capacidade interpretativa, experimentando o posto de protagonista com mérito, representa o segundo caminho: o jovem empresário aventureiro, acólito da retidão, vítima já da traição iníqua do meio-irmão Manfred, interpretado por Carmo Dalla Vecchia (o que dá um ar “shakesperiano” à trama) em meio às neves das Montanhas do Himalaia. Deixando rastro vermelho em terras geladas brancas do Oriente, é socorrido por monge budista, Sonan (Caio Blat). Franz, ateu ou agnóstico, é levado a conhecer o universo fascinante do Príncipe Siddhartha Gautama, o Buda, a sua doutrina, os seus ensinamentos e lições proferidos na voz mansa e pausada de Ananda (Nelson Xavier), líder do templo Padma Ling. Os acontecimentos transcorrem em meados de 1934, com produção de arte, figurino, cenário, montagem, trilha sonora e abertura caprichados. Familiarizamo-nos com o todo poderoso dono da joalheria e fundição Hauser, Ernest (José de Abreu), pai de Franz e Manfred. Preveem-se que serão debatidas as relações desiguais entre patrões e empregados (que datam da Revolução Industrial no Século XVIII), e correlatos, como capital X trabalho, a exploração do homem pelo homem, a mais-valia, enfim, razões que levaram pensadores como Marx e Engels a elaborarem seus postulados teóricos. Bianca Bin com firmeza e convicção é Amélia, uma indignada operária defensora ferrenha dos direitos da coletividade, uma pré-Norma Rae (personagem real celebrizada no cinema no filme homônimo de Martin Ritt por Sally Field), e que já despertou os sentimentos do moço bonito de olhos azuis que gosta de tocar o céu atingindo o cume das cordilheiras. Tomamos ainda intimidade com o ambiente mágico dos cabarés de outrora, onde pôde se assistir a Letícia Spiller ostentando sua habilidade de dançarina, como a vedete Lola que não se esquiva de admitir que o seu oficio é comparado à prostituição. O elenco está afinado, e saiu-se bem: Nicette Bruno, Rosi Campos, Marcos Caruso, Ana Lúcia Torre, Ângelo Antônio, Domingos Montagner, Thiago Lacerda, Sacha Bali, Michel Gomes, Luiza Valdetaro, Rafael Cardoso, Pedro Neschling, Fábio Yoshihara, Jorge Maya, Cacau Protásio e Adélio Lima, dentre outros. O que se pode esperar de “Joia Rara”, uma obra com impressionante tratamento de imagem, é um amplo panorama em formato folhetinesco no qual vislumbraremos uma gama de aspectos e conflitos inerentes ao comportamento do indivíduo, do ser social. Uma bem-vinda discussão sobre a fé, a religiosidade (por meio do budismo), crenças na reencarnação, na progressão dos espíritos e no reencontro de almas. O amor ocupará o seu lugar, e como de costume pugnará suas quase intransponíveis barreiras, como o ódio, o ciúme, a inveja, o preconceito, a diferença de classes, as intrigas, os conluios e os ajustes nefandos que parecem ter nascidos junto com a Criação humana. O telespectador, a princípio, terá a chance única de se embrenhar num campo pouco esclarecido com oportunidade de formar opinião própria acerca do destino, do livre arbítrio ou simplesmente do curso natural da vida. Não serão somente os personagens da história de Duca Rachid e Thelma Guedes que deverão optar por que caminho seguir. Se escolherão cascalhos ou joias. Tanto pode ser na década de 30 como nos dias atuais, a Humanidade parece desejar prioritariamente os cascalhos. Joias são muitas, e estão espalhadas por todo o canto. Difícil é encontrar a que seja rara. “Joia Rara” pode nos dar uma dica.