Blog do Paulo Ruch

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Foto: Junior Marins/Design Gráfico: Danielle V. Cardoso

Na sexta-feira passada, dia 01 de setembro, estreou em sessão para convidados a comédia “A Sala Laranja: no Jardim de Infância” (no original, “La Sala Roja”), de Victoria Hladilo, no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, no Rio de Janeiro. A tradução fluida, cuidadosa e universal ficou a cargo de Elisa Brites, Robson Torinni e Victor Garcia Peralta. Victor Garcia também ficou responsável pela direção. Em seu elenco, Renata Castro Barbosa, Isabel Cavalcanti, Priscilla Baer, Daniela Porfírio, Rafael Sieg e Robson Torinni. Idealizada por Elisa Brites, Robson Torinni e Victor Garcia Peralta, a peça é uma realização da REG’s Produções Artísticas Ltda.. A história de “A Sala Laranja”: no Jardim de Infância” (o espetáculo, que ganha a sua primeira montagem brasileira, já foi visto por cerca de 100.000 pessoas desde a sua estreia em 2013) se concentra na reunião, como de costume, dos pais das crianças de um jardim de infância para a discussão de problemas atinentes à instituição escolar e escolha de projetos lúdicos e pedagógicos que melhor se adequem à educação de seus filhos. O que era para ser um simples encontro para o debate de ideias e encontro de soluções conjuntas, torna-se um campo de batalha com troca de farpas de todos os lados. Os problemas dos alunos e questões da escola servem tão somente como catalisadores das revelações das frustrações, complexos, desvios de comportamento e traços individualizados dos perfis tanto dos pais quanto dos profissionais do colégio (no caso, uma professora). Num tom de comédia assumida e saborosamente crítica e sarcástica, a premiada dramaturga Victoria Hladilo desenvolve uma narrativa ácida, inventiva, reconhecidamente interessante, com a habilidade de se passar em um único ambiente, pouco explorado, com seis personagens totalmente distintos, que passeiam pelas mais diferentes situações de conflito (com muitas das quais nos identificamos), sem que em nenhum momento se vislumbre um viés mais pesado na abordagem dos temas contextualizados. Pelo contrário, Victoria buscou sempre o humor inteligente e criativo para tratar das difíceis e complexas relações de convivência entre pessoas que aparentemente possuem um interesse comum. Este embate involuntário é realçado por uma certa claustrofobia e limitação ao tempo de que dispõem (ninguém pode sair da sala da escola até que a reunião se finde com a chegada dos pequenos alunos para as aulas). O que se vê é uma conflagração aberta, uma disputa acirrada de egos, uma procura de se atingir a superioridade sobre o outro. Uma das grandes sacadas de Victoria é nos mostrar o egoísmo do ser humano, pois na verdade o que se testemunha não é a defesa dos interesses de seus filhos, e sim um esforço na prevalência de suas vontades. A exiguidade do ambiente e seu respectivo confinamento propiciam a eclosão de suas qualidades mais reprováveis (competitividade, manipulação, inveja, ciúme, intolerância…). Outro dos méritos do texto é se utilizar de um local infantil, com situações infantis, como pintar, desenhar, montar brinquedos, para colocar em cena pessoas adultas discutindo e debatendo temas em sua essência adultos. No espaço de semiarena do Teatro Cândido Mendes, observamos a chegada paulatina dos pais dos alunos, recebidos pela educadora Inês (Isabel Cavalcanti). Aos poucos, percebemos os aspectos definidores do caráter de cada um desses pais. Temos a mãe que toma para si, sem que lhe seja dada esta função, um papel de liderança, com contornos autoritários e intolerantes, porta-voz de comentários invariavelmente maliciosos e provocativos. A personagem Sandra é defendida com bastante percepção pela atriz Renata Castro Barbosa. Renata, muito sabiamente, trilha pelo terreno fértil do humor, que por sinal domina como poucos, mas sem perder a noção de transmitir para os espectadores nos momentos oportunos os dramas e fragilidades por que passa o seu papel. Isabel Cavalcanti, que se incumbe de dar vida à educadora/professora/recreadora Inês, optou por um caminho da mesma forma irônico, tendo por missão o apaziguamento dos ânimos exaltados dos representantes dos alunos. Isabel adota uma postura de passividade e calma contrastante com a loucura que se estabelece no recinto. Destaca-se na intérprete a maneira didática engraçadíssima com que lida com os pais. Inês constantemente se comunica com uma mãe ausente, Renata, a fim de receber instruções. Priscilla Baer encarna com delicadeza e graça Gabriela, a mãe zen/hippie, adepta dos florais e mantras. Mesmo sendo seguidora deste estilo de vida supostamente mais equilibrado, a moça com sua bata florida e um celular com um toque de chamada demasiado peculiar, sucumbe na mesma frequência certeira aos desvarios de seus colegas/pares da reunião escolar. Daniela Porfírio, como Verônica, comparece ao compromisso dos pais de alunos acompanhada de seu marido, o executivo Diego, Rafael Sieg. Daniela incorpora com meticulosas doses emocionais a esposa e mãe destemperada, fora de si, sem controle sobre as suas ações e reações, refém de suas visíveis fraquezas. Seu tipo bem construído soma com felicidade o painel de personagens expostos. Seu esposo, o sisudo Diego, parece-nos absolutamente desconfortável naquele ambiente ocupado por indivíduos que lhe soam estranhos. Com belo posicionamento em cena e voz firme, mesclando com ideal balanço os elementos de indiferença e agressividade do yuppie contrariado com a circunstância, Rafael nos convence de suas intenções interpretativas. Robson Torinni, como Martin, encarrega-se de personificar o pai jovem, garotão, prático, objetivo e dinâmico, sempre disposto a solucionar os dilemas do modo mais eficiente e adequado aos demais. Robson compõe o seu Martin com absoluta consciência da missão de seu papel. Martin seria uma espécie de conciliador das altercações surgidas a todo instante. Com ótima presença cênica e inconteste desenvoltura, o ator não se restringe a este aspecto notadamente jovial, evidenciando-nos a sua dureza e até mesmo um descompasso emocional quando a situação lhe foge do domínio. O intérprete, um dos idealizadores, e também produtor da montagem, ostenta uma louvável entrega ao seu personagem, sem inibições ou pudores, respeitando não só a ideia da peça, mas os agentes que movem a conduta de Martin. A direção de Victor Garcia Peralta marca a sua volta às comédias, gênero no qual atingiu grandes e inegáveis êxitos, tanto de público quanto de crítica, como “Alucinadas” (com a própria Renata Castro Barbosa, junto com Luciana Fregolente), “Não Sou Feliz Mas Tenho Marido” e “Os Homens São de Marte… E É Pra lá que Eu Vou”. No entanto, o que define este competentíssimo e sensível encenador argentino, brasileiro por vocação e de coração, é a sua versatilidade em transpor para os palcos dramaturgias de variadas temáticas, como o drama clássico contemporâneo “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, o solo “Tudo Que Eu Queria Te Dizer” e “Decadência”. No que se refere a “Sala Laranja…” , Victor nos dá a impressão de que deixou se libertar, voltando às suas origens, dando vazão ao seu olhar crítico, anárquico e transgressor das normas do cotidiano e das instituições, utilizando-se deste gênero riquíssimo (muitas vezes pouco valorizado pelos especialistas) que é a comédia. Extremamente hábil no manejo do texto que tem em mãos, e do elenco de que dispõe, Victor Garcia esbanja espontaneidade, qualidade, inteligência cênica e propósitos bem definidos na montagem da peça de sua conterrânea. O diretor não teme o potencial obstáculo das dimensões diminutas da semiarena, tendo que dirigir todos os seis atores em cena, colocando-os em pontos estratégicos, ou os conduzindo em suas diversas movimentações, de maneira que haja uma harmonia, e um quadro cênico organizado. É digno de nota, realmente elogiável, o trabalho de direção que Victor imprimiu ao seu elenco. Todos, sem exceção, são atores com múltiplos e incontestáveis méritos. Sabedores dos legítimos intentos da dramaturga e de seu diretor, os intérpretes, uniformemente, cumpriram com brilho e dignidade os deveres de execução de um espetáculo que contém em seu cerne inúmeros atributos. O cenário ficou por conta de Dina Salem Levy. Sua atribuição foi a de reproduzir com o máximo possível de fidelidade o ambiente lúdico e mágico de uma sala de aula de jardim de infância (volto a dizer, adaptando-o ao espaço de semiarena), e o fez com extrema coerência e encantamento. Dina criou um mundo escolar pleno em nostalgias para nós, adultos, que assistimos à peça. São pequenas mesas e cadeiras coloridas espalhadas pelo espaço, tendo sobre aquelas papéis, lápis, objetos feitos à mão, tendo ao fundo uma parede coberta de letrinhas do alfabeto de diversas cores, uma estante com vários compartimentos, uma lousa, bastantes potes para lápis, hidrocor e similares nas prateleiras, além de bichinhos, baldes com rolos de cartolinas e guarda-chuvas, tapetinho sintético etc. Enfim, tudo o que se pode encontrar neste universo infantil escolar. Os figurinos de Luiza Fardin também correspondem com enorme coerência às figuras dos pais retratados e da recreadora. Luisa usa conjunto preto e escarpins para Renata Castro Barbosa, uniforme com avental para Isabel Cavalcanti, vestes hippie com modelagem floral para Priscilla Baer, blusa com estampas convencionais para Daniela Porfírio, terno e gravata para Rafael Sieg e moletom e camiseta cavada para Robson Torinni. A iluminação teve a assinatura de Daniel Gálvan. Ele, apropriadamente, valeu-se de uma luz forte, aberta e permanente, que, na verdade, corresponde à realidade do local em que se desenrola a ação. Não haveria sentido na utilização de efeitos. Daniel escolheu a alternativa mais pertinente, e acertou. A direção de movimento foi feita por Cristina Amadeo. Cristina se esmerou em estudar cada personagem da ação, analisando o seu perfil, a sua característica preponderante, acrescentando um modo de postura e deslocamento que se afinasse com a sua persona, e lhe desse maior credibilidade. Percebemos este trabalho nas atitudes de líder de Sandra, na submissão e fleuma de Inês, na intranquilidade de Verônica, na sisudez de Diego, na leveza zen de Gabriela, e na disposição jovial de Martin. A preparação vocal de Rose Gonçalves atinge níveis qualitativos elevados, pois todo o conjunto do elenco apresenta vozes bem articuladas, respeitando-se rigorosamente as variações emocionais que lhe são impostas (há um momento lírico coletivo comandado pela suave voz cantada de Isabel Cavalcanti bastante emocionante). Ao final da peça, na hora dos agradecimentos gerais, a atriz Renata Castro Barbosa faz uma menção especial ao seu colega de cena Robson Torinni, que se desdobrou bravamente para levantar este espetáculo. De fato, em tempos de sucateamento da cultura do Estado do Rio de Janeiro, em que não se vê o interesse em se apoiar a realização dos espetáculos teatrais, em que teatros são fechados por falta de público, testemunhar um jovem ator como Robson Torinni se aventurar como produtor, e levar adiante o seu sonho de se viver de arte, mesmo com todos os empecilhos, é admirável. Por fim, o que se pode concluir ao se assistir a “A Sala Laranja: no Jardim de Infância” é que se tem à disposição no circuito teatral uma opção de lazer, cultural e de reflexão que se distingue por relevantes atrativos: conhecer a dramaturgia inteligente de uma autora argentina, como Victoria Hladilo, conferir a sua transposição para os palcos por um de nossos diretores mais celebrados, Victor Garcia Peralta, e se deslumbrar com a reunião de um time de intérpretes talentosos engajados com a Arte, para se dizer o mínimo. Além disso, dentro do contexto da trama, passamos a conhecer melhor alguns lados escondidos do ser humano, com toda a sua complexidade, ao se defrontar com os fantasmas da convivência social e do confronto de ideias, dentre outros pontos de potenciais conflitos. Vale a pena voltar a ser “criança” e visitar a sala laranja do jardim de infância de Victoria Hladilo. Mas devemos ficar quietos, pois o papo ali é de gente grande.

 

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