
Uma tomada aérea de um conjunto habitacional de classe média de uma cidade do interior de São Paulo. Uma bela jovem na janela numa imagem romântica e idílica. A mesma jovem, Arlete (Camila Queiroz, um rosto novo na TV) sonha em ser uma modelo de sucesso, e no seu quarto simples abarrotado de fotos se comunica com um booker de uma importante agência da capital. Seu pai, Rogério (Tarcisio Filho), um representante de concessionária, leva uma vida dupla. Uma conta em seu nome com outro endereço revela a traição à sua esposa, Carolina (Drica Moraes em bem-vindo retorno após a sua Cora de “Império”). Apenas 2,5 km são necessários para desmascará-lo com sua segunda mulher, Viviane, Laryssa Dias, com quem tem uma filha. Casamento desfeito, e o sonho de Arlete está só começando. Mãe e filha vão para São Paulo, capital, morar com a simpática Hilda (Ana Lucia Torre), a avó da futura modelo. A senhora consegue para a neta uma bolsa de estudos em uma tradicional escola na qual lecionou por anos. Arlete não parece muito animada com a ideia. Só deseja o glamour das passarelas e estúdios fotográficos. Darlene, Bel Kutner, locatária de um quarto no apartamento de Hilda, conduz a estudante ao colégio Werther em seu primeiro dia de aula, onde também atua como docente. A doce e ingênua interiorana se depara com um ambiente hostil. Em meio aos grafites e às cores da instituição de ensino se vê uma juventude arrogante, agressiva, debochada, que roga por nossa comiseração, fruto da má educação regada à dinheiro fácil oferecida por pais ausentes que fecham os olhos para os desmandos de seus filhos. No ambiente escolar o “bullying” é a regra. Quem não nos deixa mentir é o aluno Eziel, interpretado por Felipe Hintze, um talentoso ator vindo do teatro (estivera na série “Dupla Identidade”, como um ás da computação). Eziel sofre discriminação de seus colegas não somente por estar acima do peso, mas por pertencer a uma classe social menos favorecida. Logo, o moço se aproxima de Arlete (acabará se apaixonando pela recém amiga). Um grupo de meninas, lideradas por Giovanna (Agatha Moreira, que já foi modelo inclusive), cerca a estudante novata, disparando de uma só vez uma sequência de ditos preconceituosos, referentes à sua maneira de se vestir, ao seu cabelo, à sua origem e ao seu sotaque característico. Porém, nem tudo parece estar perdido. A aluna entra por acaso no banheiro masculino, e conhece um rapaz sedutor e gentil, Guilherme (Gabriel Leone, um ator que promete arrancar suspiros das jovens). Lógico que se interessa por sua colega distraída. Ainda na metrópole, um homem bonito, poderoso e mulherengo está em seu suntuoso e sofisticado escritório, o empresário da indústria têxtil Alexandre Ticiano (Rodrigo Lombardi). Ele conversa com o seu funcionário mais fiel, Robério (Gláucio Gomes), e afirma com convicção de que não teme a concorrência chinesa. Num bar charmoso, Alexandre se encontra com a namorada do momento, a sensual Samia (a top Alessandra Ambrosio em sua estreia em novelas). O casal divide tórridas cenas de sexo, e a nudez de seus corpos bem delineados compete com a visão de uma grande São Paulo noturna ao fundo. Samia quer um compromisso mais sério. O homem de negócios desconversa. Enfim, Arlete e sua mãe Carolina chegam à agência de modelos da qual faz parte o booker que se comunicava virtualmente com a aspirante à modelo (o local é frenético, dinâmico, ruidoso, com pessoas andando de um lado para o outro numa constante ebulição). Quem defende o booker é Rainer Cadete, que se destacou no folhetim anterior de Walcyr Carrasco, “Amor à Vida”, como o circunspecto e sensível advogado Rafael. Impressionou-nos a transformação não só física do intérprete brasiliense, mas a sua capacidade de compor um personagem diametralmente oposto ao que fizera. O booker Visky é assumidamente efeminado, com gestos afetados ao extremo, traja roupas escandalosas e seu penteado é exótico (um enorme desafio para Rainer Cadete, que em entrevistas disse ter emagrecido e se depilado para o papel, além de ter colocado megahair, aprendido a andar de salto alto, e a dançar stiletto – dança com salto alto). Visky recebe a sua aposta com entusiasmo. Ele acredita realmente que Arlete será uma top model. No entanto, sua mãe Carolina deixa bem claro de que não possui o valor suficiente para pagar o book necessário para que se dê o primeiro passo na profissão. Visky resolve então falar com a poderosíssima Fanny Richard (Marieta Severo voltando com força às telenovelas após mais de uma década de “A Grande Família”), proprietária da agência que leva o seu nome. Fanny, ao ser interrompida por seu afoito confidente, não está propriamente trabalhando, e sim trocando carícias com o ex-modelo Anthony Mariano (Reynaldo Gianecchini), que está falido e só mantém o romance por interesse (uma curiosidade: a estreia de Gianecchini na televisão fora ao lado de Marieta Severo em “Laços de Família”, de Manoel Carlos). Por trás da imagem ilibada da agência de modelos de Fanny se esconde um esquema perigoso de prostituição de luxo, do qual Arlete será vítima (o book rosa relaciona os nomes das modelos que se prestam a esse serviço). Fanny aprova os atributos de Arlete, que agora passa a se chamar Angel (uma possível alusão à personagem vivida por Luana Piovani em “Sex Appeal”, de Antonio Calmon, que abordava justamente o mundo das modelos). Seu book será pago, e o seu sonho (ou pesadelo) se iniciará. Desta forma instigante, tratando de um segmento que nos atrai por seu suposto glamour, sucesso espontâneo e dinheiro em profusão, a nova trama de Walcyr Carrasco, “Verdades Secretas” (pioneira história da faixa das 23h sem ser um remake, desde que o horário foi retomado para a teledramaturgia de novelas), escrita em parceria com Maria Elisa Berredo, com a colaboração de Bruno Lima Penido, foi exibida ao público em seu primeiro capítulo na Rede Globo. Com uma direção hábil e cautelosa de Allan Fiterman, André Barros e Mariana Richard, e direção geral de André Felipe Binder, Natalia Grimberg e Mauro Mendonça Filho (Direção de Núcleo de Mauro Mendonça Filho) centrada precipuamente nos texto e elenco (ótimo em seu conjunto), “Verdades Secretas” detém inúmeros elementos ao seu favor para garantir a audiência dos telespectadores assíduos por um enredo ousado, ainda mais em tempos sobejamente “corretos” e conservadores. Aguardemos até que o book rosa seja aberto. Vamos nos deixar levar pelas “ilusões” criativas de Walcyr Carrasco. Mas não se iludam. Na vida tudo tem seu preço.