Foto: Marcelo Tabach/Revista M de Mulher
Vários malandros já fizeram sucesso, tanto no cinema, quanto no teatro e na TV. No primeiro nos vem a lembrança dos antológicos filmes dirigidos e protagonizados por Hugo Carvana. Seu personagem Dino em “Vai Trabalhar, Vagabundo” e “Vai Trabalhar, Vagabundo II – A Volta” era o símbolo mais autêntico da malandragem, no caso a carioca, representado na cinematografia brasileira. Podemos citar também o Vadinho imortalizado por José Wilker em “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, uma adaptação de Bruno Barreto da obra homônima de Jorge Amado, e que por longo período deteve o recorde de bilheteria nacional. Já na ribalta, celebrizaram-se o Max Overseas do musical de Chico Buarque “A Ópera do Malandro” (inspirado em “A Ópera do Mendigo”, de John Gay, e “A Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht e Kurt Weill) e o gigolô Vado de “Navalha na Carne”, clássico de Plínio Marcos. E na televisão, há não muito tempo, tivemos Nando Cunha e o seu Pescoço de “Salve Jorge”, de Gloria Perez. Porém, “o malandro da vez” é, sem dúvida, Robertão, defendido com irretorquível entendimento pelo carioca Romulo Neto, na atual novela das 21h da Rede Globo, escrita por Aguinaldo Silva, “Império”. O personagem de Romulo, com seu malicioso nome no aumentativo, a princípio, poderia sofrer alguma espécie de rejeição por uma parcela mais conservadora dos telespectadores. No entanto, o filho de Magnólia (Zezé Polessa) e Severo (Tato Gabus Mendes), que causou um rebuliço nos sentidos olfativos e desejos sexuais mais íntimos da amarga Cora (Drica Moraes), caiu inapelavelmente no gosto do público acostumado a assistir a este gênero teledramatúrgico. O rapaz de comportamento narcísico possui traços de docilidade, romantismo e até certo ponto ingenuidade em meio à amoralidade do núcleo familiar no qual vive. Sim, é verdade, Robertão, em troca de dinheiro, exibe as linhas bem definidas de seu corpo na integridade, com movimentos sinuosos, olhares e mordiscar de lábios lascivos, alimentando as fantasias de homossexuais solitários como o blogueiro interpretado por Paulo Betti, Téo Pereira. Romulo, que também é modelo, e a sua estreia na TV foi logo como protagonista do folhetim juvenil “Malhação”, na mesma emissora, como André, e a seguir rumou para a Rede Record, canal em que fez cinco telenovelas (“Caminhos do Coração”, “Os Mutantes: Caminhos do Coração” e “Promessas de Amor”, todas de Tiago Santiago; “Bela, a Feia”, de Gisele Joras, que se baseou na história original de Fernando Gaitán; e “Vidas em Jogo”, de Cristianne Friedman), logrou harmonizar a sua pujança atlética com a vulnerabilidade de um “menino” vítima da absoluta ausência de oportunidades viáveis no mundo moderno que lhe proporcionassem uma evolução satisfatória na vida. O moço, com seus cabelos longos e lisos quase sempre presos e um fiapo de melena estrategicamente solto sobre o rosto, além de cavanhaque e bigode característicos de um romance de Alexandre Dumas, é capaz de desfiar frases espontâneas que por si já soam inusitadas e jocosas. Numa ocasião, após ter se arrumado para sair, Roberto, em frente ao espelho, diz algo próximo: – Maluco, se eu gostasse dessa parada, até ficava contigo… E depois beijou a boca refletida. Em outra situação, jantando no restaurante “Enrico” com seu admirador Téo, confessa-lhe sem ter ideia de que iria magoá-lo: – Se tu não fosse boiola, eu até gostava de você. O jovem, com seus inseparáveis “uniformes de regatas, bermudões e chinelos”, deprime-se vez ou outra com a falta de perspectivas de progresso individual. Sua autoestima é oscilante. Por mais que se ache belo, sedutor e irresistível, julga não possuir nenhum outro atributo. É possível que os fatos de a sua estética ser a única “moeda de troca” para garantir o mínimo de subsistência e a “ajuda financeira” de sua irmã Isis (Marina Ruy Barbosa) para a manutenção da família o desmotivem. Vive num conflito interno de culpas e arrependimentos. Comete um “Boa Noite, Cinderela” contra o seu maledicente adorador Téo para logo em seguida se condenar pelo erro perpetrado. A sua natureza não é a de um delinquente, mas a de um “perdedor”, um fraco, um dependente, um oprimido que se sujeita à prática de ardis habituais. A sua aliança com o jornalista Téo Pereira nada mais é do que uma conjunção de experiências de pessoas que se perderam em seus próprios caminhos. Ao se refestelar no prosaico sofá da sala de sua família, não indica apenas uma propensão para a vadiagem, o que seria uma observação simplista. A figura de Roberto deitado adormecido é um sinal de seus desalento e inércia face às vicissitudes que o cercam. Quando espera ansioso o toque do celular é a confirmação do vazio que o assombra. O papel de Romulo Neto é representativo de uma juventude que não possui qualquer referência parental benéfica. Os pais, ao contrário, desvalorizam-no. Magnólia e Severo são os culpados relevantes na não identificação por parte do filho dos valores reconhecidamente éticos. O desinteresse em se tornar um trabalhador comum advém da herança desconstrutiva de seus progenitores. O ganho do dinheiro fácil é regra a ser obedecida. O romantismo do irmão de Isis é manifestado quando se aproxima de sua “loura”, a jornalista Érika (Letícia Birkheuer). Neste instante, conhecemos o seu lado terno e afetuoso, a despeito de se vangloriar de sua “pegada”. O seu pouco apreço pela higiene pessoal pode tanto ser uma tendência natural quanto uma elevada sensação de que a sua beleza independe da assepsia recomendável. Ou, provável, uma estratégia de Aguinaldo Silva para torná-lo mais grotesco. Robertão não é tão somente um personagem criado para ser engraçado, ou para ostentar o belo semblante de seu intérprete. Não duvidamos de que o “character” de Romulo, que esteve na última novela de Maria Adelaide Amaral, “Sangue Bom”, como o vilão Tito, é patentemente divertido. Todavia, se perscrutarmos com mais profundidade a sua índole perceberemos um viés triste e penoso na sua realidade. Não são bastantes as vezes em que surge um personagem para um ator jovem como Romulo Neto que, apesar de suas atitudes duvidosas e condenáveis perante o senso comum, esbanje carisma e aceitação coletiva. A interpretação do ator se baseia em expressões que pontuam as suas confusões, desorientações, perplexidade e estouvamento. Talvez, por essa miríade de contradições em seu desenho dramatúrgico é que, nós, telespectadores, simpatizemos tanto com Robertão. A nossa tolerância segue em busca de novas explicações. E por fim, usando o linguajar que lhe é costumeiro: a atuação de Romulo Neto está “sinistra, irada”. Não à toa Robertão é um sucesso em seu “Império”… da malandragem.