Blog do Paulo Ruch

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Betty Faria no monólogo de Willy Russel/Foto: João Wainer

 

Cozinha. Parede azulejada. Uma mulher madura com vestido simples preparando batatas e ovos fritos à espera de seu marido. Apesar de ser casada, sente-se só, muito só. A ponto de conversar não metaforicamente com as paredes. Possui filhos crescidos. Mas parece que não a entendem. Enquanto descasca uma batata e toma uma taça de vinho, desabafa para si mesma o que a aflige, quais são os ressentimentos, mágoas, sonhos, pretensões, frustrações etc. Tem a nítida impressão de que a vida não foi desfrutada como deveria. Surge-lhe oportunidade única proporcionada pela amiga Jane: uma viagem de duas semanas à Grécia. Seria a chance de um recomeço, um reinício. O que fazer? Como convencer o marido? Não seria mais confortável permanecer no mundo sem riscos no qual vive? Valeria a pena aventurar-se a esta altura dos acontecimentos em terra estranha, sujeita a todos os tipos de surpresas, agradáveis ou não, pertinentes a uma viagem? Shirley Valentine decide por se desafiar, e se abrir para um novo mundo. O bom texto de Willy Russel fia-se a este emaranhado de conflitos plausíveis a uma mulher da geração de Shirley. O teor é confessional mais voltado para o drama, contudo sem preterir as situações e ditos cômicos. Betty Faria encaixa-se com satisfação plena ao que se é exigido para que o papel ganhe a verossimilhança necessária. Betty utiliza-se de bastantes recursos para viabilizar a sua Shirley: variações nas inflexões de voz, posturas corporais diferenciadas… Ademais, trafega tanto quando se pretende fazer rir quando se pretende comover (Betty Faria foi indicada ao Prêmio Shell de Teatro em São Paulo, e ao 3º Prêmio Contigo! de Teatro). A direção de Guilherme Leme é de maneira indubitável coerente. Soube aproveitar as potencialidades da atriz, o espaço cênico com inteligência, lançou mão de marcações adequadas e precisas, enfim, transformou em entretenimento indiscutível o que Willy Russel escreveu (a tradução foi de Euclydes Marinho, e a adaptação dos próprios Guilherme e Euclydes). O cenário de Aurora dos Campos corresponde aos ambientes da ação com congruência. A cozinha da casa de Shirley é propositalmente modesta, assim como a simplicidade da sua existência. Há um painel espelhado em certa ocasião de beleza irrefutável. Já na Grécia, aposta-se no minimalismo de uma mesa e cadeira de madeira. Devemos, entretanto, ressaltar que belo e impressionante efeito com areia é mostrado ao público. A iluminação de Wagner Freire procurou enfatizar a rotina, o dia a dia da dona de casa em sua cozinha no começo do espetáculo. Percebe-se notória correção neste intento. Já no tocante ao país mediterrâneo, Wagner premia-nos com cores vibrantes, fortes e alegres. Nas passagens de cena a outra, o azul prevalece. A trilha sonora e música incidental de Marcello H é cuidadosa, caprichada, e há um especial momento com a execução de “Zorba’s Dance (Sirtaki)”, de Mikis Theodorakis. O que podemos depreender, afinal, da peça “Shirley Valentine”, é que não devemos achar nem tampouco julgar que o recomeço de nossas vidas é algo inatíngivel. Que não devemos sucumbir ao poder da rotina, e nem nos deixarmos capitular pela ausência de sonhos. O que fica é a mensagem de que a vida está presente para ser “usada”, assim como Shirley Valentine o fez.

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