Foto: Divulgação do espetáculo
No Boulevard Montparnasse, havia um café. No meio do café, ao som de “Vouz qui Passez Sanz me Voir”, dois jovens turistas, vítimas do acaso e/ou destino, encontram-se, e acreditam ser cada um deles “o amor de suas vidas”. Ela (Françoise Forton), ex-professora de Francês “audiovisual”, brasileira, de passagem por onde as luzes jamais se apagam. Ele (Aloisio de Abreu), brasileiro, resolveu conhecer o país da Nouvelle Vague por meio de uma excursão, na qual, segundo Ela, o rapaz deveria optar por visitar apenas o Louvre, ou o Arco do Triunfo ou a Torre Eiffel. Ainda sobre o rapaz, este prefere degustar um Beaujolais pela manhã, ao contrário dela, que estima uma xícara de chá. Ambos possuem algo em comum: a paixão avassaladora e convicta pelos grandes cantores franceses, inclusive Jean Sablon. O moço decide então cortejá-la no idioma local, e é “desmascarado” não somente pela brasilidade e respectivo acento, mas por “traiçoeiro” maço de Hollywood. Numa troca constante de informações e referências sobre a cidade em que estudantes num maio de 68 fizeram valer suas potentes vozes, o par tenta se aproximar, porém o beijo tão esperado jamais se consuma. Polanski, e um de seus sucessos, “Lua de Fel”, com Emmanuelle Seigner, é lembrado pela mulher de bonitos cabelos ruivos. A citação do longa-metragem não é a forma mais adequada para se tentar iniciar um romance, pois aquele trata da dominação masculina pela feminina. Entre o rosário de conversas e monólogos, Françoise e Aloisio interpretam lindamente o que há de melhor no romantismo do cancioneiro francês do século XX, como Edith Piaf (“La vie en rose”), Charles Aznavour, Juliette Gréco, o já citado Jean Sablon, Charles Trenét (“La Mer”), Françoise Hardy e Silvie Vartan. Nossos ouvidos são afagados com “C’est Si Bon”, “Je ne regrette rien” e uma inspirada versão de “Garota de Ipanema”. Nos muitos minutos de colóquio fala-se que Paris potencialmente é “a cidade das despedidas”, fato comprovado por antológicos filmes, como “O Último Tango em Paris”, de Bertolucci, “O Último Metrô”, de Truffaut, e “A Última Vez Que Vi Paris”, de Richard Brooks. Ela, com sua “clutch”, e ele, com sua negra mochila, partem. Seus rumos são retomados no Brasil, terra também onde a música se faz soberana. Ele se torna jornalista de um site de fofocas, casa-se, e para sua estupefação, com uma companheira que chama Yves Montand de “chato”. A separação lhe fora inevitável. Ela viveu por quase duas décadas com o mesmo homem, teve filhos, e ao vê-los crescidos e encaminhados, e após a morte do marido que saboreou literalmente pela última vez um “boeuf bourguignon”, fenecendo com rosto enfiado no clássico prato da “haute cuisine”, retorna a Paris. Ele faz o mesmo. E reencontram-se no velho Café Paris 6, em Montparnasse. Algo mudou, como poucos fios de cabelo que se perderam e centímetros que “escapuliram”. O principal resistiu ao tempo: o amor. No sensível e bem-humorado texto do jornalista e dramaturgo Artur Xexéo, “Nós Sempre Teremos Paris” (inspiração na célebre frase da cena derradeira do marco cinematográfico de Michael Curtiz, lançado em 1942, “Casablanca”), com direção da experiente e respeitada Jacqueline Laurence, e produção de Eduardo Barata, percebe-se a demonstração sem pudores, às escâncaras, do compreensível fascínio do autor pelas melodias francesas, e o mesmo quis, realizando com plena satisfação, transformá-lo em linguagem cênica atraente. Não coincidentemente, creio, duas profissionais com ascendência (Françoise Forton) e nacionalidade, porém naturalizada brasileira (Jacqueline Laurence), francesas, foram com acerto convocadas para a obra, o que de certo modo confere uma familiaridade ao espetáculo. Jacqueline toma para si a mesma sensibilidade com que Artur escreveu o texto, e enfoca a direção com notório caráter objetivo na habilidade irrefutável dos atores de entoarem as belas canções (preparação vocal de Danillo Timm), com a direção musical de Marcelo Nogueira e a assistência de direção musical de Camila Dias. A diretora “extrai” o que de melhor os intérpretes podem nos oferecer, seja na clara aptidão para vivenciar momentos mais intimistas seja na facilidade com que lidam com o humor e com a bem-vinda interação com o público. Não foram raras as vezes em que a plateia cantou junto com os artistas, dando explícita resposta de que “embarcaram” na peça, ao ponto de, ao final, “exigirem” um bis, prontamente atendido. Françoise Forton e Aloisio de Abreu cumprem com elegância e convencem de modo espontâneo ao assumirem seus papéis, recebendo de imediato uma aceitação empática dos espectadores. A cenografia de Massimo Esposita não se exime de buscar o enxuto, o exato, o básico, sem contudo abjurar dos elementos que bem resumam a ambiência parisiense, na recriação de um típico café com duas pequenas mesas circulares, somadas a cadeiras de madeira, e uma placa superior com o nome do estabelecimento. Seríamos injustos se não mencionássemos a presença indispensável, e que dá relevância extra à produção, de músicos tocando ao vivo instrumentos como violão (Roberto de Brito) e piano e acordeom (Priscila Azevedo). Os figurinos de Valéria Stefani priorizam o charme e a sobriedade, fugindo do exagero ou extravagância. Françoise veste “trench coat” cru, um tubo preto, xale vermelho, acessórios e “scarpins”. Aloisio se apropria de terno de cor ocre, camisa clara, calça escura e sapatos. A iluminação de Adriana Ortiz procura alcançar, e atinge com êxito, um colorido que impinge vivacidade e alegria à encenação, fazendo jus ao aposto que Paris recebeu, “Cidade Luz”. O azul, o amarelo, o vermelho, o vermelho alaranjado, o rosa, o lilás e o indefectível branco “explanam” com eficiência a proposta sugerida por dramaturgo e diretora. “Nós Sempre Teremos Paris” reúne em um só tempo uma adorável nostalgia que se apega a um romantismo legítimo, um repertório selecionado com esmero e sabida coerência musical, jovialidade narrativa e entrega total com sobejo prazer da dupla de protagonistas. Amiúde se fala sobre os acontecimentos imprevisíveis e dos quais não se pode escapar da vida se utilizando da expressão “C’est la vie”. Como somos “irrésistiblement” atraídos por “Nós Sempre Teremos Paris”, só nos resta dizer: “C’est la théâtre!”.
Oi, Paulo, que bacana seu texto. Obrigado! Os músicos que nos apoiam com talento e sensibilidade são a pianista e acordeonista Priscila Azevedo e o violonista Roberto de Brito. Grande abraço!
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Oi, Aloisio. Muito obrigado. Fico muito feliz que tenha gostado do texto. Parabéns mais uma vez pelo espetáculo. Um grande abraço, também!
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