Blog do Paulo Ruch

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Foto: Guga Melgar

O primeiro forte impacto que temos ao assistir ao espetáculo “Ou Tudo Ou Nada, The Full Monty, O Musical” (baseado na peça que ficou em cartaz na Broadway por dois anos, e que recebeu onze indicações ao Tonny Awards, vencendo a de Melhor Música) é o portentoso cenário idealizado por Edward Monteiro, que simula a parte frontal de uma enorme fábrica antiga com suas estruturas metálicas e tijolos. A história, que na verdade se originou no longa-metragem homônimo de Peter Cattaneo lançado em 1997, ganhador do Oscar de Melhor Trilha Sonora Comédia/Musical, ao contrário da obra fílmica, que se passa em Sheffield, Inglaterra, na versão habilidosa e inspirada de Artur Xexéo, desenrola-se em qualquer lugar do mundo que esteja passando por uma grave crise econômica, com avassalador desemprego de várias famílias outrora estabilizadas, o que coloca a encenação num estado de consonância conjuntural com a situação vigente de nosso país. Com uma direção primorosa de Tadeu Aguiar, que conhece na essência o gênero musical, e dezessete atores em cena (algo realmente impressionante no panorama teatral brasileiro, além da ousadia com acerto da presença de ótimos músicos posicionados em um mezanino), testemunhamos por cerca de duas horas e vinte minutos, com direito a intervalo, uma série de acontecimentos hilários ou não (haja vista que se busca o drama em determinados momentos) envolvendo as intempéries dos seis desempregados que, a partir desta desconfortável condição pessoal, afetando drasticamente suas vidas, procuram formas e meios para sobreviverem com o mínimo de dignidade. A grande sacada de Terrence McNally é justo a maneira esdrúxula que imaginam para garantir a sua subsistência. Os seis homens que não se encaixam nos padrões estéticos dos strippers decidem por uma noite apenas promover um show de strip-tease, “Os Gigantes de Aço”, com “homens comuns”. Há o magro, o desengonçado, o acima do peso, o idoso, o atoleimado, e o chefe falido. Os conflitos se sucedem, como a dificuldade do personagem de Mouhamed Harfouch, Jerry, de pagar a pensão de seu filho (Xande Valois), estremecimentos na relação conjugal entre o patrão agora sem emprego (Carlos Arruza) e sua deslumbrada esposa Vicki (Patrícia França), e a insegurança do ex-trabalhador “acima do peso” (Claudio Mendes) na manutenção de seu casamento com a fogosa mulher (Kacau Gomes). O enredo do espetáculo segue um ritmo ágil em que os espectadores aguardam ansiosamente o apoteótico desfecho, em que os indivíduos insuspeitos terão a sua noite de strippers. O contraponto para esses até então pacatos cidadãos é o profissional da área interpretado por Fábio Bianchini. Respeitando a tradição dos bons musicais, no meio de uma ação algum ou alguns personagens entoam canções pertinentes àquela. Moças com comportamentos frenéticos ou em circunstâncias diversas surgem. Sylvia Massari defende a aposentada pianista que vislumbra a oportunidade de voltar a brilhar com o show que está por vir. A música de David Yasbek é pujante, alternando melodias mais suaves e sensíveis com outras mais animadas, com notas grandiloquentes, em que se ouvem desde graves a falsetes (a excelente direção musical no Brasil foi executada por Miguel Briamonte; a orquestração é de Harold Wheeler, os arranjos vocais e incidentais couberam a Ted Sperling, e os arranjos das músicas de dança ficaram a cargo de Zane Mark). As músicas são tocadas pela orquestra formada por Miguel Briamonte, Daniel Sanches, Tiago Calderano, Marco Moreira, Chiquinho, Leandro Vasques, Josias Franco, Ricardo Hulck e Pedro Silveira. Alan Rezende ficou responsável pela bela coreografia, exigindo dos atores uma gama infinda de movimentos, sejam eles graciosos, compassados, articulados, firmes e sensuais. O elenco, sob a orientação de Tadeu Aguiar, preenche todo o espaço cênico com suas marcações distintas (eles correm, jogam-se contra a parede, sobem em mesas, ou seja, realizam movimentações típicas de um musical com a proposta sugerida, fato que impinge saudável dinâmica ao conjunto). Voltando a falar do cenário de Edward Monteiro, o mesmo, como afirmara, consolida-se na reprodução fiel, adotando tons mais cinzentos e escuros, de uma fábrica com arquitetura não moderna, apoiada numa estrutura metálica grandiosa e em não poucos painéis corrediços, que assumem diversificadas missões (há largas portas, camas e mesas que se utilizam deste mesmo recurso da mobilidade; inclusive, um fascinante carro cenográfico irrompe no transcorrer da peça). Esta cenografia, que corresponde à ideia de uma superprodução, atende com riqueza às solicitações da dramaturgia de Terrence McNally e da direção de Tadeu Aguiar. Os figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal são múltiplos, mostrando um entendimento visível do perfil dos personagens e do universo no qual habitam. Ney e Dani apostaram no luxo, no brilho e no vintage de vestidos, no conforto básico das roupas masculinas, sem deixar, é claro, de capricharem nos uniformes azuis com botões dourados, que são o ápice desta categoria. A iluminação de David Bosboom é refinada e elegante, assumindo uma sequencia variada de tons, cores e direcionamentos de feixes luminosos (com sombras, planos abertos e focos), merecendo destaque o show final com um letreiro arrebatador. Os seis desempregados são interpretados por Mouhamed Harfouch, Claudio Mendes, André Dias, Carlos Arruza, Sergio Menezes e Victor Maia. Todos eles, sem exceção, ostentam potencial artístico sobejo para nos transmitir o momento existencial de seus papéis, que vivem, como asseverara acima, uma situação diferenciada, que mescla dramaticidade e humor. São versáteis e potentes em suas atuações, mantendo a vitalidade, assim como todo o cast, do início ao epílogo do espetáculo. Patrícia França, como Vicki, prova-nos com seus extensos valores como artista, de que por trás da superficialidade da mulher que personifica existe alguém sensível e capaz de amar o seu marido, independente das contingências desfavoráveis. Sylvia Massari, uma de nossas mais importantes atrizes de musicais, brilha fazendo a divertida e espontânea pianista do show dos strippers. Foi surpreendente e prazeroso ver atores como Mouhamed Harfouch e Patrícia França soltando as suas vozes em um musical, algo que não estávamos acostumados a ver. Kacau Gomes também se sobressai com a sua força no palco. Fábio Bianchini usa na medida certa a comicidade para dar vida a um stripper (atua outrossim como um policial e dançarino de salão). Os atores Carol Futuro, Samantha Caracante, Larissa Landin, Sara Marques, Gabriel Peregrino e Felipe Niemeyer defendem com veracidade, emoção e vivacidade os seus “characters”. Xande Valois é um intérprete encantador pela sua naturalidade, personalidade e um certo nível de crítica subliminar em suas falas. As vozes do elenco e sua capacidade para atingir as notas e afinação adequadas (tarefa dificílima) são dignas de loas e aplausos. Reitero aqui que tudo se deve, não se pode deixar de mencionar, à versão acertada e consistente de Artur Xexéo (sabemos o quanto é árduo transpor um texto de outra nacionalidade para uma realidade que nos seja identificável). “Ou Tudo Ou Nada, The Full Monty, O Musical” é uma peça que veio com todos os instrumentos necessários para se firmar como um grande sucesso na atual temporada do teatro no Rio de Janeiro. Tratando de um tema árido, o desemprego, com um criterioso humor, a montagem consegue, escorada em uma produção espantosa em suas proporções, conquistar a cumplicidade do público, que não se importa com a sua duração, afinal de contas ninguém quer perder o que seis simpáticos rapazes são capazes de fazer em uma única noite para sobreviver, ou melhor, ninguém quer deixar de testemunhar o “tudo” em seu sentido literal, que esses mesmos simpáticos rapazes têm a nos oferecer. E ninguém, é bom que se diga, arrependeu-se de ter ficado até o fim.

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