Foto: TV Globo
Mario Teixeira mistura com inventividade romance, História, fantasia, ficção científica e humor na nova novela das 19h
Depois das intrigas palacianas e dos romances medievais de “Deus Salve o Rei”, estreou na terça-feira passada a nova novela das 19h da Rede Globo, “O Tempo Não Para”, escrita por Mario Teixeira, com direção artística de Leonardo Nogueira. Protagonizada por um casal de atores muito talentosos da nova geração com forte apelo junto ao público juvenil, Nicolas Prattes (o intérprete se sobressaiu em “Rock Story”) e Juliana Paiva (seu trabalho anterior foi conferido em “A Força do Querer”), contando ainda em seu elenco com nomes consagrados como Edson Celulari, Christiane Torloni e Eva Wilma, a trama, que mistura com grande propriedade elementos de fantasia, ficção científica, História, humor e romance, agradou em cheio aos telespectadores desta faixa que prima por sinopses mais leves e divertidas. Mario Teixeira, responsável pelo texto de uma ótima telenovela exibida em 2016 no horário das 23h, “Liberdade, Liberdade”, é um autor que transita com inegável intimidade pelo universo dos fatos históricos (esta produção se passava no Brasil na época dos movimentos de independência, como a Inconfidência Mineira), inspirou-se em Julio Verne e no livro de H.G. Wells, “O Dorminhoco” (que se tornou um filme homônimo de Woody Allen) para alinhavar os elos centrais de sua narrativa.
Uma família escravocrata do século XIX, e seus agregados, após um naufrágio, fica congelada durante 132 anos, e desperta na moderna São Paulo em plenos 2018
A história se inicia em 1886, portanto dois anos antes da Abolição da Escravatura, na região paulista de Nossa Senhora da Freguesia do Ó. Com cenas em p&b (seguidas por uma virada estratégica para um colorido vivo), ostentando visível apuro visual, acompanhamos os costumes sociais e econômicos do século XIX, com seus enfatiotados senhores de engenho, como Dom Sabino (Edson Celulari), e seus escravos, como Menelau (David Junior). Dom Sabino, um empresário empreendedor nos negócios, mas conservador quanto às mudanças do regime escravocrata vigente no período, empenha-se nas preparações da festa de apresentação de sua linda filha Marocas (Juliana Paiva), uma moça com ideais abolicionistas, à sociedade. Numa sucessão de imprevistos que deram um tom de comicidade em seu primeiro capítulo (com um timing próprio de desenho animado em algumas passagens), envolvendo o sedutor e atrapalhado poeta Bento, Bruno Montaleone, a festa não só é cancelada, mas o casamento arranjado entre o rapaz e a filha de Dom Sabino. Tantos escândalos para a família fizeram com que o personagem de Edson, defensor da imagem ilibada de seu clã, e fiel seguidor da Coroa, providenciasse uma viagem conveniente em seu vapor Albatroz, rumo ao Reino Unido, onde possui um estaleiro, com todos os seus familiares (Dona Agustina, a sempre bem-vinda Rosi Campos; suas filhas Nico, Raphaela Alvitos, e Kiki, Natthalia Gonçalves, além, é claro, de Marocas, e de alguns agregados, como Miss Celine, Maria Eduarda de Carvalho, a preceptora das jovens, e o cãozinho Pirata). Uma tragédia que lembra o naufrágio do Titanic (com takes recheados de primorosos efeitos visuais bem próximos ao filme de mesmo nome de James Cameron), muda todo o curso do entrecho. Somos transportados para 2018, com direito a uma sequência de imagens que retratam fatos relevantes desses 132 anos, como a chegada do homem à Lua e a clonagem de uma ovelha, Dolly, com o desfile de figuras indispensáveis para a transformação do mundo, como Einstein, além de políticos e esportistas que entraram para a História, como Barack Obama, e Ayrton Senna, respectivamente. Na região do Guarujá, na mesma São Paulo, o empresário bem-sucedido Samuca, Nicolas Prattes, surfa, até encontrar, presa em um pedaço de gelo, a moçoila vinda do século retrasado. Logo após, operações envolvendo militares da Marinha (a Comandante Waleska, Carol Castro, e o médico Capitão de Fragata Mateus, Raphael Vianna), com o auxílio de helicópteros, e a cobertura da imprensa, são acionadas a fim de se descobrir a respeito do imenso bloco de gelo encontrado nas águas do Guarujá com mais de uma dezena de pessoas congeladas em seu interior (as imagens com as silhuetas dos corpos congelados impactaram). O congelamento de indivíduos permite ao teledramaturgo a abordagem do instigante tema da criogenia, que será veementemente defendida pela cientista Petra (Eva Wilma, em seu retorno aos folhetins, após “Verdades Secretas”), uma médica com ética duvidosa e interesses questionáveis que se defrontará com as ideias de Samuca. Por sinal, as cenas que mostram os sobreviventes em cápsulas criogênicas, iluminadas pela fotografia com filtros azulados, são impressionantes pela sua qualidade. Samuca, filho da elegante e zelosa Carmen (Christiane Torloni), namorada de um rapaz arrivista social, Lalá (Micael; o ator teve um elogioso momento com Nicolas Prattes, depois de confundi-lo com um garçom), passa a ajudar Maria Marcolina (Marocas) em seu restabelecimento, apaixonando-se aos poucos por ela (o casal de intérpretes esbanja carisma e incrível entrosamento, devendo receber acaloradas torcidas dos telespectadores), o que causa a fúria de sua soberba e ciumenta noiva Betina (Cleo). Um dos congelados, Dom Sabino Machado, desperta, e foge da clínica de Petra, perdendo-se no caos urbano da metrópole paulista (vale mencionar as engraçadíssimas cenas em que Dom Sabino se espanta, desorientado, com este “Novo Mundo” que lhe é apresentado; ajudado por Eliseu, o catador de lixo reciclável defendido por Milton Gonçalves, e Paulina, Carol Macedo, criada por ele, Sabino nos reserva outros momentos hilários ao se deparar com as novidades da casa onde é acolhido, principalmente as do banheiro). Mais personagens nos foram apresentados, como o casal de biólogos que vive de forma simples e natural na Ilha Vermelha, Marino, Marcos Pasquim, e Monalisa, Alexandra Richter. Solange Couto personifica a fogosa dona da pensão “Coronela”, mãe de Waleska. Luiz Fernando Guimarães, como o riquíssimo Amadeu Baroni, revelará no decorrer do enredo a sua vilania (o conhecido humor do artista está presente). Rui Ricardo Diaz é o criminoso Barão, filho de Eliseu. Felipe Simas encarna o bonachão e despreocupado Elmo, melhor amigo de Samuca, e namorado de Waleska. João Baldasserini, Emílio, e Regiane Alves, Mariacarla, formam uma dupla de advogados que não prima necessariamente pela correção. Kiko Mascarenhas encarna o dedicado procurador e contador de Dom Sabino, Teófilo. Lucy Ramos dá vida à firme advogada Vanda, e Wagner Santisteban representa o sensacionalista repórter Pedro Parede. Completaram o elenco nesta primeira semana Cris Vianna (Cairu), Maicon Rodrigues (Cecílio), Olívia Araújo (Cesária), Aline Dias (Damásia), Rafaela Mandelli (Ellen), Claudio Mendes (Herberto), Bia Montez (Januza), Cyria Coentro (Marciana) e Talita Younan (Vera Lúcia).
O texto bem estruturado e criativo de Mario Teixeira garante qualidade à trama
O texto de Mario Teixeira, com a colaboração de Bíbi da Pieve, Marcos Lazarini e Tarcísio Lara Puiati, e pesquisa de texto de Yara Eleodora, é ágil, dinâmico, com fio narrativo consistente e diálogos fluidos, além dos toques de humor elaborados. Sua estrutura dramatúrgica tem inegável material para prender o interesse do público pelos próximos meses. Ouvir o Português escorreito e rebuscado nas vozes de Edson Celulari e Juliana Paiva, com vasto vocabulário, mostrando a riqueza de nosso idioma, tão esquecida, foi maravilhoso.
Cenários e figurinos primorosos, bonita fotografia, efeitos visuais impressionantes e trilha sonora irresistível e diversificada enriquecem a história
A cenografia de Keller Veiga, Alexis Pabliano e Gilson Santos se sobressai, entre outros aspectos, pelas minúcias e notável acabamento da casagrande de Dom Sabino, do moderno, jovem e arrojado apartamento de Samuca, e do Laboratório Criotec, no qual trabalha Dra. Petra. Os figurinos de Paula Carneiro correspondem com admirável fidelidade aos costumes usados no século XIX, sendo coerentes e de bom gosto nos tempos atuais. A direção de fotografia de Andre Horta é primorosa, apostando tanto nas cores fortes, quanto nas neutras e naturais. Os efeitos visuais de Bruno Netto são dignos de nota, com destaque, sem dúvidas, para o naufrágio. A trilha sonora da novela é impecável, com novidades e releituras (gerência musical de Marcel Klemm). Temos a lindíssima “Naked”, de James Arthur, a empolgante “Paradise”, de George Ezra, a doce e romântica “Baby Eu Queria”, de Marcella Fogaça e Nando Reis, a encantadora versão de Dan Torres para o clássico “Raindrops Keep Fallin’ On My Head”, a alto astral “No Excuses”, de Meghan Trainor, a bela releitura de Vanessa da Mata para “Impossível Acreditar Que Perdi Você”, o hit “Ice Ice Baby”, de Vanilla Ice, a deliciosa “You Sexy Thing”, de Hot Chocolate, a excelente interpretação de Ivete Sangalo para a icônica “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, tema da abertura, e a rascante e intensa tradução de Elza Soares para a emblemática “O Tempo Não Para”.
Competentíssima direção, elenco de alto nível e abertura empolgante nos convidam a assistir à novela
A direção artística de Leonardo Nogueira e geral de Marcelo Travesso e Adriano Melo, além de Mauricio Guimarães e Felipe Louzada, exibiu incontestável inspiração e notória competência, seja nas cenas de ação, seja nas cotidianas, com bonitas tomadas aéreas. O excelente elenco, como disse, reunindo atores de gerações distintas, mostrou-se completamente entregue à irresistível história de Mario Teixeira. Um ponto fortíssimo da produção. A abertura de Alexandre Romano, Eduardo Benguelê, Christiano Calvet e Bruno Meira, com referências a Salvador Dalí e ao artista visual Marco Brambilla, uma mistura psicodélica com abundante uso dos recursos da computação gráfica, é profusa em cores e movimentos, pretendendo nos indicar o contraste de culturas de épocas diferentes e seus respectivos elementos, como estátuas antigas, ventiladores, harpas, escafandros, computadores, hot dogs e louças vitorianas. Até o hábito dos dias de hoje de se tirar selfies é retratado. Trata-se daquelas aberturas que não nos cansamos de ver. Ótima realização dos criadores.
A novela que deu frescor à faixa das 19h da Rede Globo
“O Tempo Não Para” é uma novela com imensos atrativos, sendo um deles o de trazer uma saborosa história com elevado potencial criativo, oferecendo um frescor à faixa das sete horas da emissora. A obra de Mario Teixeira teve o mérito de fisgar o seu público com peças caras a um bom folhetim, como o par romântico principal, personagens empáticos, conflitos, vilões em maior ou menor grau, humor leve, associada a uma encantadora fantasia com reflexos numa visão crítica da realidade. O tempo será um fator positivo para a nova novela das 19h, que só tende a melhorar com a sua passagem. Todo o mundo ficará parado diante da TV na hora em que mais um capítulo de “O Tempo Não Para” for ao ar.