
José Alfredo (Alexandre Nero), um homem sério, poderoso e introspectivo, sobrevoa em seu moderno helicóptero, ao lado da filha Maria Clara (Andreia Horta), o exuberante e inacreditável Monte Roraima, com seus abissais desfiladeiros, véus de noiva inefáveis e vegetação típica (as locações ficam em Carrancas, município de Minas Gerais), o seu “império”, onde construiu a própria história de riqueza, conquistas e superação pessoal. Nas belíssimas tomadas aéreas, e após em terra, à beira do profundo sem fim, José Alfredo reaviva suas memórias, revolve suas reminiscências, busca todo o caminho que trilhou até o altaneiro posto que ocupa atualmente. Somos então transportados para a fase jovem do personagem (Chay Suede), que se passa no Rio de Janeiro. O rapaz, desempregado e sem guarida, procura o irmão Evaldo (Thiago Martins), tosco moço casado com a infeliz e passiva Eliane (Vanessa Giácomo), irmã da cruel, manipuladora e dissimulada Cora (Marjorie Estiano), desde já a grande vilã da trama. O casamento de Evaldo e Eliane está falido. Não há resquício de amor. O sexo é violento, obrigatório e “consentido” pela esposa. A partir do encontro entre Alfredo e Eliane, irrompe avassaladora e perigosa paixão. Uma imperiosa referência rodriguiana. Os meses passam e o risco recrudesce. Promessas do casal deitado na relva visto do alto são romanticamente feitas. Gritos de amor perdidos no ar são bradados. Juram um para outro fugir da vida que levam e desenhar uma nova. Cartas serão escrevinhadas com o propósito de que o traído seja informado de sua desgraça. Combinam se encontrar na rodoviária para escapar. Imprevisto decorre. Eliane se descobre grávida (a filha, papel de Leandra Leal, é de José, e ela lutará no futuro para provar a sua condição), e Cora entra em cena com seu calculismo. Vai até ao local da partida, diz ao enamorado que sua amada está grávida do marido e de que não mais deseja vê-lo. Alfredo jura de que nunca ouvirão falar de seu nome. A contragosto, a moça que trocou carícias com o namorado ao som da bonita “Aonde Quer Que Eu Vá”, dos Paralamas do Sucesso, mantém o casamento com Evaldo, que acredita na versão engendrada pela maquiavélica Cora. Toda a conversa entre Alfredo e Cora é escutada por misterioso senhor, Sebastião (Reginaldo Faria), que a princípio repreende o rapaz choroso e depois lhe promete um emprego, uma chance de vida se lhe contar uma história que o comova. A impressão que tivemos foi de que Sebastião estava à procura de um sucessor para comandar o seu negócio de garimpagem. A nova novela das 21h escrita por Aguinaldo Silva, “Império”, com direção geral de Rogério Gomes, Pedro Vasconcelos e André Felipe Binder, prossegue com a viagem dos recentes amigos, na verdade patrão e empregado (como guarda-costas) rumo ao local que pode “ser tanto o fim do mundo como apenas o começo deste”. Já em meio a suados garimpeiros, sabe-se por meio de bruto homem com dentes de ouro, Bigode (Ed Oliveira), de que houve assassinato (ele mesmo fora o autor do crime, motivado por cobiça, e as próximas vítimas, segundo Sebastião, serão ele e João Alfredo). Na calada da noite, um imprudente cochilo de José permite que o seu empregador seja morto. Um tiro desferido pelo herdeiro contra Bigode muda o entrecho. Por orientação anterior de Sebastião, o irmão de Evaldo viaja para Genève, na Suíça, com o intuito de conhecer Braga, uma circunspecta Regina Duarte. Inicia-se o “império” de José Alfredo, o Comendador. O texto de Aguinaldo Silva é bastante atraente e caprichado nos diálogos, apostando nos atores que escalou, num enredo no qual logo se testemunharam romance, adultério, acerto de contas com o passado, ambição e disputa pelo poder. Ferramentas infalíveis para se prender o olhar atento dos telespectadores. Rogério Gomes, com sua larga experiência na teledramaturgia, aprimora-se cada vez mais, escorado pela preciosa eficiência de sua equipe. Eles brincam com a câmera, com a velocidade do movimento das imagens, com a angulação das posições dos atores, dando uma roupagem interessante à narrativa visual. A trilha sonora é diversificada (incluindo o tema da elegante abertura, “Lucy In The Sky With Diamonds”, dos The Beatles, interpretado por Dan Torres), Cartola (“Preciso Me Encontrar”), Bread (“Everything My Own”) e Carla Bruni (“Quelqu’un m’a dit”). A direção musical é de Mariozinho Rocha. O primeiro capítulo não lograria o pleno êxito se não obtivesse em seu “cast” intérpretes de inquestionável competência e credibilidade que cumpriram demasiado bem a demanda do perfil de seus papéis, como Alexandre Nero, Marjorie Estiano, Vanessa Giácomo e Andreia Horta. Thiago Martins criou com verdade seu bronco Evaldo. As participações especialíssimas de Regina Duarte e Reginaldo Faria enobrecem qualquer obra em que estejam. E talvez a mais grata surpresa da estreia tenha sido a atuação segura de Chay Suede como José Alfredo na mocidade. Chay é bonito, firme, administra com eficiência suas emoções e gestual (sem excessos), faz adequado uso da voz (com o sotaque do personagem atendido com naturalidade), enfim, um artista que caminha para o sucesso. Ainda há um forte time de atores que está por vir, como Lilia Cabral (Maria Marta), José Mayer (como o homossexual enrustido, casado, pai de um filho homofóbico, que tem um caso com Leonardo, Klebber Toledo), Paulo Betti (um jornalista mal-intencionado e efeminado), Zezé Polessa, Drica Moraes (Cora), Malu Galli (Eliane), Jackson Antunes, Erom Cordeiro, Suzy Rego, Caio Blat, Daniel Rocha e Paulo Vilhena. Haverá as bem-vindas presenças de Nanda Costa, Rafael Cardoso, Maria Ribeiro, Rafael Losso, Juliana Boller, além de outros tão aguardados quanto. “Império” detém palpáveis instrumentos para consolidar uma boa audiência no horário nobre, apresentando-se como um folhetim instigante, provocativo e com intensa carga dramática, entremeada pela verve cômica notória de Aguinaldo Silva. Assistiremos a pessoas que sabem ou não se relacionar com um “império”, sendo amantes ou não umas das outras, abençoados ou não por Deus, com ou sem pecados, não importa. Entretanto, todos inapelavelmente membros de um mesmo “Império”.