Foto: Divulgação do espetáculo
Percebe-se um diferencial no espetáculo solo “Falando a Veras” logo ao chegarmos ao teatro em uma sessão lotada de um sábado à noite no Rio de Janeiro. Para a nossa surpresa, deparamo-nos com o ator, comediante e apresentador Marcos Veras, elegantemente vestido de preto e calçando tênis brancos, na beira do proscênio, agachado, tirando selfies com paciência e boa vontade com um público numeroso e enfileirado desejando tão somente guardar uma lembrança com o artista. Marcos se levanta, e inicia, já com os espectadores conquistados pelo seu franco sorriso, a sua peça, que na verdade não podemos defini-la apenas como uma “stand-up comedy”, pois cairíamos no gratuito reducionismo. “Falando a Veras” é uma peça teatral com um único ator que se pretende a provocar o riso sim, mas que, no entanto, não se enquadra no formato de um simples monólogo com o seu intérprete contando histórias divertidas para a plateia. Seria da mesma forma uma redução analítica injusta de sua genuína intenção dramatúrgica. O espetáculo ao qual assistimos é uma via narrativa especial da qual um ator extremamente carismático e cativante com seu sobejo talento como Marcos Veras se vale para com suas piadas, ou melhor, observações sagazes e finas acerca das posturas e comportamentos do indivíduo e da sociedade a que pertence, além das instituições estabelecidas naquela, para estreitar um relacionamento sadio com espectadores dispostos a compartilhar, a partir das suas visões particulares, do mesmo riso oriundo em sua maioria do absurdo das situações da vida cotidiana. Marcos Veras, senhor do palco, totalmente à vontade sob a luz com nuance aberta de quatro refletores (há instantes em que se sobressaem luzes nas cores azuis, rosas e lilases na parte posterior do espaço cênico), tendo a poderosa cumplicidade de uma audiência aliada no mesmo objetivo de se entreter, passeia de modo galante por uma gama extensa de temas que direta ou obliquamente nos são familiares. Nada escapa ao humor crítico, inteligente e meticuloso do artista de boa voz. Relações afetivas (casamentos, namoros e suas adversidades), conflitos pessoais do dia a dia com empresas e o próprio coletivo social, a avassaladora e intrusiva publicidade dos tempos atuais, as contingências comuns à fama e ao artista como um todo, o preconceito quanto ao lugar em que se vive, as músicas contemporâneas e suas letras com visível limitação de ideias, os participantes de “realities” musicais e seus exageros na interpretação de canções marcadas pela simplicidade e as idiossincrasias do homem suscetíveis a avaliações por seu caráter próximo ao surreal ou até mesmo bizarro são abordados com pensamentos e ponderações questionadoras de imediato aceitas por nós, num processo de unicidade de entendimento, resultando na efetivação de um dos propósitos do teatro: a comunicação entre artista e público. Ademais, Marcos não se furta de usar as suas vivências como ator popular (rindo de si mesmo) como veículos eficientes para incrementar trechos episódicos da encenação. Num cenário cru e negro, com apenas um microfone e seu suporte, além de uma cadeira que serve para guardar o seu blazer e uma mesa circular sobre a qual se encontra uma caneca, Marcos Veras ostenta sua potente vocação para a composição de tipos, especificamente aquela que concerne às celebridades. O que ocorre de fato não é uma ligeira imitação, mas sim uma reverente homenagem a nomes tão variados da música brasileira. Os cantores Daniel (e seu jeito de entoar suas canções), Ed Motta (e suas experimentações vocais que simulam instrumentos musicais), Martinho da Vila (sua economia gestual e permanente sorriso), Caetano Veloso (e seus expressivos olhares), e um cantor de pagode com postura pouco expansiva são alguns dos escolhidos para a respeitosa referência. Adotando uma comicidade não agressiva, o ator discorre sobre os refrãos de músicas que apresentam ausência de sentido ou repetição acaçapante. Com isso, passamos a conhecer um Marcos Veras cantor. O intérprete que tanto nos faz gargalhar sabe cantar, alcançando notas distintas, mantendo a afinação, tornando críveis as suas performances. Os espectadores se deleitam com estas imitações e/ou composições, pois se faz humor de qualidade, colocando a conhecida “lente de aumento” em cima das características que definem a persona de alguém público. Há ainda o célebre jogador de futebol que não exibe empolgação com os produtos que anuncia em campanhas publicitárias, e se ironiza os anúncios de lojas de departamentos que promovem as suas vendas com efeitos estapafúrdios de vídeo e vozes em alto volume nas chamadas dos mesmos. Os olhos mais atentos vislumbram no artista em cena um cuidado criterioso com o seu trabalho de corpo e novamente digo, de voz. Marcos não desperdiça quaisquer gestos que possam evocar um sentimento ou verdade de sua piada, e sua voz, plena em possibilidades, acompanha este notável ritmo. “Falando a Veras”, cujas dramaturgia e direção lhe cabem (segundo ele, procura-se amiúde a renovação do espetáculo, buscando-se claro a manutenção de sua estrutura original, causadora de tão longevo sucesso, haja vista que está em sua sétima temporada), é uma peça que proporciona uma larga intimidade entre os dois lados que fazem o teatro “acontecer”. Para que este “acontecimento” se concretize, uma tarefa, pode-se dizer, árida, é indispensável que tenhamos confiança no ator que está disponível com sua arte na ribalta, e da mesma maneira que o protagonista da história seja o detentor de uma empatia indissolúvel com aqueles que o prestigiam. Marcos Veras é um intérprete de muitos personagens que caíram na graça do grande público. Sejam aqueles que durante anos foram construídos no programa de humor da Rede Globo, “Zorra Total”, seja em seu primeiro papel em novelas, o chef Norberto de “Babilônia”, de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga. Agora, sua carreira nos cinemas dá passos largos e com êxitos. Há outros projetos teatrais futuros. Trabalhos à vera. E merecidos. Quem acompanha a carreira deste jovem ator que possui como inspiração Woody Allen, e cresceu admirando mestres do humor como Chaplin, Stan Laurel e Oliver Hardy (O Gordo e o Magro), Chico Anysio, Jô Soares, Agildo Ribeiro e Ronald Golias sabe que o sucesso não veio por acaso. O sucesso veio com o seu talento, óbvio, mas somado a ele, como Woody Allen assevera, somado à insistência (“Noventa por cento do sucesso se baseia simplesmente em insistir”). E Marcos insistiu com o seu talento. “Falando a Veras” é uma obra que deve ser montada sempre que for viável, pois nela se vê um Marcos Veras por inteiro, aberto, livre, pronto para o fascinante imprevisto do risco teatral. Torcemos também para que o ator se aventure em outras formas de dramaturgia, e estamos convictos de sua legítima capacidade para tal feito. Marcos Veras é diferente. Marcos Veras é especial. Por esta razão, neste texto em que “falo à vera”, assumo, é que posso afirmar que, humildemente representando a voz de muitos de nós, “Gostamos de Marcos Veras à vera!”.