
Usando como inspiração para o seu texto uma das lendas mais universais de que se tem conhecimento, A Lenda do Rei Arthur, a dramaturga Marcia Zanelatto faz uma declarada celebração das variadas vertentes de liberdade do indivíduo, traçando um apropriado paralelo com a realidade política de nosso país
Quando a arte, no caso cênica, presta, com proficiência e responsabilidade, um serviço ao público em que há um paralelo contundente com a realidade que nos cinge, testemunha-se um momento único indelével, ficando o mesmo resguardado e intocado em nossa memória mais afetiva. Este fenômeno se perfaz ao se assistir à arrebatadora superprodução musical “Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade – Ao Som de Raul Seixas”. A celebrada dramarturga Marcia Zanelatto (texto original), conhecida por sua sensibilidade social, juntou-se a outra referência nos palcos, Guilherme Leme Garcia (concepção e direção) e a uma equipe de peso, associando contextualmente (mesmo que de forma elíptica), com visceralidade artística, a universalidade da lenda do Rei Arthur à conjuntura política, e seu viés comportamental, do Brasil, em prol de todas as vertentes de liberdade (de ser, de escolher, de decidir…).
Disputas de poder, conflitos amorosos e maquinações palacianas são entremeados por interpretações impecáveis de seus atores de canções não menos impactantes de um de nossos maiores nomes da música, Raul Seixas
A envolvente trama, questionando as noções de tempo, percorre a incrível trajetória do justo e democrático Arthur ainda jovem rumo ao poder da Bretanha (ameaçada pela invasão saxônica), em meio às guerras internas entre romanos e bretões. O Arthur rei (Paulinho Moska, brilhantemente altivo) se aconselha com o sábio Merlin (Vera Holtz, em audiovisual, transcende seu enorme talento). O rei que sonha com a divisão de poderes numa Távola Redonda, desde a juventude disputa o seu amor pela bela Duquesa Guinevere (Larissa Bracher perfeita nas angústias e paixões da mulher surpreendida pelo destino) com o amigo, o Cavalheiro Lancelot (Gustavo Machado, possante como o homem aguerrido). Este quarteto se soma aos pérfidos conselheiros Dreadmor e Anamorg (Patrick Amstalden e Kacau Gomes, impagáveis), e a um time de 17 atores/cantores pulsantes para montar este notável enredo embalado pelos hinos libertários de Raul Seixas (vigorosa direção musical e arranjos de Fabio Cardia e Jules Vandystadt, executados por seis músicos). O set design e a cenografia arrojada, a luz onírica e o belo e lisérgico videodesign são de Camila Schmidt, Anna Turra e Roger Velloso, os figurinos luxuosos (prata e brilho) são de João Pimenta, o deslumbrante visagismo coube a Fernando Torquatto, e as coreografias graciosas e robustas são de Toni Rodrigues.