Blog do Paulo Ruch

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Foto: Divulgação/TV Globo

Não é algo inédito na Rede Globo apostar em séries policiais, sejam elas ou não contextualizadas em suas características elementares que as definem. Durante o período que se inicia no ano de 1979 e findo em 1981, um grande sucesso escrito por Aguinaldo Silva e demais autores (Aguinaldo inclusive fora jornalista policial), “Plantão de Polícia”, dirigido por Marcos Paulo e outros, com a supervisão de Daniel Filho, já se posicionava como um clássico da TV no gênero. A trama se passava em externas, porém o núcleo central era estabelecido na redação de um jornal popular, no qual circulavam Valdomiro Pena (celebrizado por Hugo Carvana, e que ganhara até uma música tema homônima cantada por Jorge Ben – nome artístico adotado à época), o editor Serra (Marcos Paulo), as repórteres Bebel e Gisela (Denise Bandeira e Lucinha Lins, respectivamente) e o fotógrafo Gatto (Júlio Braga). Em 1997, Antonio Calmon criou “A Justiceira”, seriado protagonizado por Malu Mader, e tendo como companheiros de cena Nívea Maria, Danielle Winits e Leonardo Brício. A direção coube a Daniel Filho. Os enredos dos episódios continham infalíveis ingredientes natos a este segmento audiovisual, como um serviço de inteligência avançado para desvendar crimes de elucidação complexa, lutas corporais, tiros certeiros e a esmo, perseguições e explosões. Na ocasião, a TV Globo dispunha de know-how suficiente no que tange aos dublês contratados e aos efeitos especiais desenvolvidos, que não ficaram nada a dever aos similares americanos. Agora, no começo de 2014, na mesma emissora, acompanhamos “A Teia”, de Bráulio Mantovani e Carolina Kotscho, uma série conduzida por Rogério Gomes e Pedro Vasconcelos, exibidora de uma intrincadíssima história (daí o título) propulsora de adrenalina pura, violência em estado bruto, conflitos familiares e tensão no grau máximo, que em cujo elenco estavam João Miguel, Paulo Vilhena e Andreia Horta. Nos Estados Unidos, há um “boom” de produtos que se enquadram nesta vertente policialesca, como “Criminal Minds” e “CSI: NY” e “CSI: Miami”. Na década de 70, naquele país e no mundo, Telly Savalas e seu indefectível pirulito fora um dos artistas mais prestigiados com o seu Kojak, da atração de mesmo nome. Nem bem nos recuperamos de “A Teia”, que bom, estreou no final da noite de ontem, sexta-feira, a série “O Caçador”, uma criação de Marçal Aquino, Fernando Bonassi e José Alvarenga, com redação final de Marçal Aquino e Fernando Bonassi e direção de José Alvarenga e a codireção de Heitor Dhalia. Cauã Reymond é André, um agente da Divisão Antissequestros da Polícia Militar, que no meio de uma investigação que envolve traficantes e milicianos na prática de um ato ilícito para o qual está treinado e que tem como vítima uma criança, com o intento não somente do montante em dinheiro do resgate exigido mas por disputas de território para efetuação de delitos, vê-se inesperadamente acusado de vazamento de informação da operação deflagrada pela instituição de segurança. O rapaz com tatuagens várias a ornar o corpo, pensamentos filosóficos próprios e que prefere cerveja a leite, é honesto, resoluto e nutre admiração inabalável pelo pai Saulo (Jackson Antunes), um policial que acabara de se aposentar. Tem como irmão o delegado Alexandre (Alejandro Claveaux), um de seus maiores oponentes, e que fará tudo para prejudicá-lo, bastante em decorrência pelo ciúme provocado por uma até então velada paixão entre sua esposa Kátia (Cleo Pires) e o parente consanguíneo. Após a armadilha em que caíra, André amarga três anos, alguns meses, semanas, horas e minutos no cárcere. Ao sair da penitenciária, renegado pela família, estigmatizado, vagando por terra árida, seca e com poeira a voar, num ambiente que remete a “Paris, Texas”, de Wim Wenders, dirige-se a uma parada de ônibus desoladora e esquecida pelo tempo, na qual se encontra um enigmático homem sem visão, andrajoso, com cabelos pintados de rubro, no entanto com visão aguçada da vida. E um olfato que identifica os que vêm da prisão (uma participação especialíssima de Milton Gonçalves). O colóquio entre ambos é interrompido de modo abrupto por riscos de projéteis de balas com direção certa: André. O recurso do “flashback” é usado a fim de que o público se situe com êxito diante dos fatos. Desiludido, sem promessas de conseguir emprego, o seu superior na operação malograda Lopes (Ailton Graça) o procura com o objetivo de lhe ofertar uma proposta que, se não é legal, também não é ilegal: André seria um caçador de recompensas, pois há muitos foragidos estrangeiros, em sua maioria no Rio de Janeiro, cuja captura não oficial interessaria a não poucas pessoas. Sua missão é tão vantajosa quanto periclitante. André, que de cordato com “mulheres da vida” não tem nada, depois de instantes de hesitação, assente. Sob uma condição: que lhe fossem dados uma pistola 45, um laptop e um celular. Lopes ainda não acredita na sua inocência. O que poderia libertar o ex-detento e desprovido de farda da culpabilidade, e o que é pior, da mancha moral, seria uma suposta gravação deixada por seu pai, que estava desenganado, e que se incumbira de incriminar o filho para se livrar da condenação, tomar para si a dinheirama obtida com o supracitado sequestro, e aproveitar o curto tempo que lhe resta. Há indícios de que Alexandre, o irmão com quem não gostaríamos de dividir o lar, tenha ocultado a importante prova. Todavia, o destino não fora cúmplice de Saulo, que morrera, tanto na miséria financeira quanto na humana. Desta forma, em seu primeiro capítulo, “O Caçador” nos mostra uma história atraente, que prende a nossa atenção, que faz com que esperemos o seu desfecho, sem que haja preterição da ação, suspense, drama, surpresas e alentadas cenas de nudez. A direção de José Alvarenga e Heitor Dhalia se baseia notadamente no dinamismo das imagens, uma movimentação constante com cortes rápidos e criativos, amparados por câmeras ansiosas e trepidantes. Angulações distintas nos transportam para o campo da ficção que aceitamos visitar. Há focos macros, como na cena em que observamos os olhos do personagem de Cauã num abrir e fechar lânguidos. A fotografia opta por textura intermediária, crua, seca, sem tintas fortes destoantes, com a exceção da beleza de um clarão ofuscante da luz do sol. A abertura de Alexandre Pit Ribeiro é um contraponto proposital à série, haja vista que serve como um refrigério, um alívio para a apreensão instalada. Com música de fundo entoada por Ney Matogrosso em sua fase “Secos & Molhados”, “O Patrão Nosso de Cada Dia”, admira-se as profundezas azuis de um oceano com um tubarão a desenhar o seu percurso, sendo o temido peixe uma clara alusão ao “caçador na procura de sua presa”. A nova série se estabelece como um programa convidativo para aqueles que apreciam uma opção inteligente, nada vezeira, com apuros estético e textual, interpretações em consonância legítima com a demanda qualitativa do projeto. Não faltarão clímax que nos prendam durante uma semana até o seguinte episódio. “O Caçador” não quer ensinar o padre a rezar a missa. “O Caçador” não ensina. Faz. Um mérito. Assim como André, do lado de cá, somos metaforicamente caça e caçador. Sairemos recompensados. Portanto senhores, divirtam-se… com “O Caçador”.

Categorias: TV

6 comentários sobre “” ‘O Caçador’ não quer ensinar ao padre a rezar a missa. Portanto senhores, divirtam-se. “

  1. Com Jackson Antunes na trama,. sempre ganhamos um bônus de aprendizado com o mestre da interpretação.

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    1. pauloruch disse:

      Olá, Nora. Concordo plenamente com você. Aprendemos com Jackson Antunes quando interpreta um personagem, esteja ele inserido em quaisquer contextos dramatúrgicos ou teledramatúrgicos, afinal, como disse, é um mestre. Muito obrigado pelo oportuno comentário. Um abraço!

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  2. Luciene Dornelas disse:

    Parabéns!! Texto mega valioso!!

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    1. pauloruch disse:

      Olá, Luciene. Fico bastante feliz com os seus elogio e felicitações. A expressão “mega valioso” me deixara com sentimento de completa realização. Muito obrigado. Um abraço!

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  3. A, e sobre o texto, impecável. Parabéns!

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  4. pauloruch disse:

    Olá, Nora Guarani-Kaiowa Abreu. Muito obrigado pelo elogioso comentário. Fiquei bastante feliz. Um abraço!

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