Blog do Paulo Ruch

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Foto: Rodrigo Molina

Em seu apartamento, Maria Antônia (Milena Toscano) está só. Por quase cinco anos, não esteve. Ao seu lado, estava o seu grande amor Ricardo Bruno (Marco Antonio Gimenez). Tudo parece finito. Não para o imaginário de Maria. O seu subconsciente, guardião fiel das memórias afetivas, emocionais e sensoriais, irrompeu no cotidiano a ponto de não mais se “desligar” do homem que conhecera na sala de espera de um consultório psiquiátrico. E neste mesmo lugar a chamara de “encantadora”. O jogo inicial seria falar um para o outro algo que nunca tinham ouvido. Nasce o amor. O transtorno bipolar que os vitimava de certa forma contribuíra para o despertar deste sentimento mútuo. E é sobre este caso de amor que começa inusitadamente, o seu desfecho e consequências diversas que trata o texto de Regiana Antonini, “Meu Ex Imaginário”, levado aos palcos sob a direção de Michel Bercovitch. Maria Antônia, acometida de dilacerante solidão, sai em frenética busca por um novo companheiro. Numa infrutífera tentativa pessoal de se esquecer de Ricardo, o rapaz, fruto da imaginação, surge em suas visões, ora lhe dando conselhos, ora lhe fazendo críticas ou cobranças num tom de deboche ora lhe dizendo que a ama. Os potenciais novos namorados e respectivas idiossincrasias são defendidos por Zé Auro Travassos. Os tipos são dimensionados ao máximo, com o intuito de se fazer uma observação ácida de posturas que bastante se veem no convívio social. Há o arquiteto (poderia ser um profissional de qualquer área) jactancioso, ególatra, falastrão, inapto a escutar o que o seu interlocutor tem a lhe dizer. O aficionado por exercícios físicos, academias de ginástica, suplementos, vitaminas, cujo intelecto é posto de lado, e glúteos, abdomens e demais grupos musculares são supervalorizados. O que nos ficou patente no relacionamento do casal Maria Antônia e Ricardo Bruno foram as incompatibilidades comuns aos sexos masculino e feminino. Sabidas e notórias. Questiona-se, com razão, o porquê de, em não poucos casos, os homens privilegiarem uma partida de futebol (principalmente um clássico) ou uma luta de MMA em detrimento da companhia de uma mulher. Maria se ressente de que há uma lacuna, um vazio no campo da afetividade. Assume que é romântica. Diz que chora. Homens também choram. Só que às escondidas ou se seu time do coração ganhar. Chorar para os homens e até mesmo para algumas mulheres é sinal de diminuta virilidade, pusilanimidade que não combina com o ser másculo. Homens românticos talvez causem estranheza. Um vício cultural inexpugnável, quem sabe. Por que é mais confortável para as mulheres colocar em lábios a confissão “Eu te amo”? Por que para os homens esta frase soa amedrontadora? Diferenças… Salvo exceções, as primeiras são mais emotivas, sensíveis, reservam ao amor um pedestal sagrado, e em seu íntimo desejam conhecer um idílico “príncipe encantado”. Os segundos são práticos, sedutores à sua maneira, enxergam o sexo sob distinto prisma. No entanto, estes opostos não conseguem viver um sem o outro, ainda que com todas as imperfeições. Na imaginação de Maria, o “fantasma” de Bruno sempre aparece balbuciando “Eu te amo” e “Me liga”. Esta constante presença do “ex” a aflige e a confunde progressivamente. Em meio a isso, a tecnologia dos novos tempos não é preterida, sendo mostrada como se dera a sua interferência nas relações amorosas por intermédio das redes sociais, chats etc, e o quanto de ansiedade essas invenções podem nos causar. “Meu Ex Imaginário” é uma legítima comédia romântica, o que comprova a inegável capacidade da dramaturga Regiana Antonini de transitar com segurança e eficiência por este gênero teatral tão apreciado pelo público. Regiana, com habilidade nata, ampara-se num altíssimo senso de humor para sustentar um tema (a solidão, a sensação de abandono de uma mulher que se vê impossibilitada de reconstruir a sua vida após o término de um romance, visto que a figura do parceiro se impõe onipresente, ubíqua nas horas seguidas do dia) que se exibe familiar e contemporâneo, e questões a ele correlatas não menos importantes. Há espaços na peça tanto para o drama quanto para a comédia. Esta se evidencia contida ou deliberadamente escrachada, “nonsense”, sem pudores de provocar uma saudável gargalhada. A direção de Michel Bercovitch, que conhece bem este segmento cênico, conduz o texto com leveza, agilidade, dinamismo, sem abdicar do romantismo, do lirismo e da poesia. Michel alinhavou um espetáculo enxuto, conciso, “redondo”, completo, com visível orientação certeira no que concerne à interpretação dos atores. Milena Toscano impinge a Maria Antônia um grau de fragilidade, doçura, emoção, sensibilidade e graça, porém podemos vislumbrar outrossim posicionamentos firmes, incisivos e determinantes. Milena deu a Maria força e fraqueza (esta como resultado de desilusão e mágoa), originando bonita e irresistível atuação. Já Marco Antonio criou o seu personagem com pujança, resolução, vigor, malícia, descontração e romantismo (no momento adequado), o que proporcionou a Ricardo Bruno credibilidade incontestável. Tanto Marco quanto Milena passeiam pelo palco com desenvoltura, e entoam suas falas com autêntica naturalidade. A “liga” do casal conquista a plateia. O par é belo, e se tem prazer ao vê-los em cena. Ambos fazem bom uso da voz. Quanto a Zé Auro Travassos, assevero que ao intérprete coube, com o auxílio de sua inacreditável vocação de criar tipos, oferecer à encenação uma comicidade declarada, “desobediente a regras estabelecidas” e transgressora na melhor das acepções. Zé personificou o arquiteto e sua esquisitice comportamental; Bebete, a amiga “over” de Maria Antônia, supersincera e ninfomaníaca; o professor de ginástica bitolado, neurótico, tresloucado, “sem noção”; e o esotérico “pansexual”. Auro abusa, com mérito, de sua destreza de bem utilizar os corpo e voz. O cenário cumpre o seu papel com eficácia, funcionalidade e bom gosto. Percebemos cinco gigantes painéis de tecido branco (em um deles deslumbrantes projeções de imagens são feitas) inteligentemente distribuídos pela ribalta, duas mesas (sobre elas duplas de taças) e quatro cadeiras dobráveis em estilo praiano posicionadas no proscênio nos lados esquerdo e direito, uma cadeira de diretor, tapete, baú/canastra, pequena mala e cabideiro pleno em roupas dependuradas. A iluminação é versátil, o que quero afirmar que não se resume a uma única proposta. A consequência é louvável e colabora para o embelezamento do conjunto. Há a supremacia de um lindo alaranjado que ilumina por detrás dos painéis. Testemunhamos refletores sobre o chão e um central ao fundo, diversificando as opções. O recurso que invariavelmente nos fascina, o teatro de sombras, é usado com elegância. Não faltam sombreados, focos e luz geral, atendendo às solicitações das cenas. Os figurinos se encaixam de maneira coerente nas personalidades dos personagens da trama. Vê-se desfile de vestidos brancos, pretos e vermelhos (sobrepostos, justos e longos), saia rendada, batas orientais bordadas, camisas de time e polo, sapatilhas, escarpins e sapatos sociais, tênis, regata, top, caftã etc. A trilha sonora é em sua maioria incidental, mas podemos nos dar ao luxo de ouvir um Nat King Cole e um Elvis Presley (com ” Always On My Mind”). As músicas são objetivas, não fugindo da precípua missão de desenhar o momento. “Meu Ex Imaginário” se insere numa bem-vinda união de espetáculos que logram êxito e sucesso, executando com humor o difícil encargo de levantar uma discussão sobre assunto que nos interessa, a coexistência do homem e da mulher, e seus desdobramentos na sociedade. Por isso, fácil é explicar o motivo por que graças ao talento de Regiana Antonini, Milena Toscano, Marco Antonio Gimenez e Zé Auro Travassos, “Meu Ex Imaginário” estará sempre “on my mind”.

2 comentários sobre “” Graças ao talento de Regiana Antonini, Milena Toscano, Marco Antonio Gimenez e Zé Auro Travassos, ‘Meu Ex Imaginário’ estará sempre ‘on my mind’.”

  1. regiana antonini disse:

    Paulo querido, mais uma vez obrigada por sua sensibilidade, por esse seu olhar que detalha a profundidade das entrelinhas dos meus textos. Me sinto honrada e agradecida sempre que vc escreve sua crítica, pois sei que ela nunca será superficial. Ter um expectador como vc na platéia não tem preço, pode ter certeza disso. E novamente digo: vc merecia um espaço num grande jornal, pois o que vc faz é sim a verdadeira crítica, pois fala de tudo com o olhar de quem conhece e principalmente de quem ama o teatro. Vc torce pela peça e isso passa para o papel. Que vc continue assim. Bjs gratos.

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    1. pauloruch disse:

      Olá, querida Regiana Antonini. Confesso que ao ler o seu comentário, fui inevitavelmente tomado por sentimento de reflexão e comoção, na verdade, uma pausa no sentido de avaliar com fleuma e sabedoria cada palavra, cada frase, cada trecho aqui registrado. Por mais inefável que seja, receber as impressões de uma das mais prodigiosas dramaturgas e roteiristas do país, causa única, ímpar motivação no sentido de prosseguir no meu ofício. O que procuro fazer nas minhas análises teatrais é buscar o lado bom de todo um trabalho árduo que se esconde por trás de uma encenação. Quanto ao fato de julgar que mereço um espaço em um grande jornal, regozijo-me com a sua opinião. E no que diz respeito à visão que tenho sobre mim mesmo, sinto-me um guerreiro só, porém com espada a me acompanhar: a letra sincera. Posso lhe asseverar, Regiana, que assistir a um espetáculo seu não se resume a entretenimento, mas a um processo de rico aprendizado. Muito obrigado. Repito, muito obrigado. Beijos. Paulo Ruch

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