
O público admirador de Marco Nanini acostumado com alguns personagens bonachões de sua carreira irá se surpreender com a performance do ator no primeiro e premiado filme de Armando Praça
Para aqueles que estão familiarizados com o bonachão Eusébio da novela “A Dona do Pedaço”, escrita por Walcyr Carrasco e exibida em 2019 na Rede Globo em seu horário nobre, ou têm em mente a figura popular do patriarca de classe média Lineu de “A Grande Família”, seriado da mesma emissora que ficou no ar durante 13 anos, devem obrigatoriamente conferir a atuação, sem quaisquer dúvidas, mais visceral de toda a espetacular carreira de Marco Nanini. O ator é o protagonista do primeiro filme do cearense Armando Praça, “Greta” (Brasil, 2019), vencedor dos prêmios de Melhor Filme, Direção e Ator no Cine Ceará 2019, e Melhor Filme no Festival de Cinema Lésbico e Gay de Milão 2019.
No longa inspirado na famosa peça teatral de Fernando Melo “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá” já se falava a respeito de um problema gravíssimo que assola atualmente o sistema público de saúde do país, a falta de leitos hospitalares
Inspirado livremente na famosa peça de Fernando Melo “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá”, o filme roteirizado por Armando é centrado no solitário enfermeiro de um hospital público de Fortaleza, Pedro, Marco Nanini, que em meio ao seu caos estrutural, decide, por falta de leitos, levar para a sua casa Jean, Démick Lopes, acusado de homicídio, objetivando que sua melhor amiga, a transexual Daniela, Denise Weinberg, pudesse ser tratada por uma equipe médica de sua grave doença. Desejoso de saciar suas carências afetivas e sexuais, Pedro, cujo ídolo é a atriz sueca Greta Garbo, inicia uma complexa e imprevisível relação com o homem delinquente que hospedou.
A produção conta com uma direção delicadíssima de Armando Praça, distante do gênero melodramático, e um elenco que oferta aos espectadores atuações memoráveis, representado por Démick Lopes e Denise Weinberg, além do próprio Nanini
A delicadíssima direção de Armando Praça optou por uma narrativa desprovida de trilha sonora, afastando qualquer aproximação com o gênero melodramático, destacando a aridez das situações com o seu drama fluindo naturalmente. Com enfoque nos intérpretes, sua câmera se sai eficiente e legítima na abordagem da nudez e do sexo. Marco Nanini, com angústia intrínseca permanente e gestual estudado com precisão matemática, está implacável cenicamente. Démick Lopes, um excelente artista nascido no Ceará em franca ascensão, trava um duelo memorável com Nanini. E Denise Weinberg, num tocante desempenho, confere à transexual defrontada com a morte próxima uma gigantesca altivez. “Greta” é uma bela obra de Armando Praça, que trata com rara sensibilidade sobre os medos do indivíduo, o medo da solidão, da finitude, e da entrega ao amor, seja ele qual for. Ao contrário de Greta Garbo, nenhum de nós, nem Pedro, nem Jean tampouco Daniela deseja ficar só.
Assista ao trailer do filme: