
Rodrigo Simas, ator de grande sucesso na TV, aceita o convite de Ciro Barcelos para estrelar a arrebatadora e iconoclasta montagem que levanta questionamentos acerca da sexualidade do desafiador personagem criado por Shakespeare
Todo e qualquer ator ao redor do mundo já sonhou, sonha ou irá sonhar um dia encarnar Hamlet, o mais desafiador personagem criado pela mente fabulosa de William Shakespeare. Grande parte deles espera a maturidade para lhe dar vida. Não é o caso de Rodrigo Simas, que iniciou sua carreira nos palcos e construiu uma trajetória de indiscutível sucesso na TV. O artista, há cerca de dez anos, ouviu a proposta seminal de Ciro Barcelos (ator, coreógrafo e diretor) de personificar um Hamlet diferente de tudo aquilo que havia sido feito através dos tempos nos teatros e filmes planeta afora. A materialização desta ousadia, que faz questionamentos acerca de sua real sexualidade (afinal, ele amava Ofélia ou Horácio?), é vista hoje na arrebatadora e iconoclasta montagem “Prazer, Hamlet”, cujas adaptação e direção ficaram a cargo do próprio Ciro, que não dispensou quaisquer elementos que pudessem coroar com excelência a sua realização, a começar pela desconcertante e rica composição dos personagens de Rodrigo, surpreendente em todos os aspectos.
“Prazer, Hamlet” é uma virada de chave na carreira de Rodrigo Simas
O elaborado, crítico e muito bem escrito texto de Barcelos emaranha com enorme proficiência as falas contemporâneas do atormentado ator que se prepara em seus ensaios para enfrentar o Príncipe da Dinamarca (incluindo a presença de uma figura afetada e sarcástica, Hamlixo, que o perturba) e os diálogos cultos da peça clássica, datada dos séculos XVI e XVII. A costura entre as alternadas camadas da peça é feita com acurada ciência a fim de que sua compreensão seja alcançada junto ao público. A direção atinge elevados níveis de êxito ao apostar as suas fichas no múltiplo talento do intérprete, não permitindo que o ritmo narrativo se perca um minuto sequer. Rodrigo Simas nos impacta com sua sofisticada e estudada atuação, com alterações de voz, entre o grave e o agudo, admiráveis (ótima preparação vocal de Gláucia Verena), com direito a um potente número de canto, além de um trabalho corporal espetacular, para se dizer o mínimo. Rodrigo evidencia ainda robusta segurança ao conversar com a plateia antes de sua total imersão no universo da encenação. Cláudio Tovar concebe os figurinos (capas bordadas e com plumas, armadura, moletons e t-shirts) e adereços (coroa, chapéu) com valorosa exuberância barroca, havendo referências a “commedia dell’arte” e ao burlesco, observando-se também uma pegada rock ‘n’ roll e underground. O cenário de Ciro e Cláudio possui forte apelo visual, no qual se vê uma profusa mistura dos instrumentos do ator, como o seu camarim, e do personagem que se intenta fazer, como o trono real, contando também com uma imensa cortina de retalhos e diminutas luzes dependuradas espalhadas no centro da ribalta. A direção musical de André Perine nos conquista pela pujança dos riffs de uma guitarra, melodias que remetem à época medieval e batuques imponentes. O desenho de luz de Caetano Vilela é primoroso, servindo-se de spots suavemente amarelados, bonitos focos somente em Rodrigo, além da linda e eficiente utilização das já citadas pequenas luminárias que ornam o cenário. “Prazer, Hamlet” é um espetáculo solo questionador, provocativo, inteligente, afinado com o nosso tempo, um prazer teatral. O tal prazer teatral que virou a chave da carreira de Rodrigo Simas com tanto talento mostrado.