Blog do Paulo Ruch

Cinema, Moda, Teatro, TV e… algo mais.

Vilma Melo, indicada a relevantes prêmios como “Melhor Atriz”, dá voz a diferentes mulheres negras e suas vivências no monólogo cujo argumento é da filósofa, escritora e professora Helena Theodoro/Foto: Guga Melgar

Idealizado pela atriz Vilma Melo e o produtor cultural Bruno Mariozz, o monólogo “Mãe de Santo”, com argumento de Helena Theodoro e dramaturgia de Renata Mizrahi, parte da premissa, dentre outras, do quanto são vilipendiadas e ofendidas as mulheres pretas brasileiras

No último dia 23 de abril o presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa disse em pronunciamento que “seu país teve responsabilidade sobre crimes na era colonial, como tráfico de pessoas da África, …” e “que o Estado português deveria reparar danos causados nesse período.”. De fato, as consequências desastrosas para a população negra brasileira são sentidas até os dias de hoje, vistas rotineiramente na exclusão e desigualdade sociais, no preconceito e discriminação raciais, independente das classes ocupadas, e nos crimes de racismo e injúria racial praticados e noticiados com frequência nos meios de comunicação, demandando reparações obrigatórias que revertam ao máximo todo o estrago feito contra um povo e sua cultura. No entanto, em um país em que as mulheres são relegadas a um patamar inferior, pode-se imaginar o quanto, em grau mais elevado, as de pele preta são vilipendiadas e ofendidas com constância. Partindo-se dessa premissa, a atriz Vilma Melo e o produtor cultural Bruno Mariozz idealizaram o projeto de realização do espetáculo “Mãe de Santo”, que contou com o valioso argumento da filósofa, escritora e professora Helena Theodoro, que serviu para que a autora teatral Renata Mizrahi, valendo-se de seus textos e relatos, compusesse com riqueza a dramaturgia que nos é apresentada e que integra a trilogia “Matriarcas”, formada ainda por “Mãe Baiana” e “Mãe Preta”.

A rica dramaturgia de Renata Mizrahi leva ao público registros reais de discriminação, preconceito e racismo, seja contra uma influencer famosa, uma empregada doméstica ou as próprias Helena Theodoro e Vilma Melo

Renata, com a adoção de recursos narrativos eficientes, utilizou-se da figura central de uma palestrante, Vilma Melo, que no decorrer de suas falas pertinentes às condições em que mulheres pretas são vítimas de comportamentos alheios discriminatórios em virtude do fato de que são simplesmente mulheres pretas fosse o ponto de partida para que houvesse o compartilhamento de histórias assemelhadas que certificassem a prática racista e sexista predominante em nosso país. Casos que jamais podem cair na banalização e desdém são divididos com a plateia pela protagonista, que se desdobra com seu retumbante talento na representação desses personagens reais, baseados em experiências inclusive da filósofa Helena Theodoro e da própria Vilma, como a revista de “praxe” na bagagem em um aeroporto, o pedido de documentos a uma famosa influencer e blogueira viajando na primeira classe do avião, uma estudante acusada por uma instituição de ensino e punida por isto ao ser a única “culpada” em uma situação em que os seus colegas colaram de sua prova, a empregada doméstica acusada de furto exatamente no dia em que estava de folga, uma representante de religião de matriz africana que em uma viagem para um evento de repercussão internacional para o qual fora convidada se deu conta de sua invisibilidade para os demais, uma grande atriz que se indignou com uma fala equivocada de uma cena de novela e circunstâncias que envolvem algo grave e rotineiro como a intolerância religiosa, ao ponto da vítima não se calar e exclamar: – Não mexam com o meu sagrado!, uma das frases mais impactantes do espetáculo. Contrariando expectativas de que esses temas tão áridos fossem tratados somente com o peso que os mesmos carregam, a dramaturga fez questão de não preterir a leveza em determinados momentos no seu desenho textual, capazes até de arrancar risos (seriam eles nervosos?) dos espectadores. Há que se falar que a dramaturgia abordou, respeitando-se toda a dor existente, um dos acontecimentos mais traumáticos da vida da autora do argumento, a perda precoce de seu filho levado pelas ondas do mar.

Vilma Melo, grande atriz, é dotada dos mais variados predicados que lhe permitem dar vida com leveza ou graça ou com o mais contundente dos dramas às diversas personagens que interpreta

Luiz Antonio Pilar, o diretor da montagem, em absoluta conexão com Renata e Vilma, coloca no palco uma bela e poética encenação, sem que todas as sérias denúncias deixem de ocupar o seu lugar de destaque. Ciente das potencialidades artísticas de sua intérprete, Luiz as explora com equilíbrio e sabedoria, acertando, com sua apurada visão, ao inserir nos pontos adequados, os cantos deslumbrantemente entoados por ela. Outro aspecto a ser mencionado é a bem-sucedida e assaz elegante interação entre a atriz e a audiência com perguntas que nos levam à reflexão. Quanto a Vilma Melo, a partir de sua entrada em cena, já formamos a convicção de que estamos diante de uma grande atriz, dotada dos mais variados predicados que lhe permitem dar vida seja com graça e leveza ou com o mais contundente dos dramas às diversas personagens que perpassam o arco narrativo e suas respectivas vivências. A atriz carioca, primeira atriz negra a ganhar o prêmio Shell em 2017, e indicada por este trabalho ao mesmo prêmio Shell em 2023 e ao APTR em 2022, possui a inteligência cênica exigida para enfrentar tamanho desafio e o faz garbosamente, valendo-se da sutileza de seu olhar para nos transmitir algo importante ou de sua potente e bem articulada voz, usada de forma encantadora nas canções emocionantes que interpreta. A trilha sonora original de Wladimir Pinheiro ocupa uma função precípua na peça, conferindo-lhe, tendo por base essencialmente acordes que derivam do som dos atabaques que se somam aos de cordas, um resultado bastante expressivo e de notável beleza, marcando com êxito as cenas e suas transições. O cenário e o figurino foram criações de Clívia Cohen, que soube imprimir ao primeiro uma linda simplicidade coberta de simbolismos, observada nas dezenas de turbantes em preto e branco presos a fios espalhados por toda a ribalta, acompanhados por cadeira, tamborete e bacia de madeira azuis e cercados de bambu, também foi bastante feliz no figurino de Vilma Melo, trajada com um vestido meio ombro azul com estampas de círculos coloridos e acessórios imponentes (há ainda peças que lhe servem posteriormente de Pano da Costa, uma espécie de vestido, e um Ojá, turbante). A iluminação de Anderson Ratto é um indiscutível fator de embelezamento da produção, com o sábio uso dos turbantes que servem como pontos de incidência de sua luz, que passeia por cores como o rosa e o vermelho, além da prevalência do azul em certas ocasiões, focos muito bem calculados e alguns efeitos deslumbrantes, como os spots colocados atrás das cercas de bambu e a luz sobre a bacia d’água. “Mãe de Santo”, que já foi apresentada em festivais internacionais em Cabo Verde e Moçambique, além de Portugal, é uma peça teatral de caráter urgente e necessário, que é para ser vista e revista, pensada, avaliada, visto que assuntos que nos são muito valiosos, como ancestralidade, formação do nosso povo brasileiro, com sua maioria de pessoas pretas, racismo e invisibilidade da mulher negra são tratados com legitimidade e seriedade. “Mãe de Santo” é um grito de “Basta!” em cima de um palco. É um grito de “Não mexam com o meu sagrado!” em cima do mesmo palco.

Cláudia Abreu, atriz consagrada na TV, no teatro e no cinema, estreia como dramaturga em seu primeiro monólogo, sobre a vida e obra da escritora inglesa Virginia Woolf/Foto: Flávia Canavarro

Cláudia Abreu mergulhou em uma longa e profunda pesquisa sobre Virginia Woolf para levar aos palcos o seu primeiro texto teatral

Nas Artes Cênicas ou em qualquer meio de expressão artística quando se objetiva retratar uma personalidade de alcance mundial e de notada relevância para a área da qual faz parte há que se ter em mente que uma profunda e longa pesquisa deve ser obrigatoriamente realizada. Foi o que fez a consagrada atriz, roteirista e produtora carioca Cláudia Abreu, amada em todo o Brasil por seus inúmeros personagens na TV, também com presença respeitável tanto nos palcos quanto nas telas de cinema, com a escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941), a quem já fora apresentada no espetáculo “Orlando” (1989), com direção de Bia Lessa. Por alguns anos, Cláudia, formada em Filosofia, mergulhou na rica obra da autora de clássicos como “Mrs. Dalloway”, “As Ondas” e “Ao Farol”, relendo seus livros, estudando suas biografias, diários e memórias. Desta imersão literária surgiu não só o primeiro monólogo da intérprete como também o seu brilhante primeiro texto teatral, digno dos mais experientes dramaturgos, “Virginia”, com direção de Amir Haddad (com quem já havia trabalhado em “Noite de Reis”, em 1997) e codireção de Malu Valle, dois profissionais fundamentais para a concretização do projeto.

Os diretores Amir Haddad e Malu Valle exploram com proficiência as possibilidades que o binômio texto/ator lhes oferece

Estruturalmente, não é tarefa fácil condensar a tumultuada e trágica vida pessoal e gloriosa trilha literária de Virginia Woolf em uma hora de encenação, no entanto, com habilidade e noção precisa do espaço dramatúrgico, Cláudia logrou admirável êxito. A autora ofertou ao público com sensibilidade e delicadeza todas as fases marcantes de sua retratada, revelando sua postura feminista, “avant-garde” e competitiva, sua luta contra a opressão paterna, a admiração pela mãe, a paixão pelo conhecimento que lhe foi negado nas escolas, suas constantes angústias, inseguranças, crises nervosas, lapsos de memória, dores com a perda de entes queridos e com os abusos sexuais sofridos, confrontos entre lucidez e loucura, além de suas relações com os muitos irmãos, sua bissexualidade, seu problemático casamento e seu encanto pelo grupo intelectual de Bloomsbury. Vale ressaltar que a dramaturga utilizou a mesma técnica literária usada por seu objeto de estudo, “os fluxos de consciência”, capazes de expressar as vozes reais e fictícias presentes na mente de um personagem. A direção de Amir Haddad (Amir começou a conduzir Cláudia ainda durante a crise sanitária mundial, em encontros virtuais e presenciais) e Malu Valle (que entrou posteriormente) é primorosa no sentido de se afinar completamente com o tom dramatúrgico proposto por Cláudia, em uma união saudável de liberdade e técnica colocada em prática pela atriz (a própria fez menção a isso em seu agradecimento após a sessão da peça). Na verdade, o que se vê é a franca e assumida valorização do binômio texto/ator, e os diretores exploram com reconhecida proficiência esta possibilidade. As marcações são variadas, heterogêneas, deixando a peça solta, fluida, dinâmica, com Cláudia tendo um palco nu e limpo só para si.

A interpretação de Cláudia Abreu é merecedora de ocupar um lugar de destaque no compilado de suas melhores performances

Quanto a Cláudia Abreu, se pensávamos que já havíamos testemunhado todo o seu espantoso talento nas várias searas em que atuou, enganamo-nos. Cláudia é capaz de muito mais, de nos surpreender a cada fala de seu texto e movimento executado em cena. Desdobrando-se com desenvoltura em personagens representativos daqueles que estavam no entorno de Virginia (pai, irmãos, marido, amante), e mostrando com intensidade e credibilidade a vasta gama de nuances e camadas emocionais que compunham a personalidade complexa da escritora, Cláudia reafirma mais uma vez que é uma das grandes atrizes de sua geração. Uma interpretação merecedora de ocupar um lugar de destaque no compilado de suas melhores performances. A direção de movimento de Marcia Rubin é excepcional, imprimindo beleza, força, leveza, cadência e harmonia ao instrumento corporal da artista. Cláudia, atendendo com disciplina às orientações de Marcia, mostrou ter um grau de expressividade de movimentos de seu corpo demasiado elogiável. Marcelo Olinto, figurinista, foi extremamente feliz ao vestir a protagonista com um bonito vestido branco longo com características atemporais e neutras, ornado com brocados e pequenos brilhos, com um corte que lhe permitiu executar com facilidade as movimentações e gestuais exigidos. Beto Bruel, a quem coube a iluminação, cumpriu belamente a sua função, alcançando resultados inebriantes com o uso prevalente do azul, da sépia e do branco em sutis nuances, debruçando-se com esmero em focos específicos e diferenciados. A trilha sonora de Dany Roland, com a colaboração de José Henrique Fonseca, possui elementos que nos intrigam e outros que nos chamam a atenção pela delicadeza dos acordes de instrumentos com cordas e teclados, compondo com vultosa satisfação o panorama geral cênico. “Virginia” é uma obra fascinante que destrincha as falas femininas e feministas de uma das escritoras mais influentes do século XX, abordando questões do gênero que afetam sobremaneira a sociedade até hoje. O feminino e toda a sua importância ganha vida e potência na doce e forte voz de Cláudia “Virginia” Abreu.

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Foto: Paulo Ruch

A atriz, modelo e empresária Marina Ruy Barbosa na edição comemorativa dos 20 anos da São Paulo Fashion Week em sua temporada Verão 2016.

Carioca, Marina iniciou a sua bem-sucedida carreira na televisão em 2003 com uma participação na novela de Ana Maria Moretzsohn “Sabor da Paixão”, exibida às 18h pela Rede Globo.

Sua primeira personagem fixa em folhetins pôde ser vista em uma trama de Antônio Calmon e Elizabeth Jhin para a faixa das sete horas, “Começar de Novo” (na história interpretava Ana, uma menina misteriosa com poderes sobrenaturais, sendo uma espécie de “anjo da guarda” de Miguel, Marcos Paulo).

A sua escalação para uma produção do horário nobre, “Belíssima”, em 2005, foi um divisor em sua trajetória, fazendo com que se tornasse conhecida em todo o país (Sabina, o seu papel, tinha uma função importante na história; filha de Vitória, Cláudia Abreu, e Pedro, Henri Castelli, atraía as atenções de sua avó Bia Falcão, a grande vilã interpretada por Fernanda Montenegro).

No ano de 2006 a artista foi vista em três produções, a série educacional “Tecendo o Saber” e os especiais de fim de ano “Xuxa 20 anos” e “Natal Todo Dia”.

No ano seguinte foi uma das concorrentes do quadro do extinto “Domingão do Faustão” “Dança das Crianças” (também foi escalada para a telenovela de Walcyr Carrasco das sete horas da noite “Sete Pecados”, em que defendeu Isabel, filha dos personagens de Reynaldo Gianecchini e Giovanna Antonelli).

Em 2009 Marina atua em três funções diferentes, como apresentadora do “TV Globinho”, como uma das participantes do quadro “Super Chefinhos” do programa “Mais Você” e como Bia, uma adolescente no seriado “Tudo Novo de Novo”.

Seu folhetim seguinte, assinado pela autora Elizabeth Jhin, chamou-se “Escrito nas Estrelas”, produção levada ao ar às 18h em 2010, em que encarnava uma estudante de balé rebelde, Vanessa.

Posteriormente, em 2011, Marina ganha mais notoriedade ao personificar Alice, uma vilã que ao final se regenera, em “Morde & Assopra”, telenovela escrita por Walcyr Carrasco para a faixa das sete da noite.

No ano seguinte a jovem artista é escalada para compor uma estagiária de jornalismo, Juliana, em uma trama pensada pela autora Elizabeth Jhin para as 18h, “Amor Eterno Amor”.

O ano de 2013 marca o seu reencontro na teledramaturgia com o autor Walcyr Carrasco em sua novela das 21h “Amor à Vida”, em que compôs Nicole, uma órfã milionária prestes a sofrer um golpe urdido por Leila, Fernanda Machado, e Thales, Ricardo Tozzi, que acaba se apaixonando pela sua vítima (a personagem de Marina morre devido a uma grave doença que a acometia, no entanto faz aparições fantasmagóricas esporádicas para o seu pretendente).

Seu próximo trabalho em novelas seria determinante em sua carreira já que o seu papel, Maria Ísis, em “Império”, trama do horário nobre escrita por Aguinaldo Silva, seria o primeiro em que a atriz representava em uma idade adulta, o que lhe permitiu formar um casal com o ator Alexandre Nero, José Alfredo, obtendo grande aceitação e torcida do público.

Em seguida, ao lado de Johnny Massaro, embrenha-se em um mundo fabular com diversas influências estéticas, inclusive o filme do cineasta americano Tim Burton “A Noiva-Cadáver”, de 2005, que serviu como inspiração, na série de Cláudio Paiva, Guel Arraes e Newton Moreno “Amorteamo”, como Malvina, uma morta-viva com traços de vilania.

Um outro ponto de virada em sua carreira pôde ser acompanhado em “Totalmente Demais”, folhetim das 19h criado e escrito por Rosane Svartman e Paulo Halm, em que, como a protagonista Eliza, incorporou uma jovem do interior, quase vítima de abuso de seu padrasto, moradora de rua na cidade grande, que acaba se tornando uma modelo internacional.

Um de seus papéis mais impactantes viria logo depois na minissérie de Manuela Dias “Justiça”, na qual representou Isabela, uma moça rica e fútil que é assassinada pelo seu noivo (Jesuíta Barbosa) ao ser flagrada o traindo. Sua mãe, a professora Elisa, Débora Bloch, decide buscar justiça pela morte brutal de sua filha.

Após a impactante participação na minissérie Marina tem de enfrentar um novo desafio em sua carreira, protagonizar, ao lado de Romulo Estrela e Bruna Marquezine, a novela passada na época medieval escrita por Daniel Adjafre “Deus Salve o Rei”, trama das sete da noite em que representou Amália (sua personagem disputava o amor do príncipe Afonso, Romulo, com sua antagonista, a princesa Catarina, Bruna).

Em pouco tempo a artista já estava escalada para ser a protagonista da próxima telenovela das 21h, “O Sétimo Guardião”, escrita por Aguinaldo Silva, em que vivia Luz, uma moça que se distinguia pelos seus poderes especiais (na trama, seu par romântico coube a Bruno Gagliasso; Luz enfrentava as maldades perpetradas por Valentina, Lília Cabral).

Marina está no elenco internacional da minissérie de Mauro Lima “Rio Connection”, que após estrear no exterior no ano passado figura como um dos produtos disponíveis no Globoplay (neste projeto dos Estúdios Globo, Sony Pictures Television e produtora Floresta, a atriz criou a personagem Ana).

Nas salas escuras dos cinemas a intérprete pôde ser vista em três produções, “Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida” (direção de Moacyr Góes), “Sequestro Relâmpago” (direção de Tata Amaral) e “Todas As Canções de Amor” (direção de Joana Mariani).

Nos palcos, esteve em espetáculos como “Chapeuzinho Vermelho – O Musical”, como a própria, e “7 – O Musical”, da dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho.

Atualmente, Marina Ruy Barbosa está no ar como a grande vilã de “Fuzuê”, novela criada e escrita por Gustavo Reiz para a faixa das 19h da Rede Globo, com supervisão de Ricardo Linhares e direção artística de Fabrício Mamberti (como Preciosa Montebelo, um papel totalmente diferente de tudo o que já havia feito na TV, Marina expõe toda a faceta maquiavélica, gananciosa e preconceituosa da empresária que não mede esforços para atingir os seus objetivos).

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Amaury Lorenzo se vale de muitos recursos corporais e vocais para narrar ao público a terceira e última parte da obra clássica de Euclides da Cunha “Os Sertões”/Foto: Marcos Morteira

Baseado em “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, “A Luta” é um espetáculo que serve para entendermos melhor o Brasil de hoje

Muito apropriadamente o ator mineiro Amaury Lorenzo ao final do espetáculo que estrela “A Luta” disse ao seu público algo como: “Precisamos conhecer o que aconteceu antes em nosso país para entendermos o que acontece hoje”. Amaury, indicado aos Prêmios Cesgranrio e Cenym de Melhor Ator 2023, referia-se ao tema central de seu monólogo, idealizado e dirigido por Rose Abdallah, escrito por Ivan Jaf, baseado na terceira e última parte da obra clássica de Euclides da Cunha “Os Sertões” (1902), que trata de forma jornalística e não acadêmica a sangrenta Guerra de Canudos (1896-1897), no interior baiano, travada por povos sertanejos liderados por Antônio Conselheiro e forças militares republicanas.

O dramaturgo Ivan Jaf nos entrega um material robusto aberto à mais acurada reflexão coletiva e Rose Abdallah, idealizadora e diretora, segue o acertado caminho da oralidade mais próxima e íntima não se limitando à fórmula pura e simples da narração objetiva dos fatos

Ivan Jaf realiza um trabalho dramatúrgico de grande riqueza, realçado pela fidelidade episódica e pelo empenho na valorização dos detalhes, entregando à plateia mais do que um registro histórico relevante do Brasil República, mas também um material robusto aberto à mais acurada reflexão coletiva. Seu texto nos transmite com elevada categoria não só o perfil do homem profundo brasileiro, o sertanejo que vive continuamente com as agruras impiedosas do tempo e com a escassez do essencial para sobreviver, assim como nos descortina as nuances que permeavam a horda de homens e mulheres com suas crianças que serviam cegamente aos mandos autoritários de Conselheiro, que os envolvia com uma religiosidade amedrontadora, fanática, moldada por profecias apocalípticas, imiscuída com interesses políticos. Traçou com minúcias a personalidade castradora do líder de Canudos, calcada em discriminações, sexismo e misoginia. Por outro lado, as tropas obedientes à República não foram poupadas no que diz respeito ao seu propósito irredutível em aniquilar com toda a truculência imaginável, utilizando-se de um poderio bélico avolumado, os insurgentes do arraial. Rose Abadallah sobrepôs com êxito o desafio de se atingir o público e aguçar o seu interesse pela estrutura cênica/dramatúrgica, com um assunto histórico que poderia não ser do domínio de todos, apostando na força dramática (e algumas vezes cômica), no talento e carisma de seu intérprete, obtendo a compreensão absoluta da narrativa. Rose seguiu o caminho acertado da oralidade mais próxima e íntima, não se limitando à fórmula pura e simples da narração objetiva dos fatos. A diretora explorou ao máximo a fisicalidade de Amaury, fazendo com que em muitas ocasiões o ator representasse simultaneamente com o corpo aquilo que dizia, e o espaço teatral, com marcações pujantes pontuadas por ritmos distintos.

Não há obstáculos para que a entrega de Amaury Lorenzo se consuma de modo pleno, com a sua rara multiplicidade de linguagens corporais e vocais

Amaury Lorenzo revela uma impressionante capacidade de extrair de seu corpo uma rara multiplicidade de linguagens, valendo-se com sabedoria de suas força e disposição física, enriquecendo extraordinariamente a maneira como se comunica com o seu público. Um artista regente de sua própria máquina corporal. Não há obstáculos para que a sua entrega se consuma de modo pleno. Com total entendimento dos seus feitos, além de jogar e brincar com o instrumento corpóreo que possui, o protagonista também o faz com o seu aparelho vocal, singrando pelos mais diferentes acordes e tons, seja cantando, seja falando, seja gargalhando, seja chorando ou até mesmo reproduzindo o som perturbador de tiros. Um ator que mergulha profundamente e sem medo em uma experiência literário/teatral única. A espetacular direção de movimento leva a dupla assinatura de Amaury e Johaine Hildefonso. A iluminação de Ricardo Meteoro passeia com beleza por diversas possibilidades cromáticas, abraçando o azul, o vermelho, o laranja e o lilás, incluindo a interseção de algumas, como o verde e o rosa. Destacam-se ainda seus focos bem calculados, variando as direções, com belos efeitos. A trilha sonora gravada ficou a cargo de Alexandre Dacosta que, com bastante criatividade, reuniu uma infinidade de sons e ruídos em determinado momento da peça, como barulhos da passagem de trens junto a outras sonoridades urbanas e rurais, e músicas, como “O Guarani”, de Carlos Gomes, e cânticos indígenas, resultando em algo perturbador e forte. “A Luta” é um espetáculo que cumpre um papel fundamental para as Artes e a sociedade, trazendo informação e reflexão sobre a nossa História, sobre um período bárbaro que não deve se repetir, fazendo com que, como bem disse Amaury Lorenzo, conhecendo o passado saibamos entender melhor o nosso presente. Trazendo à luz esse esclarecimento para o público teatral, essa já é uma luta mais do que vencida.

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Maitê Proença revela ao público suas experiências de vida, que incluem traumas familiares, viagens de autoconhecimento e os desdobramentos na carreira/Foto: Dalton Valério

Maitê Proença oferta à plateia teatral a versão definitiva de sua história, a única respeitosa à verdade

Durante décadas a atriz, escritora e apresentadora paulistana Maitê Proença foi endeusada pelo público e pela imprensa por sua beleza ímpar, alçada ao posto de símbolo sexual e admirada pela sua presença luminosa em inúmeras novelas da Rede Globo e produções de sucesso da extinta Rede Manchete, além dos filmes que estrelou. No entanto, essa mesma imprensa que a endeusava também lhe fora cruel e inclemente ao não só questionar o seu talento quando era muito jovem como escancarar para a sociedade episódios de sua vida extremamente íntimos e delicados, envolvendo tragédias familiares. Maitê, uma artista esclarecida e inteligente, resolveu com o monólogo “O Pior de Mim”, escrito pela própria e que originou um livro homônimo, colocar um ponto final nesta história cheia de interpretações alheias e ofertar à plateia teatral a sua versão não só definitiva mas a única respeitosa à verdade, o que só ela mesma poderia fazer.

A peça entrelaça o que Maitê presenciou e o que presencia com os temas abordados, como o machismo e suas consequências e o etarismo

O espetáculo que teve anteriormente a sua versão digital destacada pela mídia como um dos melhores espetáculos no formato serve de parlatório para a intérprete desfiar um rosário de assuntos a partir de suas intensas experiências pessoais, passando pelas diferentes fases da vida, como a internação em um colégio, a sua relação com os pais sendo testemunha da espiral crescente de tensão do casal que descambaria para um desfecho infeliz, sua entrada ao acaso no meio artístico por influência de grandes profissionais do teatro e da TV que acreditaram em seu potencial, os empecilhos enfrentados ao desenvolver personagens e suas cenas devido aos impactos emocionais sofridos, suas uniões e separações amorosas e suas viagens pelo mundo que lhe deram um cabedal de conhecimentos, aprendizados e insuspeitadas aventuras, afora os vários acidentes de que fora vítima. A peça cujas direção e concepção cênica couberam a Rodrigo Portella põe em debate questões atualíssimas e relevantes, entrelaçando o que Maitê presenciou e presencia com os temas a serem abordados, como o machismo estrutural entranhado na cultura brasileira tornando o país um dos cinco com maior incidência de feminicídios e o etarismo com as mulheres, especificamente com aquelas com mais de 60 anos.

Um espetáculo que seduz pela coragem e sinceridade de uma atriz

Maitê Proença, bela e possuidora de elogiável expressão corporal, tem bastantes recursos individuais ao seu favor, como carisma, credibilidade, talento, espontaneidade e domínio das palavras, para conquistar de imediato os espectadores, que se deixam levar pelo bate-papo quase informal que lhes é proposto. Honesto e não raras vezes irônico, seu texto atinge cada um daqueles que lhe assiste, impondo-lhe invariavelmente uma sequência de reflexões. A direção de Rodrigo Portella imprime, a despeito da aridez dos temas discutidos, leveza e lirismo à montagem, deixando a atriz totalmente à vontade e livre em cena, deslocando-se por todo o palco, dançando, sentando-se à beira da ribalta, num legítimo “tête-tête” com o público. O aspecto lírico/poético é visto na duplicidade de Maitê no espetáculo, pois é filmada a maior parte do tempo pelo ator Renato Krueger (seja falando diretamente com a câmera ou não). As imagens projetadas em uma cortina branca sugerem um elemento expressionista à produção. Marcello H., diretor musical, aposta em melodias com a prevalência do piano, sons instigantes e a canção de Carole King “Where You Lead”. Maitê e Rodrigo Portella dividem a idealização do cenário, composto por mesas de madeira com distintos tamanhos, cada qual num canto do palco, e ao fundo camadas de cortinas transparentes. Também coube a Rodrigo a iluminação do monólogo, realçado por um plano aberto mais suave e natural, focos na atriz e sombreados, além da valorização de alguns matizes, como o azul, o vermelho e o lilás. “O Pior de Mim” é uma obra que nos seduz pela coragem e sinceridade de uma atriz, que se atreve a se desconstruir da imagem que lhe deram à revelia. Um ato de libertação pessoal e artística pouco comum de se ver nos palcos. Um ato teatral e humano que apresenta o melhor da mulher, artista, filha e mãe Maitê Proença.

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Evelyn Castro, também uma consagrada comediante, encanta o público com a sua voz ao apresentar os diversos hits da cantora nascida no estado americano do Tennessee/Foto: Debonis

Evelyn Castro, brilhante atriz de musicais e consagrada comediante, faz uso de sua capacidade extraordinária de comunicação para causar o interesse e a diversão do público com suas experiências pessoais e profissionais e referências à vida de Tina Turner

Em maio deste ano o mundo se viu órfão de uma das maiores cantoras do século XX, Tina Turner. Nascida no estado americano do Tennessee, Anna Mae Bullock teve uma vida atribulada em meio a glórias de sua carreira e um histórico de abusos e dramas pessoais. Todo o sofrimento que lhe foi infligido nunca fora capaz de arrefecer a sua força e apagar a sua estrela, tendo se tornado um símbolo de resiliência feminina e de beleza e forma física que transcenderam o tempo. Entretanto, para o público brasileiro de shows, esta orfandade pode ser amenizada ao se conferir uma das mais brilhantes atrizes de musicais (“Tim Maia – O Musical”, “Cássia Eller – O Musical”) e consagrada comediante (“Porta dos Fundos”, “Tô de Graça”) em cena interpretando os emblemáticos hits da “Rainha do Rock”, a carioca Evelyn Castro em “Tributo a Tina Turner”. Evelyn, que fez sucesso em novelas como a Deusa de “Quanto Mais Vida, Melhor!” e séries como a Maria Augusta de “Encantado’s, assina o engraçadíssimo texto do espetáculo/show que inclui passagens de sua vida e trajetória artística e referências à história de Tina, utilizando-se com vasta sabedoria de sua capacidade extraordinária de comunicação para interagir de maneira exitosa com o seu público e fazê-lo se interessar e se divertir com as suas experiências, como o início de sua formação musical na igreja e as relações movidas a muito humor na adolescência com os seus pais e na fase adulta com o seu filho.

Evelyn Castro, dotada de privilegiada voz, com ritmo, charme e sensualidade, corresponde com louvor a clássicos como “We Don’t Need Another Hero”

Com um visagismo caprichado visto em seus dreads claros, figurino com pegada roqueira (casaco jeans, regata, saia de couro e boots), Evelyn, dotada de uma privilegiada voz com inacreditáveis extensão, afinação e limpidez, além de seu irretocável acento no inglês, corresponde com louvor às mais difíceis exigências das canções eternizadas pela artista que adotou posteriormente a cidadania suíça, brilhando em clássicos com diferentes camadas melódicas, como “What’s Love Got To Do With It”, “Proud Mary”, “We Don’t Need Another Hero”, “I Don’t Wanna Lose You” e “The Best” (reservado para um momento especial), provocando uma verdadeira catarse nos espectadores. A cantora e atriz também brindou o público com uma música não associada comumente a Tina, “The Game of Love”, marcada pelos acordes do multi-instrumentista mexicano Carlos Santana. Com o propósito de reverenciar outros artistas negros que trilharam caminhos vitoriosos, foram lembrados Sade (“Smooth Operator”) e Tim Maia (“Descobridor dos Sete Mares”). Um dos pontos elogiáveis deste merecido tributo consiste no fato de que Evelyn não buscou simplesmente imitar Tina Turner, mas emprestar a sua forte personalidade à figura mítica da estrela. Cabe destacar o ritmo, a expressão corporal, o charme e a sensualidade com que a intérprete valoriza as suas performances. A realização bem-sucedida de “Tributo a Tina Turner” se deve também com muita justiça a uma equipe que prima pela competência e profissionalismo: o diretor musical e baixista Vini Lobo, o guitarrista Sergio Morel, o tecladista Pedro Augusto, o baterista Mauricio Borioni e os ótimos backing vocals Tatty Caldeira (com quem ficou a linda canção “Private Dancer”) e André Viéri (ambos se entregaram ao clima alto astral do show). “Tributo a Tina Turner” é um espetáculo/show que não se restringe tão somente a homenagear uma das mais grandiosas cantoras do planeta, sendo também uma calorosa e sincera celebração, uma animada festa entre Evelyn Castro e seu público, uma emoção coletiva ao som das belas canções de Tina. Uma festa “the best” que alça Evelyn Castro ao posto de diva.

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Categorias: Show

Carolyna Aguiar e Luisa Thiré vivem mulheres na faixa dos 50 anos com personalidades totalmente opostas na peça de Jen Silverman/Foto: Pino Gomes

O etarismo em relação à mulher, em especial na faixa dos 50 anos, é questionado com desassombro na montagem inédita da peça escrita pela premiada dramaturga norte-americana Jen Silverman

A supervalorização da juventude na sociedade ocidental contemporânea, realçada pela opressão desmedida das redes sociais, inclusive no que concerne ao ser feminino, é uma questão que deve obrigatoriamente ser avaliada e debatida. Uma mulher de 50 anos ou mais ao invés de ser valorizada e admirada pelos seus atributos e belezas naturais invariavelmente acaba sendo colocada, por parte de um segmento social robusto, em um nicho em que as suas potencialidades e habilidades são subestimadas. A premiada dramaturga, romancista e roteirista norte-americana Jen Silverman mergulha com desassombro neste terreno injusto no qual o etarismo assume papel de protagonista em sua peça “A Inquilina” (“The Roommate”), traduzida e adaptada com notável eficiência por Diego Teza em sua versão brasileira, em montagem inédita no país, estrelada por Luisa Thiré e Carolyna Aguiar e dirigida por Fernando Philbert.

Os choques culturais e comportamentais de duas mulheres, uma da zona rural dos Estados Unidos e outra de uma grande metrópole servem para a discussão apropriada de temas caros a todos nós, não só ao sexo feminino, como solidão e diversidade sexual

O espetáculo se desenvolve a partir da relação movida a choques culturais e comportamentais entre Sharon (Luisa Thiré), uma dona de casa divorciada, mãe de um filho ausente (Lucas Drummond participa com sua voz em off), moradora da zona rural dos Estados Unidos, e sua inquilina Robyn (Carolyna Aguiar), uma mulher do mundo, também mãe, vinda de Nova York, com posturas e estilos diametralmente opostos aos da primeira, como o veganismo, a sua homossexualidade e o consumo de cannabis, além de um passado fora dos padrões, estando ambas na faixa dos 50 anos. A convivência forçada da dupla impulsiona com propriedade a discussão de temas caros a todos, não só às mulheres, como solidão, relacionamentos virtuais, diversidade sexual, filhos, transformações pessoais e liberdades individuais independente da idade que se tenha. Jen Silverman não se furta a imiscuir em seu texto porções generosas ou mais sutis de humor, associadas à insolência e a transgressão, preocupando-se em manter sólidas a humanidade e a afetividade de suas personagens.

Quem se habilita em ser a inquilina de Sharon?

Fernando Philbert atinge consistente êxito ao não desperdiçar a cativante liga existente entre Luisa e Carolyna, promovendo com distinção o desenho dos embates constantes do par, utilizando-se de marcações e transições variadas. Na verdade, Fernando busca a simplicidade e a credibilidade das conexões pessoais dessas duas mulheres, o que o faz com absoluto sucesso. Luisa Thiré transmite com magnitude os detalhes da personalidade da reprimida Sharon, sabendo com o mesmo brilho lhe conferir as nuances de um circunstancial empoderamento (as cenas cômicas mostram uma surpreendente face da atriz). Carolyna Aguiar incorpora com louvor o perfil pragmático, desencanado e sarcástico de Robyn, fazendo com que embarquemos com ela neste bem-sucedido caminho. Duas atrizes belamente afinadas. O cenário de Beli Araújo nos leva para o aconchego de uma moradia rural, com sua mesa central de madeira e cadeiras e uma sugestão de varanda com mesa e assentos típicos. Uma cerca rústica completa a proposta coerente de Beli. Karen Brustollin, responsável pelos figurinos, realiza um ótimo e rico trabalho, usando costumes que se adequam com perfeição ao estilo de cada uma das personagens, como casaco, t-shirt estampada, calça jeans rasgada e botas para Robyn e blusa clara florida, cardigã e saia comprida para Sharon (em outro momento usa um vestido deslumbrante com fenda). Vilmar Olos, iluminador, decidiu apostar em planos mais suaves, semiabertos, evocando com charme a ambiência do cotidiano das duas. O bonito conjunto é formado por uma paleta que inclui luzes com cores primárias, somando-se outras, além de leds. Os focos são muito bem aproveitados. A trilha sonora é de Rodrigo Penna, que oferta à plateia uma criativa junção de sons e canções, flertando com o experimentalismo, mas se valendo também de um techno potente, standards como “New York, New York” e hinos pop como “Heart of Glass”, na voz de Miley Cyrus. Toni Rodrigues, diretor de movimento, explora o melhor das intérpretes, visível em suas posturas congruentes e instantes determinados, como Sharon dançando música eletrônica de modo hilário e Robyn exibindo posições impressionantes de alongamento. “A Inquilina” é um valoroso instrumento cênico regado por um humor irresistível e uma tocante sensibilidade que possui, dentre muitos de seus méritos, o enaltecimento da mulher madura, no alto de seus 50 anos, legitimando seus infinitos direitos de liberdade, transformação pessoal e de espalhar a sua inegável beleza. Quem se habilita em ser a inquilina de Sharon?

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Rafael Queiroz interpreta o professor de Filosofia Ulisses e Melise Maia a professora primária Lóri, um casal que passa por todas as etapas e dificuldades de uma conquista até a consumação da
relação amorosa/Foto: Sabrina da Paz

A atriz, diretora e roteirista Melise Maia, ciente do poder transformador de Clarice Lispector, idealizou e fez a ótima e pioneira adaptação para os palcos do sexto romance publicado da escritora

Não há indivíduo que passe incólume ao se deparar com a riquíssima obra da escritora ucraniana que abraçou o Brasil como pátria Clarice Lispector. Seja em suas publicações (romances, contos e ensaios), seja em adaptações para o audiovisual e Artes Cênicas, os íntimos sentimentos e sensações, vividos no cotidiano, de uma das mais importantes literatas brasileiras do século XX, causam de modo não variável uma inescapável identificação em quem se propõe a ser o sujeito passivo de suas expressões pessoais, não importando o gênero a que pertença este sujeito, afinal a autora escrevia para o ser humano (o “ser” humano era uma de suas mais caras questões). A atriz, diretora e roteirista Melise Maia, ciente do poder transformador de Clarice, idealizou e fez a pioneira e ótima adaptação para os palcos de seu sexto romance publicado, “Uma Aprendizagem Ou O Livro dos Prazeres”, de 1969.

O público acompanha com robusto interesse o périplo deste bonito par rumo ao prazer tāo almejado

O espetáculo, com o título reduzido para “O Livro dos Prazeres”, apresenta-se como uma chance obrigatória de se mergulhar em um dos muitos mundos particulares da também jornalista que se declarava “brasileira e pernambucana”. A encenação nos introduz no universo da professora primária Lóri (ou Loreley, referência à sereia que encantava navegantes e pescadores na lenda alemã do início do século XIX), Melise Maia, e seu enfrentamento com os próprios desejos, medos, inseguranças, dúvidas e a vontade irredutível de vivenciar intensamente uma paixão que resulte em um verdadeiro amor. Destacando-se como eficiente recurso dramatúrgico, Lóri escreve as futuras linhas de sua história em uma máquina de datilografar (uma alusão a Clarice?). E nesta sua “ficção” encontra um belo rapaz, garboso, Ulisses (Rafael Queiroz), professor de Filosofia, enquanto tentava pegar um táxi. A partir desse primeiro encontro vão se desenrolando passo a passo as complexas etapas que configuram o ato da conquista amorosa, com dificuldades e obstáculos impostos de lado a lado. Ambos transcendem a oposição de gêneros, levando-a para lugares ainda mais remotos. Lóri, numa luta interna para não se deixar vencer pela sua ansiedade, angústia e impaciência face à iminência da realização de seus anseios afetivos, trava uma outra luta com Ulisses, que com aparente racionalidade tenta sempre frear os seus instintos e aspirações, como se colocasse regras em um jogo de sedução que não deveria ser regrado. Mérito da adaptação de Melise, que respeita a sacralidade das intenções da escritora com todas as suas alegorias, idílios e epifanias não raro associados à natureza, o público acompanha com robusto interesse o périplo deste bonito par rumo ao prazer pleno tão almejado.

Uma montagem sedutora e charmosa com direção de Ernesto Piccolo cujos protagonistas, Melise Maia e Rafael Queiroz, atuam com valiosíssima verdade

A direção geral de Ernesto Piccolo atinge uma adorável comunhão entre o texto e seus protagonistas, tornando a montagem exponencialmente sedutora e charmosa. Ernesto, ao compreender o desafiador jogo afetivo à sua frente, buscou dinamizar as marcações e movimentações, inclusive com cenas de plateia e à beira do palco (a comunicação com os espectadores nestes momentos é nítida e producente para a peça). O diretor se empenhou e logrou êxito ao colocar sempre que possível um fino e agradável humor em sua condução cênica. Melise Maia e Rafael Queiroz imprimem valiosíssima verdade aos seus personagens, ostentando-nos uma sintonia cujo alcance não é tão simples. Melise transmite com sensibilidade e força a explosão de emoções que cerca o comportamento de Lóri, tendo que atender a oscilações intermitentes dos humores que a invadem. Já Rafael Queiroz, com inquestionável presença de palco, causando um certo frisson com a sua primeira entrada em cena, buscou com louvável acerto um tom mais centralizado, questionador, inquisidor e com um leve cinismo nas entrelinhas de suas falas. Enfim, uma afinadíssima dupla. A refinada direção musical e arranjos ficaram nas excelentes māos do ilustre Edu Lobo, que contou com músicos altamente qualificados e reconhecidos, Mauro Senise (sopros), Cristóvão Bastos (piano) e Jorge Helder (contrabaixo). Rostand Albuquerque executou com beleza, inventividade e coerência o seu cenário, com móveis e objetos em estilo retrô, como uma cadeira de madeira com estofamento branco, mesa com a citada máquina de datilografar e telefone, além de um abajur e luminárias penduradas. Sobre estes elementos um longo móbile formado por diversos livros, ideia que confere maior formosura e harmonia à ambientação proposta (há ainda um extenso painel branco atrás o qual servirá para a luz de Eduardo Salino). A iluminação de Eduardo oferece à plateia uma vasta paleta de coloridos estonteantes, feéricos, com a prevalência do rosa, variações de lilás e azul. A luz aberta sobre os intérpretes e parte do teatro tem efeitos bem-sucedidos. Marcela Treiger esbanja elegância e bom gosto nos figurinos selecionados. Sāo diversas as peças que tāo bem vestem os atores, além dos acessórios, como vestidos, blazers, escarpins e mocassins e roupas de banho. Márcia Rubim, diretora de movimento, contribui com a sua farta experiência no ofício ao provocar tanto em Melise quanto em Rafael a expressividade corporal compatível com os seus personagens com resultados positivos.

“O Livro dos Prazeres” é um espetáculo pleno em maravilhas cênicas e textuais, entregando ao público a essência reveladora e honesta de uma mulher que nāo temia em dividir com os seus leitores suas dores, sonhos e prazeres. E quem escreveu este “livro teatral” com adorável paixão foram Melise Maia e Rafael Queiroz.

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Edwin Luisi e Arlete Salles, amigos de longa data, encontram-se na peça do neto da atriz, o dramaturgo Pedro Medina/Foto: Guga Melgar

No espetáculo “Ninguém Dirá Que É Tarde Demais” Arlete Salles, completando 65 anos de carreira à época de sua estreia, está cercada de grandes amigos, como Edwin Luisi e Amir Haddad, e familiares, como o filho Alexandre Barbalho e o neto Pedro Medina, também autor do texto

Ao se ter o primeiro conhecimento da comédia “Ninguém Dirá Que É Tarde Demais” já sentimos uma ponta de emoção ao constatarmos que liderando o seu elenco estão Arlete Salles e Edwin Luisi, grandes amigos na vida, acompanhados de Alexandre Barbalho e Pedro Medina, respectivamente filho e neto da gloriosa atriz. Na época da estreia da peça, em 2021, Arlete estava completando 65 anos de carreira, e Edwin, 50, e esta efeméride, que não poderia passar em branco, foi brindada com o saboroso, divertido, reflexivo e crítico texto do jovem dramaturgo Pedro Medina. Ajudando a formar essa família estão o mestre Amir Haddad, responsável pela direção artística, o qual havia conduzido os passos de Arlete 35 anos atrás na peça “Felisberto e o Café”, e Lúcio Mauro Filho, que fora enteado da artista, incumbido, ao lado de Máximo Cutrim, da direção musical do espetáculo cujo lindo título foi extraído da canção “O Último Romance”, do grupo Los Hermanos.

O dramaturgo Pedro Medina insere em sua bem estruturada narrativa temas relevantes como envelhecimento, solidão, padrões impostos pela sociedade e amor e sexualidade na terceira idade

A montagem tem como pano de fundo de sua história a grave crise sanitária que transformou e assombrou a humanidade (exatamente um ano após a sua eclosão, mas com muitos já vacinados, protocolos de segurança mantidos e um medo persistente). A despeito disso, Pedro Medina mostrou a sua espantosa habilidade em driblar a tragédia com o seu azeitado humor porém não poucas vezes eivado de críticas oportunas aos que não levaram a sério o episódio traumático, ao nos narrar as implicâncias de dois vizinhos, Luiza (Arlete Salles) e Felipe (Edwin Luisi), um com o outro, moradores de prédios contíguos, devido aos seus hábitos domésticos atrelados ao confinamento compulsório, como o som ensurdecedor da lavadora de roupas da primeira e as músicas insistentes do segundo. Felipe, um servidor público aposentado, viúvo, atolado em dificuldades financeiras, com certa confusão mental, viu-se obrigado a morar com o seu filho Mauro (Alexandre Barbalho), um médico homeopata e místico, separado, pressionado pelo aumento da pensão alimentícia de suas filhas. No caso de Luiza é o seu neto Márcio (Pedro Medina), compelido a interromper o seu doutorado, quem passa a dividir o mesmo teto que ela. Dessas convivências forçadas surgirão os mais diversos conflitos, inclusive geracionais. Um encontro casual na rua sem que saibam quem realmente são mexerá com os afetos de Luiza e Felipe, servindo de trampolim para o desenvolvimento dos fatos posteriores. O autor, com bastante sensibilidade e graça, insere em sua bem estruturada narrativa vários temas relevantes às pessoas, como envelhecimento, solidão, padrões impostos pelo meio social, sexualidade na terceira idade e a possibilidade de se viver um grande amor na fase mais madura da vida. Tudo feito com generosas doses de otimismo.

Uma peça que nos prova a força e a coragem de uma ‘família’ disposta em afirmar e reafirmar a arte teatral em um momento ainda tão delicado

Amir Haddad, do alto de sua experiência e entendimento cênicos, constrói a montagem sem amarras espaciais, fronteiras preestabelecidas, não havendo marcas totalmente definidas dos locais de ação, deixando os seus atores bem à vontade, circulando com desenvoltura por todas as linhas da ribalta. Algumas ótimas sacadas de Amir foram as decisões de colocar os intérpretes como observadores das cenas dos colegas, como se cada um tivesse seu momento de brilhar, e a presença da música, com os artistas bailando, como condutora da transição dos quadros. Arlete Salles, atriz com imensa popularidade graças a seus antológicos personagens na TV, conjuga com soberba maestria as camadas de drama e humor nas medidas que lhe são exigidas, compondo Luiza com marcante vigor e admirável encanto. Arlete atende com inteligência aos níveis mais racionais e assertivos de seu papel, sendo frágil quando necessário. Edwin Luisi, da mesma forma estimadíssimo pelo público por momentos tão expressivos e inesquecíveis na televisão, representa com notável êxito a personalidade mais angustiada e fragilizada de Felipe, desenhando claramente o distúrbio cognitivo que o acomete, não deixando escapar a comicidade que domina muito bem nos instantes pontuais. Alexandre Barbalho acompanha com acertos todos os tons dramatúrgicos que a peça lhe impõe, fazendo uma bela e afetuosa dobradinha com Edwin. Pedro Medina esbanja espontaneidade e simpatia como o questionador Márcio, obedecendo com credibilidade aos arroubos do jovem estudante. Sua cena com Arlete Salles em que o objeto é um questionário sobre sexo na maturidade é engraçada ao extremo. A direção musical de Lúcio Mauro Filho e Máximo Cutrim é primorosa graças à inspiração da dupla em selecionar um repertório que se destaca pelo ecletismo de gêneros (com parcela significativa de músicas instrumentais), como um samba mais antigo, um bolero, uma valsa, além de canções tidas como verdadeiros clássicos, como “Jura”, de Sinhô, e “Luiza”, de Antonio Carlos Jobim. José Dias montou o seu cenário da maneira mais funcional possível, utilizando-se de uma mesa maior, cabideiros de chão e uma dezena de cadeiras, que servem eficientemente à direção. A figurinista Carol Lobato adotou peças atuais, de caráter urbano, como os moletons de Edwin e Pedro, e tradicionais, como o vestido verde com brocados de Arlete e as roupas sociais de Alexandre, respeitando as características de cada tipo. Aurélio de Simoni, no comando da iluminação, lançou mão de planos mais abertos e outros menos, luzes laterais, focos nos atores e sombras, logrando bons resultados em seu conjunto. “Ninguém Dirá Que É Tarde Demais”, como peça, é a prova inconteste que mostra a força e a coragem dessa “família” em afirmar e reafirmar a arte teatral ainda em tempos delicados, ofertando ao público o frescor de um novo e jovem dramaturgo cheio de ideias para nos contar, Pedro Medina.

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Giuseppe Oristanio como o escritor e diplomata João Guimarães Rosa ao lado do fardão da Academia Brasileira de Letras
/Foto: Alberto Maurício

A dramaturga Lívia Baião debruçou-se de forma profunda em uma longa pesquisa acadêmica para mostrar ao público um texto cênico de vultosa importância sobre o escritor e diplomata mineiro João Guimarães Rosa

Os escritores, seus métodos de criação, suas personalidades e idiossincrasias não raro atiçaram a curiosidade alheia, pois afinal é através de suas obras que somos levados para além de nossa realidade cotidiana. O mineiro de Cordisburgo João Guimarães Rosa, também diplomata, proeminente escritor em seus romances, novelas, poemas e contos, sempre foi objeto de perscrutações devido não somente à sua literatura revolucionária e por isso mesmo bastante criticada mas pelo homem por detrás desta ruptura linguística que ultrapassou as fronteiras do Brasil. Esta premissa serviu para que a dramaturga Lívia Baião se debruçasse de forma profunda em uma longa pesquisa acadêmica sobre a vida do autor de clássicos como “Sagarana” (1946) e “Grande Sertão: Veredas” (1956) e os bastidores que envolveram a produção de seu rico legado. Todo o seu trabalho hercúleo, riquíssimo em detalhes, resultou em um texto cênico de vultosa importância para os palcos teatrais, visto que se fez com clareza, fina ironia e responsabilidade factual um retrato fidelíssimo e sensível de um dos maiores literatos de que já se teve notícia no país, comparável aos grandes ao redor do mundo. A fluida estrutura dramatúrgica de Lívia se concentra nos derradeiros anos de vida de João, necessários para nos revelar uma diversa gama de sentimentos que o rondavam neste momento divisor, como as angústias nascidas da percepção de sua finitude, a vaidade imiscuída com suas inseguranças pessoais e profissionais, suas reações face aos comentários negativos quanto à sua produção literária e a obsessão que o assombrou por anos em ocupar uma das disputadas cadeiras da Academia Brasileira de Letras. A autora brilhantemente atinge o meritório feito de humanizar o escritor, sendo esta uma das características que conferem qualidade à montagem.

Giuseppe Oristanio se estabelece em uma fase especial de sua admirável carreira com o perfeito trabalho de composição que faz de um personagem real e complexo

O diretor Ernesto Piccolo conduz com acerto o espetáculo para um caminho em que seja realçada às vistas do público, com a adoção de marcações eminentemente precisas, o pleno desenho comportamental e ideológico de Guimarães Rosa, cuja comunicação com àquele, ao narrar as suas histórias, perfaz-se de modo natural e produtivo. Giuseppe Oristanio se estabelece em uma fase especial de sua admirável carreira com o perfeito trabalho de composição deste personagem real que se destaca pela sua complexidade. Giuseppe se mostra um intérprete altamente estudioso ao se fiar nos quase imperceptíveis detalhes que compõem o espectro deste homem tão relevante para as nossas Letras. As oscilações da voz, com temperaturas diferenciadas, os movimentos corporais e seus mais singelos gestos, a postura definidora de sua personalidade, nada disso ficou de fora dos olhos atentos deste intérprete que esbanjou talento e domínio absoluto em cena. A trilha sonora, a cargo de Rodrigo Penna, valoriza a encenação com inserções estratégicas de melodias instrumentais ao piano que primam pela delicadeza. A ambientação cênica do experiente e respeitado José Dias se mostra assaz apropriada com a economicidade sisuda dos móveis de madeira, sua mesa de trabalho e cadeiras, além de objetos caros ao romancista, como a sua máquina de datilografar e seus livros publicados. Suely Gerhardt, figurinista, foi bastante feliz ao trajar com elegância e particularidade Giuseppe Oristanio se utilizando de um conjunto de terno e gravata borboleta, aproximando-nos ainda mais de sua imagem como a conhecemos. Atente-se para a primorosa reconstituição do fardão da Academia posto à direita da ribalta. A iluminação de Vilmar Olos e Celma Úngaro produz bonitos efeitos no panorama cênico ao apostar em spots com gradações distintas de um amarelo suave que se alterna com o branco e com o foco exclusivo no ator. “Pormenor de Ausência” é um espetáculo que assume posição de destaque na atual cena teatral por trazer à baila o conhecimento humanizado e indispensável para as grandes plateias de um de nossos mais ilustres escritores, João Guimarães Rosa. Em seus pormenores, belamente presentes, é que se descortina a excelência de sua realização.

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