
/Foto: Guto Costa
Mateus Solano e Miguel Thiré retomam a bem-sucedida parceria vista no grande sucesso teatral “Selfie”, tendo dessa vez a companhia de um outro reconhecido talento, Isabel Teixeira
Entre 2014 e 2016, Mateus Solano e Miguel Thiré contracenaram em um grande sucesso teatral, a comédia “Selfie”, que jogava luz sobre os desafios enfrentados pela sociedade com as novas tecnologias. Passado tanto tempo, a talentosa dupla está de volta com a peça “O Figurante”, fechando a sua 5ª parceria artística, desta vez com Mateus sozinho no palco, debutando em monólogos, e Miguel na direção. Aliou-se a este par uma profissional com vultosa importância, a atriz, dramaturga e diretora Isabel Teixeira, que o ajudou na construção textual do espetáculo, utilizando-se de seu método “Escrita na Cena”, que consiste no fato do ator ser estimulado, durante exercícios de improvisação, a criar e recriar as suas próprias narrativas, tornando-se também um “autor” no processo do fazer teatral. A este método se juntou uma proposta de linguagem já adotada em “Selfie”, caracterizada pela valorização da essencialidade do intérprete, na qual são exploradas de modo produtivo todas as suas ferramentas vocais e corporais, tendo-se o mínimo possível de acessórios cênicos. O somatório dessas bem-vindas experiências resultou na tocante, divertida e melancólica jornada de Augusto, um homem perseguido pelas inclementes solidão e rotina contemporâneas, cujos únicos sonhos são ainda alimentados em seu trabalho como figurante de produções audiovisuais.
A peça faz uma denúncia sobre a banalização da invisibilidade do indivíduo usando como símbolo o personagem Augusto, vítima constante desse mal social
Augusto não é um figurante qualquer. A cada participação diária que lhe surge, uma espécie de sobrevida a sua existência vazia, não importando a função que irá exercer, um porteiro de escola, um garçom ou um sócio de uma empresa, Augusto se dedica à contextualização desse “personagem”, frustrando-se invariavelmente ao se dar conta de sua invisibilidade para os demais em um ambiente hostil, opressor e hierarquizado. Para os dramaturgos, o figurante é um símbolo eloquente da invisibilidade sistêmica e banalizada a que se atribui a tantos indivíduos, aos quais lhes é negada inclusive a sua identidade. A dramaturgia de Isabel, Mateus e Miguel, bem costurada, fluida, com tempos eficientemente definidos, conquista-nos de pronto pelo seu viés humanizado, suas evidentes intenções em imprimir leveza com pitadas de pura comédia a uma situação por si só melancólica, fazendo com que torçamos por esse ingênuo personagem jogado às feras do mundo real.
Há na performance de Mateus Solano uma sedutora e envolvente influência “clownesca”, circense, digna de gênios do cinema mudo, como Charles Chaplin
Miguel Thiré, tendo profundo conhecimento das extensas habilidades interpretativas de seu parceiro de longa data, extrai o seu melhor, seja no humor seja no drama, deixando-o inteiro em cena, ofertando-lhe liberdade e lhe permitindo uma ampla interlocução com a plateia. Miguel, comprovando o que defende, soube tratar com inteligência a nudez da ribalta, preenchendo lucidamente seus espaços, privilegiando, pela própria condição de Augusto, mais o seu fundo e as laterais, sem deixar, no entanto, de reconhecer o valor das marcações frontais em situações assaz específicas. Mateus Solano é um ator dotado dos mais exponenciais recursos artísticos, com impressionantes variações faciais e emissões distintas de seu aparelho vocal. O intérprete, extremamente íntimo do palco, tendo uma poderosa cumplicidade com os espectadores, não parecendo ser essa a sua primeira vez em monólogos, encarrega-se de representar com tintas diversas e convincentes os personagens criados na imaginação de Augusto. Como se não bastasse esse maravilhoso “tour de force” cênico, o artista brasiliense pré-gravou as falas dos tipos que fazem parte do universo audiovisual do figurante, como a diretora, a atriz/estrela, o ator principal e o fiscal de figurantes. Há na performance de Mateus uma sedutora e envolvente influência “clownesca”, circense, digna de gênios do cinema mudo, como Charles Chaplin, com a realização mímica de atividades cotidianas que conferem sobremaneira um caráter lúdico à obra. A direção de movimento de Toni Rodrigues é excepcional, brilhante, pois sua reconhecida capacidade em fazer com que os atores descubram os próprios corpos e se movimentem de modo compatível com a persona que vivem foi de encontro a um artista que possui robustas expressividades de sua máquina corporal. Dani Sanchez, responsável pelo desenho de luz, proporciona-nos um belo panorama visual em que prevalece uma suave iluminação de spots superiores mais próxima do tom amarelado, vendo-se também feixes laterais, leds e a incidência de matizes fortes, como o vermelho, o azul e o fúcsia. O desenho de som, a direção musical e a trilha original ficaram a cargo de João Thiré, mostrando-se bastante criativos ao transformar sons do cotidiano em compassos rítmicos. João também disponibilizou melodias (com teclados, bateria) e sonoridades urbanas que contribuem com notado êxito para a ambientação da história e dos conflitos do personagem. Carol Lobato, figurinista, optou com sabedoria pela praticidade e conveniência, ao vestir Mateus com um macacão/terno cor de chumbo que lhe possibilitou a vasta liberdade de movimentos exigida pelo seu papel. “O Figurante” é um espetáculo que, através de três grandes e generosos artistas, Mateus Solano, Isabel Teixeira e Miguel Thiré, consegue nos passar com imensa beleza a valiosa mensagem de que não devemos invisibilizar os Augustos do mundo.








