Blog do Paulo Ruch

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Gregório Duvivier se apresentando com o espetáculo “Uma Noite na Lua”/Foto: Renato Mangolin

Um artista não pode viver sem a sua obra. Um compositor não existiria sem a sua música. Um poeta não justificaria a sua função se não escrevesse algo para ser declamado. E um dramaturgo se veria em meio a um drama sem precedentes se não lograsse dispor em narrativa cênica as ideias que por ora pululavam em sua mente (ou ainda se aquelas simplesmente não surgissem). Tudo seria mais fácil, oportuno, conveniente e fluido para os potenciais artistas se não irrompessem vez por outra à sua frente barreiras a princípio intransponíveis: a maior delas sendo a temida e assustadora crise criativa. O padecimento progressivo e angustiante de um jovem escritor, colocado à margem pela mulher que ama, Berenice (interlocutora e confidente imaginária), que visa a criar uma peça teatral, é desencadeado irrefreavelmente por ausência absoluta de inventividade e inspiração, exceto pelo título já escolhido: “Um homem em cima de um palco pensando”. Este é o mote, o agente propulsor do excelente espetáculo de João Falcão, o monólogo conduzido com virtuosismo por Gregório Duvivier. Em um palco nu e negro, sob a interferência misteriosa e instigante de um fog, Gregório desvela o amplo, complexo e dilacerante conflito do inclemente lapso ideário. O estertor da contingência se materializa em elucubrações, sensação de culpabilidade e inadequação, questionamentos e pensamentos persecutórios individuais. O que teria motivado o desvanecimento da criação própria? Necessitar-se-ia ser um “outro alguém”? Uma mudança comportamental, filiada à transgressão, seria o bastante para acender a imaginação íntima e causar impressão positiva no próximo? Uma atitude audaz e ousada de se aproximar de um ator numa festa e lhe dizer que possui peça pronta, mesmo que não a tenha, já se configura como primeiro passo rumo à vitória de rompimento de suas limitações? O tempo é feroz, inimigo declarado do artista escravo das veleidades de sua mente. O que se determina como ideia lógica, passível de transmutação em produto artístico, no presente se espraia na aleatoriedade. Os dilemas e impasses da situação do escriba são indiferentes às suas súplicas e solicitações de resolução daqueles. Deve-se optar pelo drama ou pela comédia em um texto? O drama talvez não denunciasse a mediocridade do legado literário devido ao silêncio imperscrutável dos espectadores. E na comédia, as ruidosas gargalhadas seriam atestado comprobatório da excelência textual, quem sabe. E se a alternativa de se organizar uma sinopse e/ou enredo incompreensível, hermético, desprovido de sentido fosse o atalho cabível? A inclusão de uma música. Sim, uma música. Haveria a possibilidade de se dar um “clima” ao espetáculo, escamoteando as lacunas imaginativas. O homem das letras fugidias se encontra em convulsão de fantasmas indômitos. E se a adoção de um chapéu, um tardio e anacrônico furo na orelha, uma repentina paixão pelo futebol fizessem alguma diferença no “status quo”? O relacionamento com o cigarro, um falso amigo, seria irremediavelmente desfeito em nome de profícua ideia. Se hoje o candidato à literato é sectário do “não”, um átimo de imaginação o faria ser acólito do “sim”. O dramaturgo se convence de que tudo o que de genial e majestático fora criado ou inventado somente decorrera porque não era nascido. Beethoven só compôs a Nona Sinfonia porque nascera antes. As notas já estavam todas em sua mente. Apenas uma injustiça da ordem natural dos nascimentos. E Deus? Por que não o ajuda? Oferecer-lhe uma luz criativa não é nada diante do que a Humanidade lhe pede. Esses temas em seu conjunto foram dissecados com primor, sensibilidade e inteligência por João Falcão, um artista com pleno domínio de suas aptidões como dramaturgo e diretor, no difícil, delicado e arriscado formato de um monólogo. E em nenhum momento perceptível, João se priva de associar a “Uma Noite na Lua” elementos pensados e elaborados com prévias cautela e perícia, munidos de legítimas poesia e emoção. A dramaturgia abraça harmonicamente tanto o viés cômico (fino e bem urdido) quanto o dramático (eivado de emotividade alocada em patamar superior e privilegiado). Como encenador, João Falcão, consubstanciado no alto grau de sua sabedoria cênica, ao contrário do personagem que imaginara, viu-se mergulhado em profusas ideias, detendo manancial infindo de contribuições inspiradoras e complementares da unicidade proveitosa da linguagem teatral transposta para um produto de entretenimento valoroso. Os protagonistas indiscutíveis são o ator e o texto. No entanto, seria leviano de minha parte não citar a rica colaboração dos demais aspectos técnicos. Como a iluminação da lavra do próprio João, deslumbrante, engenhosa e causadora de fascínio irremovível (há dez refletores anteriores providos de tênue e delgada luz em tom amarelado; algo semelhante a LED que desenha sobre o intérprete fabulosas linhas geométricas triangulares em suas distintas angulações; focos supremos nas face e corpo de Gregório; frenético e extasiante apagar e acender de luzes em locais diversos que nos proporcionam uma duplicação no interesse causada por propositada “desorientação” visual – um belo recurso que denota suposta onipresença do personagem; “blackouts” invasores e eloquentes em seu mar de negritude; o vermelho sanguíneo, o verde suave e o branco importante por si só têm a sua vez; e os feixes luminosos, sejam eles transversos ou cruzados, propiciadores do embelezamento geral. A direção musical (com canções originais lindas e melodiosas de João Falcão) de Dani Black e Maycon Ananias embala de modo literal e dá inestimável vida e frescor à encenação. Utilizam-se variados instrumentos que se completam em evidente harmonia e sugerem ambiência compatível com a montagem. O cenário se resume ao vazio, soberano na amplitude do preto do espaço aberto e livre para o ator e sua palavra. Os figurinos de Hugo Leão são porta-vozes indissociáveis do bom gosto, elegância e avassaladora coerência com o perfil do papel do escritor. Uma homenagem ao showbiz, ao instante de um único artista em cena (Hugo se vale de chapéu Fedora, capote, terno, camisa e calça em tons grafites, e boots pretos com meias lúdicas). Quanto à atuação de Gregório Duvivier, intencionalmente deixada para ser comentada no epílogo desta análise, se já bem conhecíamos o rico, vasto e relevante repertório deste consagrado jovem ator, deparamo-nos com um artista, sem qualquer brecha para suscitação de dúvidas, completo (sonho almejado por tantos que seguem este ofício). Gregório atua, dança, canta e se movimenta esplendorosamente (preparação corporal de Gilvan Gomes). Capacitações caras de um autêntico virtuose na arte da interpretação. Um performer, um showman, um signo chapliniano em tropicalíssimas terras nacionais, que transita para o nosso deleite por inúmeras veredas dos campos da emoção e graça. Sua matéria (incluindo-se a voz) se mostra como instrumento afinado. Cada gesto, diminuto ou extenso passo, um rodopio, incessantes “levantar-se” e “sentar-se”, um grito e um sussurro “bergmaniano”, um riso tímido ou risada deliberada, o falsete e o grave lado a lado, sem atritos, tornam a interpretação de Gregório ímpar, única, singular, memorável e desde logo inserida na galeria dos registros interpretativos marcantes do cenário contemporâneo teatral. “Uma Noite na Lua” se estabelece como espetáculo honroso e dignificante em seus precípuos propósitos, dentre os quais o de esmiuçar a alma humana, que poderia ou não ser a de um escritor, com todos os seus questionamentos, aflições, dúvidas, incertezas, reavaliações de vida e apropriação de novas visões que possam clarificar o nosso juízo por vezes recôndito e noção de bem viver na coletividade e no mundo em sua desmedida e assustadora grandeza que nos soa quase sempre estranho e temerário. Pode-se viver uma noite na lua sem estrelas. Pode-se viver uma noite na lua tão somente. Mas é muito melhor viver “Uma Noite na Lua” com Gregório Duvivier.

2 comentários sobre “” Gregório Duvivier, um jovem grande ator em cima de um palco atuando… em ‘Uma Noite na Lua’.”

  1. Gregorio Byington Duvivier é um Divo,Rei,Anjo,Humilde,Multitalentoso,Marido de Clarice Franco de Abreu Falcão Diva,é humorista,colunista,ator,escritor,poeta,pensa em cima de um palco em ‘Uma Noite Na Lua’,é perfeito de dentro para fora,faz a paça mais linda domundo,publicou livros mais lindos do mundo,namora e casou com a Mulher mais linda do mundo ESSE CARA É O CARA ❤ 😀 Se Gregorio Duvivier fosse um planeta esse planeta seria o MAIS PERFEITO e ia ser onde EU ia viver haha ❤ ❤ ❤ ❤ *—-*

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    1. pauloruch disse:

      Olá, Camille. Sim, o Gregório Duvivier é um artista completo, cujas aptidões e potenciais diversificados se ramificam em múltiplas mídias, sejam elas impressas, audiovisuais ou cênicas. Com todo o merecimento, é claro. E “Uma Noite na Lua” e respectiva interpretação de Gregório, representam, desde já, para mim, experiência inesquecível teatral. Muito obrigado pelo comentário, Camille. Um abraço.

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