Em 1968, dirigidos por Gene Sacks, dois dos maiores atores da indústria cinematográfica norte-americana, Jack Lemmon e Walter Matthau, fizeram os espectadores de todo o mundo gargalharem com as trapalhadas de seus personagens, Felix e Oscar, respectivamente, motivadas por suas extensas incompatibilidades, no longa-metragem “The Odd Couple” (“Um Estranho Casal”), baseado inteiramente na peça de Neil Simon, que fez igual sucesso na Broadway (estrelada pelo mesmo Walter e por Art Carney). Passadas muitas décadas, testemunhamos no horário nobre da Rede Globo, na novela de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, “Babilônia”, a reedição de um casal masculino que, pelas contingências, vê-se obrigado a conviver, a dividir o mesmo espaço de moradia, e a enfrentar de modo invariável as avolumadas diferenças de personalidade de cada um. Para que este par funcionasse a contento, seria necessária e indispensável a escalação de intérpretes com larga experiência em comédias, inclusive na televisão. O ator, diretor e dramaturgo carioca Igor Angelkorte (espetáculos “Elefante” e “(Des)conhecidos”) já havia demonstrado o seu potencial cômico, como Marcelo Vilar, no folhetim “Além do Horizonte”, de Carlos Gregório e Marcos Bernstein (telenovela exibida pela TV Globo em 2013). E o também carioca Marcos Veras, ator, humorista, repórter e apresentador, tem a sua trajetória fundamentada essencialmente no humor, seja no teatro (com o seu stand up comedy “Falando a Veras”), seja na TV (com vários papéis no até então chamado “Zorra Total”), seja na web (como um dos criadores, idealizadores e atores do canal “Porta dos Fundos”). Igor defende Clóvis, um videomaker visionário com projetos megalômanos ou inusitados (o atual é um documentário sobre o prédio no qual residem, o afamado “Sereia do Leme”; o anterior foi o malsucedido programa de entrevistas “Puro Chiquê”, com a reacionária e engraçadíssima Consuelo, vivida por Arlete Salles; um outro projeto que não foi adiante foram as fotomontagens, que simulavam pessoas comuns fazendo viagens luxuosas para a Europa ou locais exóticos, a fim de que pudessem postá-las nas redes sociais). O rapaz que recebe uma ajuda de custo de seus familiares de Miracema possui a naturista mania (para o desespero de seu amigo com quem mora) de vagar nu pela casa, e refrescar suas partes pudendas na frente do refrigerador. Clóvis é demasiado sincero, com elucubrações cartesianas, lógicas. Seu discurso é indiscutivelmente racional. O que diz é óbvio, porém certo, e o uso oportuno desta obviedade imiscuída com sua honestidade é que origina grande parcela da graça de seu papel. Seu comportamento é o de um adolescente mais evoluído. Em instantes distintos, contudo, chora e se magoa facilmente como uma criança. Há em seu olhar quase um pedido constante e latente de comiseração pelo seu estado de vulnerabilidade. Marcos Veras personifica o “chef de cuisine” Norberto, ou Norb (como Clóvis o chama), extremamente talentoso no que faz, agradando a todos os comensais que saboreiam seus pratos que se aproximam da gastronomia contemporânea. Da mesma forma que Clóvis, Norberto detém um perfil de menino ou adolescente em bastantes ocasiões. As expressões faciais de Igor e Marcos contribuem amiúde para este vitorioso resultado. Porém, o chef, que é tão estabanado (quem nunca ficou apreensivo quando levava uma iguaria para o cliente à mesa?) quanto obsessivo-compulsivo (sim, Norb sofre de TOC, Transtorno Obsessivo-Compulsivo), tem os seus momentos de genuína maturidade ao dar conselhos ao seu irmão, o doidivanas e irresponsável Luís Fernando (Gabriel Braga Nunes). Muito do sucesso desta impagável dupla que surgiu aos poucos na trama, e foi se estabelecendo sobre pilares fortes, é o uso das infalíveis gags (notáveis comediantes se sagraram se utilizando das mesmas, como Chaplin, os Irmãos Marx, Harold Lloyd, Buster Keaton, O Gordo e O Magro – sendo representados por Oliver Hardy e Stan Laurel, Os Três Patetas – Moe Howard, Larry Fine e Curly Howard, e tempos depois, Jerry Lewis). Os diálogos de Igor e Marcos são ágeis, curtos e inteligentes, um “bate-bola” sem trégua. Uma torta na cara, uma armadilha em que ficam presos por cordas quase desnudos um de costas para o outro, um chinelo jogado pela janela, uma comida com pimenta colocada de propósito, ossos de galinha numa quentinha esperada como um apetitoso prato, uma troca de sopapos podem parecer piadas infantis sem vinculação com um humor elevado. Seriam se não estivessem cautelosamente inseridas no contexto dos personagens, e se Igor Angelkorte e Marcos Veras não compreendessem que a graça legítima não raras vezes se encontra nos acontecimentos prosaicos e imprevistos do cotidiano. Os dois amigos que se amam e se “odeiam” se defrontam com um dilema: apaixonam-se pela mesma mulher, a voluptuosa Valeska (Juliana Alves provando que sabe fazer comédia). Os rapazes passam a disputá-la alucinadamente. Tudo o que a bonita moça da comunidade almeja é sair do morro e ir para o “asfalto”. Aquele que lhe oferecer as melhores oportunidades de ascensão social será o seu efetivo namorado. Como Norberto a conheceu primeiro, recebeu o título de “ficante fixo”. Em seguidas situações, “fofinho” (como Valeska o nomeia) é sabotado pelo aspirante a cineasta. Valeskinha usa e abusa, com sua transbordante sensualidade, da carência dos moços desejosos de seus afagos. Uma das mais hilariantes cenas veiculadas pela novela dirigida por Maria de Médicis e Dennis Carvalho, também diretor de núcleo, foi o duelo funk (Marcos Veras caracterizado, com boné, colete e correntes, vai à casa da comerciante, e entoa uma melodia, acompanhado de colegas funkeiros; Clóvis surge de repente com casaco e capuz e rivaliza com o “cantor acidental”; olhares intimidativos são trocados). Antológico momento dos atores. A entrada de Osvaldão (Werner Schünemann) no entrecho final, como o ex-marido perigosíssimo de Valeska, condenado por vários crimes, filho do transexual Úrsula Andressa (Rogéria) serve para recrudescer o grau de comicidade do núcleo, haja vista que o ex-detento, que está em liberdade condicional, não permite que nenhum varão se aproxime de sua antiga companheira. Clóvis e Norberto levaram ambos corretivos inolvidáveis. Preferiram se afastar de Valeskinha. Por ora. Com a chegada de “Babilônia” em sua etapa derradeira, seria no mínimo injusto não avaliar estes dois personagens que, sem qualquer previsão, como em toda obra aberta, como é uma novela, tiveram uma inacreditável química. Uma sintonia que jamais poderia ser combinada ou planejada. Um congraçamento pessoal e artístico entre dois intérpretes raro de se efetivar numa produção teledramatúrgica longa. Em meio a vinganças, corrupção e traições em “Babilônia”, Igor Angelkorte e Marcos Veras “de mansinho” foram conquistando os seus merecidos lugar e destaque. Um “estranho casal” do século XXI. Não sei quem é Jack Lemmon, não sei quem é Walter Matthau. Só sei que “Babilônia” nos apresentou um dos “estranhos casais” mais adoráveis dos últimos tempos: Igor Angelkorte e Marcos Veras.
Hahaha eles são muitos bons!
Parabéns pelo blog, sucesso!
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Olá, Gabriel. Sim, o Igor Angelkorte e o Marcos Veras estão ótimos em “Babilônia”. Muito obrigado pelas palavras. Desejo-lhe da mesma forma sucesso. Abraços!
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