
O dramaturgo Eduardo Bakr consegue reunir com sucesso em sua comédia inédita doses de drama e suspense com reviravoltas surpreendentes
O público brasileiro de teatro ansiava pela sua volta. O mesmo público ansiava por leveza nos palcos nesses tempos nada leves. E é justamente a leveza aliada a um humor farsesco burilado com pitadas de drama num contexto de suspense com múltiplas reviravoltas que a deliciosa comédia de Eduardo Bakr “Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito” oferta aos espectadores. A muitíssimo bem alinhavada dramaturgia se concentra na figura de Dulce Carmona (Vera Fischer), uma mãe castradora, elitista, em declínio financeiro e preconceituosa, confrontada com o casamento próximo de seu filho inconstante e um tanto infantilizado Lauro (Mouhamed Harfouch) com a fútil e aparentemente superficial Gardênia (Larissa Maciel), herdeira de um império dos parafusos, porcas e arruelas. A partir do primeiro encontro entre as futuras sogra e nora regado a trocas de farpas impiedosas para o desespero histriônico de Lauro até a efetivação do matrimônio, a montagem ganha um fôlego crescente com as situações apresentadas, tendo como efeito mais do que positivo o interesse da plateia pelo desfecho imprevisível.
A direção inteligente e fluida de Tadeu Aguiar permite que seu elenco de grandes atores, Vera Fischer, Larissa Maciel e Mouhamed Harfouch preencham ricamente suas cenas
Além do mérito dramatúrgico e da direção, a produção pode se jactar em ter em seu elenco três grandes intérpretes que são sobejos em seus recursos cênicos. A direção de Tadeu Aguiar, inteligente e fluida, permite que o texto siga um curso vitorioso, deixando os atores preencherem com riqueza a cena. Vera Fischer, sempre diva, compõe com força, sedução e sarcasmo a sua irresistível mãe. Vera é Vera, encanta mesmo sem querer. Larissa Maciel, esbanjando beleza, prova ser uma atriz com talento de sobra para se embrenhar com segurança no traiçoeiro terreno da comédia. Já Mouhamed Harfouch, um artista fascinante e carismático, entrega-se de tal forma a todas as possibilidades corporais, incluindo sua fala construída, sem rede de proteção, que só nos resta aplaudi-lo. Um ator de mãos dadas com a comicidade.
Com equipe técnica de primeira, “Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito” nos faz lembrar do sentimento que devemos ter pelo teatro
A trilha sonora original coube à respeitada Liliane Secco, que cria arranjos ao piano e acordes que remetem ao suspense. O admirável cenário de Natália Lana prima pela grandiloquência, com escadaria, cortinas e lustre portentosos. Os figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal ostentam elegância e coerência. O design de luz de Daniela Sanchez é lindamente balanceado, aproveitando os matizes que lhe são viáveis. “Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito” é uma obra adoravelmente divertida e sensível que nos faz lembrar depois de tanto tempo que devemos voltar a amar o teatro sempre “desse jeito”.