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Foto: Estevam Avellar/Gshow

Maria Vitória (Vanessa Giácomo), constrita, confessa um crime. Furtou R$28.600,00. Dez dias atrás, entenderemos o porquê de seu delito. Maria Vitória, ou Tóia, é uma moça trabalhadora, perseverante, filha adotiva de Djanira (Cassia Kis), uma aparentemente boa mulher. A jovem é gerente da boate “Caverna da Macaca”, pertencente à exuberante Adisabeba (Susana Vieira), que também é dona de um hostel na fictícia comunidade do Morro da Macaca. Na citada boate, o show fica por conta do sensual, sedutor e um tanto malandro MC Merlô (Juliano Cazarré em excelente forma física, ostenta tatuagens por todo o torso e acessórios dourados; Juliano promete se sobressair com este personagem tão atual no novo panorama musical que atrai tanto as camadas sociais menos favorecidas quanto as privilegiadas). Tóia aguarda ansiosa a soltura de seu namorado, Juliano (Cauã Reymond), preso durante quatro anos numa penitenciária por ter sido acusado injustamente de tráfico de drogas. Ao sair rumo à liberdade condicional do úmido e sombreado presídio, Juliano demonstra sede de vingança, e não se conforma de que sua fundação criada para tirar jovens da delinquência tenha sido dissolvida por falta de patrocínios. O rapaz se ressente de que todos ou quase todos à sua volta não acreditam na sua inocência. Enquanto isso, conhecemos Atena, defendida por uma loira Giovanna Antonelli, que logo mostra ao que veio na nova novela das 21h da Rede Globo, “A Regra do Jogo”, de João Emanuel Carneiro (respaldado pelo sucesso de sua obra antecessora, “Avenida Brasil”), com direção geral de Joana Jabace, Paulo Silvestrini e Amora Mautner, também diretora de núcleo. Atena é uma divertida e irresistível golpista acima de qualquer suspeita (Giovanna parece inteiramente à vontade neste papel que lhe oferece a oportunidade de transitar pela seara do humor, um de seus pontos fortes). A primeira vítima de suas tramoias é a afetada amiga Sumara (Karine Teles), riquíssima, casada com um homem mais velho em Mônaco. Sumara, na “Caverna da Macaca”, que contou com a presença vip do jogador Neymar (acompanhado de um amigo interpretado por Edu Porto), após ter bebido além da conta, tem o seu cartão de crédito furtado pela loira charmosa e preconceituosa (suas frases discriminatórias de cunho social lembram bastante o discurso da memorável Odete Roitman de Beatriz Segall em “Vale Tudo”, respeitadas as devidas proporções). Atena, que só toma champanhe Cristal, hospeda-se em um hotel de luxo, e se esbalda com suas regalias. Lógico que a sua despedida é em ritmo de fuga. Procura a amiga abastada em sua casa de gosto duvidoso, e usa o velho truque da cópia da chave moldada. Com a viagem de Sumara para Mônaco, Atena é a mais nova vizinha da endinheirada que gasta seu tempo fazendo ginástica. Alexandre Nero surge como Romero Rômulo (o retorno do ator depois da estrondosa repercussão do Comendador de “Império” avolumou as expectativas em cima de sua composição do personagem; Alexandre, com seu inegável talento, já exibiu que não deixará quaisquer resquícios de seu papel anterior, criando um tipo diferente e pleno em personalidade, como é próprio do intérprete). Romero é um ex-vereador, advogado que luta bravamente pelos direitos humanos, em especial os dos presos, em tempos em que as palavras “direitos” e “humanos” estão em desuso. Pai adotivo de Dante (Marco Pigossi, um dos atores que se destacam da sua geração, apresenta-se firme e resoluto como o policial pessimista que crê que o grande culpado pela morte de sua mãe biológica é Zé Maria, Tony Ramos; Marco estudou e treinou com especialistas do ramo, o que se comprova com a sua postura verossímil), Romero, que ao defender em audiência um detento, Dênis, Amaurih Oliveira, diz aproximadamente ao juiz para inocentá-lo para que “se dê uma chance a um homem, para que se dê uma chance ao Brasil”, oferece-se como voluntário para salvaguardar a vida de reféns de um banco assaltado por uma perigosa quadrilha. A cena do cerco policial ganhou contornos hollywoodianos de filmes de ação, com tomadas aéreas, marcações distintas, muitos figurantes e policiais uniformizados com armas em punho. Dentro do banco, reféns na verdade são bandidos. Toda a intermediação entre criminosos e autoridades da polícia é feita pelo “herói” Romero. Para espanto geral ou não, o tão magnânimo Romero, que mora no apartamento exíguo e simples de número 301, não é nem magnânimo tampouco herói. Romero Rômulo faz parte da quadrilha perigosa que assaltou o banco. Romero Rômulo é um farsante e cínico cidadão brasileiro. Romero Rômulo odeia a pobreza, e adora se banhar em uma banheira de bacanas. Romero Rômulo engana o próprio filho “homem da lei”. Paralelo a este fato, Djanira é internada com um aneurisma, e precisa urgentemente se submeter a uma cirurgia. O novelista não se eximiu de fazer uma crítica sempre oportuna ao aterrorizante sistema público de saúde do país com suas deficiências e mazelas já conhecidas, como prazos indeterminados para consultas, e filas numerosas e infindáveis para preservar a vida humana. Juliano e Tóia (é necessário afirmar que tanto Cauã Reymond quanto Vanessa Giácomo nos convenceram como um casal oprimido por situações adversas, sendo ela esperançosa e otimista, e ele, como dito, amargurado e irascível; além disso, Cassia Kis, com seus gestos e voz por vezes minimalistas, que se alternam com expressões de intensidade ímpar, justifica a sua escalação como Djanira) decidem recorrer a um hospital privado. São enganados por um falso médico, que se apropria de todas as economias de Tóia. Um dos médicos do comércio hospitalar se “compadece” da família, e lhe oferece a operação de Djanira, cobrando “apenas” pelo material e equipe. O casal após se surpreende ao ouvir da funcionária que cobra pelo salvamento de uma vida que o custo para se continuar a tê-la equivale a R$28.630,00. Já começamos a entender o porquê do comportamento de Tóia no início da trama. Ela invade o universo da “Caverna da Macaca”, e furta do cofre de Adisabeba R$28.600,00. A dona da boate onde o filho arranca suspiros com suas Merlozetes se desespera ao descobrir o sumiço de seu dinheiro, e se assombra ainda mais ao escutar de sua funcionária de confiança de que fora a autora do crime. “A Regra do Jogo” nos revelou em seu primeiro capítulo, que teve iluminação inspirada, direção de arte impecável e direção musical diversificada e atrativa com direito à potência vocal de Alcione na abertura coerente com a canção “Juízo Final”, uma história intrigante que, na amostra de alguns personagens, já nos indica uma teia de enredos interessantes e valorosos teledramaturgicamente. A ideia de Amora Mautner de conceber a “caixa cênica” (pretere-se a “boca de cena”; os atores atuam e contracenam em um ambiente fechado, e um número limitado de câmeras fica escondido, sem que os intérpretes saibam de suas localizações, como se fosse num “reality”, com o intuito de se garantir o maior grau de naturalidade do elenco) funcionou perfeitamente, gerando ainda em nós, telespectadores, um olhar mais preciso para identificar qual cena foi gravada por esta ou aquela câmera. Toda e qualquer inovação nas telenovelas é bem-vida, e Amora acertou com a sua ousadia. “A Regra do Jogo” servirá para avaliarmos os limites da ética na sociedade, enfim, até que ponto vale a pena seguir ou não “a regra do jogo”. Os personagens são as peças, a trama é o tabuleiro, e nós seremos os juízes desse jogo arriscado. Quem sabe não é a hora de se dar uma chance ao Brasil de se ver no espelho?

Categorias: TV

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