
Idealizada por Sylvia Bandeira e escrita por Saulo Sisnando, a encantadora montagem musical faz uma associação entre as lindas canções românticas de Charles Aznavour e as histórias narradas pelos seus personagens
Quando se pensa em amor, algo etéreo, abstrato, indefinível, e quando se pensa no quanto a música pode bem traduzi-lo, torna-se inescapável associá-lo a um dos maiores intérpretes do cancioneiro romântico francês e mundial do século XX, Charles Aznavour. Como o amor permite muitas interpretações e óticas, sendo algo em sua essência mágico, o mesmo nos oferece a possiblidade de recriá-lo, inventá-lo, obedecendo à nossa farta imaginação. Idealizado por Sylvia Bandeira e escrito por Saulo Sisnando, o encantador espetáculo musical “Charles Aznavour – Um Romance Inventado” vale-se com distinta propriedade dessas premissas para se estruturar dramaturgicamente. A narrativa nos apresenta Isabel (Sylvia Bandeira), uma atriz que já teve seus momentos de glória e hoje convive sem melancolia com a solidão e as lembranças. Isabel recebe a visita de Heitor (Mauricio Baduh), um jornalista independente com personalidade retraída que deseja entrevistá-la, sobretudo com a finalidade de esmiuçar o romance que tivera com o grande “chansonnier”. Há entre eles algo em comum com relação a Aznavour. Heitor diz ser seu filho. A partir daí, ambos confidenciam um ao outro episódios de suas vidas que acabam por fortalecer o sentimento imperante nas canções extraordinariamente lindas do artista nascido em Paris.
Sylvia Bandeira e Mauricio Baduh brilham em cena ao dar voz aos clássicos do cantor e compositor francês na peça dirigida com notável êxito por Daniel Dias da Silva
O autor Saulo Sisnando costura com admirável fluidez toda a gama de ficções que perpassam a montagem, alcançando a vitória ao fisgar o público que de pronto simpatiza de modo irremediável pelo casal. Saulo inseriu em seu texto com muita fineza recortes de humor, garantindo surpresas ao final. O diretor Daniel Dias da Silva logrou com notável êxito a comunhão equilibrada entre a história e os sucessos cantados magnificamente pela dupla, sendo que estes ocupam lugares contextualizados, fato meritório. Sylvia Bandeira, atriz bela e talentosa, com sua voz marcante e sedutora, impõe-se naturalmente no palco, exibindo sua sintonia com a arte teatral. Ao cantar, transmite-nos com plenitude e potência as emoções contidas nas músicas do também compositor e ator. Mauricio Baduh faz uma composição bastante segura e sóbria, impressionando a plateia com seu vozeirão perfeito. Tanto Sylvia quanto Mauricio nos brindam com um francês impecável, além de duetos emocionantes. Estão presentes clássicos que ultrapassam gerações, como “La Bohème”, “She” e “Que Ces’t Triste Venise”. Liliane Secco, magistral na direção musical e arranjos, ainda nos oferta todo o seu brilho como musicista ao acompanhar ao piano o também brilhante violinista Ulisses Nogueira. Felício Mafra se encarrega de iluminar a peça com inspirada elegância, conferindo-lhe elementos suaves nas cores lilás, violeta, azul e vermelho. Felício em nenhum momento carrega nos tons, até mesmo os planos mais abertos e focos se sobressaem pela bonita e calculada sutileza. Gisele Batalha, responsável pelos cenário e figurinos, faz uma acertada escolha tanto em um quanto no outro. O cenário, que corresponde à casa de Isabel, um ambiente extremamente aconchegante, destaca-se pelo capricho e bom gosto com que foi imaginado, apostando as suas fichas no clássico, visto em móveis de madeira, abajures e chaise longue. Os figurinos atendem com coerência às situações vividas pelos personagens e aos seus perfis, logicamente, que vão do preto com brilho ao blaizer xadrez. Marluce Medeiros mostra vasta eficiência na direção de movimento, provada em instantes graciosos de dança do casal e na maneira como os dois se posicionam e se mexem, inclusive com a utilização eloquente dos braços, ao interpretarem as canções. “Charles Aznavour – Um Romance Inventado” é uma obra que exalta o amor, todas as formas de amor, reais e inventadas. Charles Aznavour certamente aprovaria.