Blog do Paulo Ruch

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silvana
Foto: TV Globo

Dentre tantos assuntos tratados em sua novela, Gloria Perez tem despertado a nossa atenção para um problema de saúde pública que acomete uma parcela de nossa população: a compulsão pelo jogo. E para representá-lo, a autora escalou uma de nossas atrizes mais talentosas e populares, Lilia Cabral. Não se sabe ao certo quantos jogadores patológicos existem atualmente no Brasil, o que muito se deve à clandestinidade de certas práticas proibidas no país. A também chamada ludomania já é reconhecida como uma doença por especialistas na área, semelhante ao alcoolismo, tabagismo, e ao consumo de drogas. Segundo informações colhidas na área de Coordenação do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (PRO – AMJO), do Hospital das Clínicas de São Paulo, “o jogo compulsivo estimula as mesmas áreas cerebrais (do jogador), sendo o seu comportamento bem semelhante ao do viciado em drogas. Um comportamento compulsivo impulsivo, cuja única diferença que há é o não consumo de uma substância. Mas existe um comportamento que se repete várias vezes na prática de uma atividade”. Felizmente, há tratamentos disponíveis para esse distúrbio psíquico e comportamental, como, inclusive, os “Jogadores Anônimos”. No caso da personagem interpretada por Lilia Cabral, a bem-sucedida arquiteta Silvana, temos uma mulher bonita, madura, casada com um rico empresário (Eurico, Humberto Martins) e mãe de uma filha, Simone (Juliana Paiva). Silvana assume uma dupla postura. Por um lado, é extremamente racional, generosa e sociável (empenha-se com denodo para que Irene, Débora Falabella, sua colega de profissão, não prejudique o casamento de seu cunhado Eugênio, Dan Stulbach). Participa de eventos sociais exibindo elegância, simpatia, bom humor, desenvoltura e naturalidade. E por outro, mostra-se alguém totalmente vítima de sua compulsão pelos jogos, capaz de cometer as maiores insanidades para acobertar o seu vício e mantê-lo. Os principais conflitos, como era de se esperar, ocorrem dentro de sua própria casa, com o marido e a filha. Umas das evidências mais significativas deste distúrbio é a não aceitação do problema pelo jogador compulsivo, além da reiteração de mentiras. Eurico crê que Silvana se livrou desta compulsão, uma ideia alimentada pelas constantes invenções da esposa. Um dos atos mais graves cometidos pela arquiteta envolveu a sua amiga Joyce, Maria Fernanda Cândido. A fim de encobrir uma avolumada perda financeira, R$50.000,00 em um único dia em poucas rodadas de jogos, a mãe de Simone pegou emprestada uma bolsa de grife da concunhada com o intuito de explicar ao irascível marido o porquê do montante sacado em sua conta bancária (a suposta compra da bolsa). Desculpas esdrúxulas se sucedem. Depois de recuperar parte da quantia (R$15.000,00) no jogo, claro, cada vez mais se perdendo em ardis, convence o marido a lhe comprar um carro novo num consórcio, o que acaba não dando muito certo (aproveitar-se-ia de suas prestações). Outra característica que percebemos na personagem de Lilia (que visitou o grupo “Jogadores Anônimos” para se preparar para o papel) é uma acentuada alienação. Silvana não se dá conta da gravidade de sua situação. Diversas vezes ri e se vangloria de suas “vitórias”. Sai do estado de desespero e agonia para o de contentamento assim que atinge os seus objetivos com bastante assiduidade. Sua empregada doméstica Dita (Karla Karenina) lhe serve como confidente de seus desvios. Não lhe resta o que fazer senão preservar a patroa, ajudando-a no mascaramento de sua conduta reprovável, a despeito de sua real preocupação. Ao notar que as suas apostas estão lhe causando visíveis prejuízos conjugais, Silvana, que foi chantageada pela perigosa Irene, decide saciar sua compulsão em games na internet. Mas sempre valendo dinheiro. Sua filha descobre, e bloqueia os sites. Para a jogadora, centenas de reais não são nada, são “merrecas”. Simone se impõe perante a mãe, e lhe aconselha a procurar auxílio psicológico. Jamais passa pela sua cabeça de que esteja doente. A elegante mulher ainda não atentou para o fato de que está se dirigindo para o fundo do poço. Seu trabalho como arquiteta, até então valorizado, começa a ser afetado. Silvana não atende às ligações dos clientes, não entrega projetos, não comparece às reuniões. Quando Eurico descobrir a verdade escondida por sua esposa, o casamento poderá ruir. A falência financeira da apostadora é uma questão de tempo. Em uma cena recente, Silvana furta uma quantia de dinheiro de seu marido. Acha que não fará falta. Vendo que os funcionários, o motorista Nonato (Silvero Pereira) e a secretária da empresa Biga (Mariana Xavier) foram considerados suspeitos, salva-os… contando uma mentira. Dos pequenos delitos nascem os grandes. Empenhou suas joias. Pediu dinheiro emprestado a Caio, Rodrigo Lombardi, mentindo sobre a razão de lhe pedir (disse que seria para o conserto do seu carro; Caio, sabedor de seu vício, tão logo descobriu). Silvana, pouco a pouco, perde-se em um emaranhado de erros, em que noções de valores de ética e moral são ignorados. No tocante a outro elemento que distingue a personalidade de um jogador patológico, e que facilmente é reconhecido em Silvana, é o tipo de conduta que a leva a jogar sempre mais: se numa mesa de pôquer perde, joga de novo para recuperar o que perdeu; se ganha, julga estar com sorte, e que esta lhe proporcionará mais ganhos. É um círculo literalmente vicioso e temerário. Há entre os jogadores um código tácito de respeito às “regras do jogo”. Não há leniência para o jogador que perde. Se perdeu, não importa o valor, tem que pagar. Não sabemos até que ponto pode ir uma cobrança. Silvana mesma foi cobrada na porta de casa por não ter respeitado estas “leis”. O último de seus excessos cometidos foi o furto de um relógio valioso do pai de Eurico. Age realmente como uma viciada em drogas. A novela “A Força do Querer” nos mostra que a compulsão por jogos é democrática. Ela pode atingir uma mulher culta e educada, com nível superior, bem casada e sofisticada. A escolha de Lilia Cabral para dar vida a esta mulher cheia de angústias, aflições e ansiedades infiltradas em uma rotina aparentemente normal aos olhos dos outros foi acertadíssima. Lilia, uma de nossas mais prestigiadas atrizes, com um currículo respeitável na televisão (“Vale Tudo”, “Tieta”, “A Favorita”, “Viver a Vida”, “Fina Estampa” e “Império”), no teatro (“Solteira, Casada, Viúva, Divorciada”, “Divã” e “Maria do Caritó”) e cinema (“Divã”) possui uma admirável qualidade de fazer com que o público conduza a sua atenção para os contornos interpretativos que desenha para o seu papel. Ela pode ser tanto uma secretária fofoqueira e uma carola, quanto uma esposa maltratada pelo marido, uma mãe que se sacrifica pela filha, uma mulher do povo, ou alguém com poder, força e sofisticação, não importa, Lilia Cabral consegue abrilhantar cada um desses tipos tão distantes um do outro. A atriz, que ostenta belíssimos sorriso e olhos, cativa-nos com as suas emoção, verdade e presença cênica. Não nos parece que se utilize de técnicas. A sua ferramenta de atuação é a sua legítima vocação para orná-la com o máximo de nuances que lhe conferem indiscutível credibilidade e empatia. O seu trânsito com incrível desembaraço pelo drama e comédia é um de seus inquestionáveis méritos como artista. Costumo dizer que há certas atrizes que nos emocionam, e Lilia Cabral é uma delas. A abordagem deste tema por Gloria Perez em “A Força do Querer”, valendo-se de uma atriz do porte de Lilia Cabral, é demasiado válida. Que sirva de alerta para os telespectadores acerca dos riscos que são intrínsecos às compulsões, que são muitos. Que sirva de incentivo para aqueles que padecem deste transtorno em pedir socorro médico. Que convença que o jogo só justifica a sua existência quando o seu alvo é a diversão. Que as apostas de Silvana, assim que reconhecer o seu complexo drama, não sejam mais em uma mesa de pôquer, e sim na reconquista das suas perdidas felicidade e paz. Basta que Silvana tenha força. Basta que ela queira. Basta que interrompa este “jogo da vida” perigoso que criara para si mesma. Apostas encerradas.

Categorias: TV

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