Blog do Paulo Ruch

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MUNDON~1
Divulgação/TV Globo

Rio, 1978. Com a cidade e o ano devidamente datilografados por dedos quaisquer em máquina de escrever já sabemos onde se passará a história da nova novela das 18h da Rede Globo, escrita por Rui Vilhena, em sua estreia como autor titular, “Boogie Oogie”. A reprise de “Dancin’ Days”, de Gilberto Braga (uma confessa referência de Rui) no Canal Viva e a exibição de uma obra ambientada na mesma época poderá, voluntária ou involuntariamente causar uma onda de saudável “revival” dos feéricos anos 70. A verdade é que, para quem viveu na “Era Disco”, nunca deixou de ter em seu imaginário os marcantes costumes, roupas e músicas que influenciaram toda uma geração, e que reverberam até hoje. Isto a despeito de termos testemunhado as arbitrariedades de uma ditatura militar. A trama dirigida por Ricardo Waddington e Gustavo Fernandez (a direção de núcleo é de Ricardo Waddington) em seu primeiro capítulo, que foi ao ar ontem cercado de expectativas, utilizou-se da infalível ferramenta narrativa do “flashback” para alinhavar o enredo, e fazer com que o público se familiarizasse de modo mais imediato com os personagens e entendesse os seus conflitos. Sobre a sempre exuberante paisagem do Rio de Janeiro (com boas tomadas aéreas) sobrevoa o avião “Esperança” pilotado por Rafael (Marco Pigossi ostentando uma barba que lhe confere maturidade no rosto jovem que possui). Ao voar sobre portentosa mansão, arremessa pelos ares centenas de pedaços de papel com a seguinte mensagem: “Quer casar comigo?”. A destinatária em questão, e dona da casa, é a empresária Vitória (Bianca Bin com cabelos repicados e aloirados). Ela sorri e chora ao ler o que estava escrito. Concomitante a essa situação, um noivo ansioso para chegar à igreja, Alex (Fernando Belo) se vê em “maus lençóis” ao pegar um táxi que enguiça no meio do caminho. A noiva Sandra (Isis Valverde) se encontra no local da cerimônia dentro de um carro e é avisada pela preocupada mãe Beatriz (Heloísa Périssé) de que o seu futuro cônjuge ainda não havia aparecido, para a estupefação de seu pai, o severo e disciplinador Elísio (Daniel Dantas), que comanda a família como se no quartel estivesse (é importante que haja um militar no folhetim, haja vista o período político retratado). Ao mesmo tempo, o avião “Esperança” começa a apresentar problemas de voo para o desespero de Rafa. O aeroplano perde altura e se choca violentamente contra o viaduto no qual se encontram Alex e o motorista que não fez vistoria em seu automóvel (a locação é a antiga Perimetral, demolida para a revitalização da região portuária do Rio de Janeiro). Alex procura socorrer o piloto, que está desfalecido e encharcado de sangue. O avião tomba, e o rapaz solidário fica preso às ferragens (a esta altura Rafael já havia sido retirado da cabine). Um vazamento provoca chamas que flamejam, e uma explosão é iminente. Em meio à fumaça e fogo, os sonhos de Alex acabaram e Rafael cai, sem consciência, sobre o concreto da via (nesta hora, percebemos o quanto a Rede Globo adquiriu “know-how” para realizar cenas de ação e explosão que não ficaram nada a dever aos similares americanos; mérito tanto dos diretores quanto dos responsáveis pelos efeitos visuais Antonio Cid e Cristiana Queiroga). Os mesmos dedos que no início datilografaram “Rio, 1978” agora datilografam “No dia anterior…”. Somos então apresentados a alguns personagens e seus respectivos núcleos, e aos acontecimentos relevantes que antecederam ao fatídico acidente. Sandra, a romântica enfermeira, tem dois irmãos: o vidrado em futebol Otávio (José Victor Pires), afinal estamos em plena Copa do Mundo e o Brasil por enquanto vai bem, até a Argentina ser classificada para a final, e vencer!; e a invejosa e cheia de veneno infantil patinadora “indoor” (em casa, na verdade) Claudia (Giovanna Rispoli), que não procura esconder a raiva que sente da irmã mais velha. Ao som de pérolas musicais que incluem Barry White, Lionel Richie, Elton John, Gal Costa e outros (excelentes produção musical de Eduardo Queiroz e direção musical de Mariozinho Rocha), conhecemos também os pais de Vitória: o bonachão empresário, dono da “Vip Turismo” Fernando (Marco Ricca), a sua mãe enervada Carlota (Giulia Gam com melenas longas e loiras) e seu irmão “emprestado”, o descolado Beto (Rodrigo Simas com novo corte de cabelo para se adequar ao universo setentista). Vitória é dona de uma bem-sucedida loja que está completando um ano de sucesso de vendas. E o feito será comemorado na boate “Boogie Oogie” (uma concorrente da “Frenetic Dancin’ Days”?). O evento é organizado pela promoter Leonor (Rita Elmor), uma endinheirada que ajudou a criar e pagar os estudos de Tadeu (Fabrício Boliveira), que se formou em Direito e pretende seguir a Diplomacia. Tadeu divide apartamento com a aeromoça Inês (Deborah Secco). Inês recebe a inesperada visita de Suzana (Alessandra Negrini), ex-amante de Fernando, ainda apaixonada por ele, e que após ser trocada por Carlota, que acabara de dar à luz a Vitória, viaja para Manhatann. Está disposta a procurá-lo e reatar o romance, porém depois de descobrir que o empresário mantém um caso extraconjugal (a amante é personificada por Letícia Spiller), decide colocar em prática seu plano de vingança: a revelação de que trocou os bebês na maternidade, ou seja, Vitória não é filha de Fernando e Carlota. Vimos outrossim que alguns personagens profetizaram que o casamento de Sandra e Alex não iria se realizar. Há um sério desentendimento entre Alex e seu irmão Pedro (José Loreto), para a aflição da mãe Augusta (Sandra Corveloni). O que decorrera é que Alex “roubara” de Pedro o seu “amor”, Sandra, quando o segundo servia como ordenança do pai da moça no quartel. Por sinal, por acaso, a enfermeira com seu vestido de noiva manchado de café encontra Rafa na rua, que acredita se tratar de uma obra do destino, e logo se apaixona por ela. O rapaz assim “pede um tempo” a Vitória, que se desanima de ir à festa. O piloto convive com o irmão Serginho (João Vithor Oliveira) e os tios Mário (Guilherme Fontes) e Cristina (Fabiula Nascimento), que lhe cobram não poucas vezes pelo fato de o terem criado, e por isso “exigem” que não rompa com a “filha” de Carlota. Mário é um corretor que tenta infrutiferamente vender imóveis na Barra da Tijuca, o “deserto tropical”. Rafael cede, e procura se reconciliar com Vitória (com o pedido de casamento feito em múltiplos pedaços de papel). Não podemos nos esquecer da presença de Betty Faria, como a extravagante Madalena, viúva e sogra de Carlota (que a condena de maneira constante), desejosa em aproveitar a vida como nunca a aproveitou. O autor nos transporta de volta para a cena em que Rafael está desacordado após o grave acidente. O enredo de Rui Vilhena busca notoriamente uma ideia de inovação na linguagem das telenovelas veiculadas na faixa das 18h, na qual estamos acostumados a acompanhar sinopses históricas, de época, fantasiosas (no bom sentido) e até contemporâneas, mas não no contexto proposto pelo teledramaturgo, que se fundamenta nos pilares de uma fase bastante lembrada por seus fortes signos e simbolismos. Rui acerta nos diálogos e desenho dos personagens. A novela apresenta um ritmo ágil, dinâmico, com contendas e dramas sólidos. Elementos como vingança, rivalidades, traição, paixão, romance e mentiras estão bem representados, e darão sustentação viável para o desenvolvimento do folhetim. Os atores estão afinados, firmes, seguros e naturais, embrenhados no panorama do final dos anos 70. A trilha sonora é um deleite para os nostálgicos. A abertura de Alexandre Pit Ribeiro, Renan Moraes e Flavio Mac é charmosa, colorida e dançante (a canção é do grupo KC & The Sunshine Band, “That’s The Way I Like It”, de 1974), com uma iluminação profusa em tonalidades azuis, rosas e lilases. Os figurinos de Marie Salles atendem com perfeição à exigência da fase onde o brilho e o exagero preponderavam. A caracterização de Alê Souza e Gilvete Santos é coerente, e segue com fidelidade o vestuário selecionado por Marie. A produção de arte de Nininha Medicis é caprichadíssima, não deixando escapar um detalhe sequer, seja no mobiliário ou nos objetos de cena, como os eletrodomésticos. A produção teve o luxo de contar com a colaboração da consagrada bailarina Dani Lima para efetuar as efusivas coreografias. Enfim, “Boogie Oogie” nos deixou a garantia de que teremos daqui para a frente uma novela em que não faltarão ganchos, emoção, romantismo e todos os demais ingredientes que conquistam de pronto o telespectador deste gênero televisivo. Sendo assim, abram os seus guarda-roupas, vistam-se a caráter, coloquem o LP na vitrola, pois os “os embalos de sábado à noite” continuam com “Boogie Oogie”.

Categorias: TV

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