Combinemos num único cadinho vilania, homossexualismo, senso de humor afiado, ganância, frieza e carência afetiva. Agora faz-se necessário que se busque um ator ideal que abrace todos esses elementos “traiçoeiros” despudoradamente, transforme-os num personagem protagonista de uma novela das 21h da Rede Globo, e ainda assim consiga ser carismático. Não importa quem teve a ideia de escalar Mateus Solano. Se foi o autor Walcyr Carrasco. Se foi o diretor geral Mauro Mendonça Filho ou se foi o diretor de núcleo Wolf Maya. O que de fato nos interessa é que a escolha foi certeira. Difícil também é acreditar que o brasiliense com mais de 30 peças de teatro no currículo, que deu vida ao compositor Ronaldo Bôscoli em “Maysa – Quando Fala o Coração”, à vítima da ditadura militar Stuart Angel no programa “Linha Direta Justiça”, aos irmãos gêmeos Jorge e Miguel de “Viver a Vida” e ao Mundinho Falcão do “remake” de “Gabriela” não fizesse jus à incumbência que lhe foi oferecida. Mateus, um bonito intérprete e com porte fidalgo, logrou a proeza de fazer com que o público, dentro dos seus limites possíveis, simpatizasse com um dândi capaz de abandonar a sobrinha recém-nascida a quem alcunhou de “ratinha” numa caçamba de lixo. O ex-diretor administrativo do Hospital San Magno não é afeito a representações religiosas a ponto de usá-las como referências para criar os seus bordões em momentos de indignação: “Será que eu salguei a Santa Ceia?”; “Pelas contas do rosário…”; “Será que eu fiz confete dos pergaminhos do Mar Morto?”; e “Será que eu fiz um skate com as tábuas dos 10 Mandamentos?”. Ademais, não hesita em debochar do próximo com epítetos pejorativos ou deselegantes, como quando se referia à sua ex-secretária Simone (Vera Zimmermann) como “cadela”, ou a Valentin (Marcelo Schmidt) como “apache”, funcionário da lanchonete da casa de saúde, “velho gagá” no caso do Dr. Lutero (Ary Fontoura), ou sempre associar o advogado Dr. Rafael (Rainer Cadete) a uma criança ou adolescente. De outra forma, dirige-se com suposto carinho à mãe Pilar (Susana Vieira) chamando-a de “mamy poderosa” e ao pai César (Antonio Fagundes) de “papi soberano”, culminando com o “meu doce” dedicado a quem mais odeia, a irmã Paloma (Paolla Oliveira). Não podemos nos esquecer de Anjinho (Lucas Malvacini), o seu amante. Félix coleciona diversificada galeria de absurdos cometidos em “Amor à Vida”: trata o “filho” Jonathan (Thalles Cabral) com desprezo e violência (já trancou o rebento no armário e destruiu o seu skate, além de obrigá-lo a ser médico e não arquiteto); traiu Edith (Bárbara Paz) com outro homem; superfaturou os contratos dos fornecedores do hospital; deu um golpe financeiro em Amarilys (Danielle Winits); destruiu as carreiras de Lutero e Atílio (Luis Mello), e vida pessoal deste, levando-o à prisão, à base de chantagens; despediu uma técnica de enfermagem, Inaiá (Raquel Villar), logo depois readmitida, após ela ter se relacionado com o seu “objeto de desejo” Dr. Jacques (Julio Rocha); aliou-se à pérfida Dra. Glauce (Leona Cavalli) a fim de fraudar o exame de DNA que comprovaria a maternidade legítima de Paloma no tocante a Paulinha (Klara Castanho); e recentemente engendrou com Ninho (Juliano Cazarré) e Alejandra (Maria Maya) o sequestro da sobrinha e da enfermeira Ciça (Neusa Maria Faro). No decorrer dos capítulos, houve uma breve tentativa de humanização do personagem, que se dera quando a sua homossexualidade fora “revelada” perante a família inteira durante um jantar pela furiosa mulher traída. O alto rapaz que usa ternos, sapatos e gravatas de grife e adora sushis e sashimis, mantendo os cabelos negros sempre muito bem penteados pode até ter sensibilizado os telespectadores por alguns instantes, porém a sua insistência em prosseguir nas iniquidades para alcançar o que deseja “pulverizou” a “compaixão” daqueles. A opção de Mateus (autor e diretores) por um comportamento afetado (uma opção arriscadíssima) e divertido pode ter causado a princípio uma estranheza no público telespectador, no entanto com o desenrolar da história nos acostumamos com os gestos espalhafatosos, suas “mãos nervosas”, seu leve pentear da sobrancelha com o dedo mindinho, seu andar semelhante a um “pavão”, e voz bela e grave entoada com frequente ironia. Mateus Solano, sem quaisquer sombras de dúvida, compreendeu a árdua tarefa de vivenciar este papel, e de modo algum a sua atuação recrudesceu a discriminação, homofobia e preconceito brasileiros. O que já é um ganho para a novela e o ator. Mateus antes de brilhar como o compositor da bossa nova em “Maysa – Quando Fala o Coração”, já havia participado de outros folhetins, seriados e minisséries, como “Um Só Coração” e “JK”. Iniciou sua bem-sucedida parceria com Walcyr Carrasco em “Morde & Assopra”, como Ícaro (seguindo com “Gabriela”). Formado em Artes Cênicas pela Universidade São Judas Tadeu, estudado na escola “O Tablado”, o primo de Juliana Carneiro da Cunha, por intermédio desta, que é membro permanente, estagiou na consagrada companhia francesa de Ariane Mnouchkine “Théâtre du Soleil”. Há incursão na web com a série “Mateus, o Balconista”. Já nas salas escuras de projeção, pudemos conferir todo o seu potencial em longas-metragens como “Linha de Passe”, “Vida de Balconista” e “Novela das 8”. Em 2013, juntam-se à sua filmografia “Confia em Mim” e “O Menino do Espelho”. Como os gêmeos de “Viver a Vida”, de Manoel Carlos”, recebeu várias láureas, e indicações por outros trabalhos. Casado com a atriz, dramaturga e produtora Paula Braun (que fez grande sucesso no filme de Heitor Dhalia, “O Cheiro do Ralo” e está em “Amor à Vida” como a Dra. Rebeca), Mateus encerrou recentemente a temporada de “Do Tamanho do Mundo”, de autoria da própria Paula com direção de Jefferson Miranda no Rio de Janeiro. Ainda na ribalta, dividiu a cena com Wagner Moura em “Hamlet” e encenou “2 pra Viagem” e “O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo”. Chegamos à conclusão de que Mateus Solano consagra-se como o engenhoso, vil e engraçado Félix do horário nobre. Entretanto, quantos skates o filho de César ainda quebrará e quantas crianças recém-nascidas jogará em caçambas malcheirosas de lixo? Quem sabe no dia em que parar de “salgar a Santa Ceia”.
Categoria: TV
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O voo rasante e lépido de imponente gavião deixa rastros no céu sobre exuberantes paisagens. O bater de asas com interregnos de placidez simbolizam o estado etéreo da liberdade, que norteará a nova novela das 23h da Rede Globo inspirada na obra de Dias Gomes, “Saramandaia”, escrita por Ricardo Linhares e dirigida por Denise Saraceni e Fabrício Mamberti (Direção de Núcleo de Denise Saraceni). O folhetim original foi ao ar na mesma emissora no ano de 1976, e se tornou um marco da teledramaturgia brasileira. Já nos primeiros capítulos percebemos a transposição para os tempos atuais de reinventada contextualização da história sem que haja esbarros no anacronismo, preservando a essência do precípuo objetivo do autor pioneiro. Tópicos centrais servirão de suporte para propagação de diretrizes desencadeadoras da trama, como a política e seus extravios, a ética, a defesa de direitos dos cidadãos (fato que se coaduna com os recentes acontecimentos no País), preconceito, rixas entre tradicionais famílias e amores mal resolvidos. Todavia, elemento importante que se diferenciou na produção em pauta nos idos do século passado, e que permanece no “remake” é a exploração ampla do movimento Surrealismo, fonte do Realismo Mágico ou Fantástico. Dias “bebeu na fonte” de André Breton, Salvador Dalí, Luis Buñuel e Gabriel García Marquez, tendo “experimentado” essa escola em outra de suas realizações, “O Bem-Amado” (1973), a primeira telenovela exibida a cores no Brasil. A inserção do mencionado movimento absorvido pelas linguagens literárias, pictóricas e cinematográficas se personificou no papel de Milton Gonçalves, o pescador Zelão, que mantinha como sonho renitente “voar com as próprias asas”, logrando êxito no desfecho. Na presente “Saramandaia”, deparamo-nos logo de início com miríade de galinhas que se pulverizam sob as ordens de Candinha (Fernanda Montenegro). As formigas ordeiras e impertinentes que habitam as narinas de Zico Rosado (José Mayer), e que decidem ver a luz do sol a partir do enraivecimento do oligarca. O coração de Cazuza (Marcos Palmeira) que insiste em infringir as “leis do organismo” ao levar ao pé da letra o dito popular “o coração saiu pela boca”. Sua morte e posterior ressurreição. A obesidade mórbida e gula desenfreada de Dona Redonda (Vera Holtz) que faz estremecer pisos e pisantes com sua “espaçosa” locomoção (a caracterização de Vera que demanda horas é um dos méritos a se destacar). As previsões de João Gibão (Sergio Guizé; a despeito de trabalhos anteriores uma boa revelação), que não se conforma com a situação de carregar corcunda junto a asas que invariavelmente são aparadas por sua mãe Leocádia (Renata Sorrah). Por sinal, houve poética e desconcertante cena atinente a esta costumeira ação. O “serviço metereológico” que acompanha Seu Encolheu (Matheus Nachtergaele), quando este sente sinais em seus ossos. As quentura e ardência que perpassam o corpo da bela Marcina (a recifense Chandelly Braz, ótima descoberta de “Clandestinos – O Sonho Começou”), que se evidenciaram ao encostar sua pele com a pele do prefeito Lua Viana (Fernando Belo em bela estreia). As manifestações e protestos magistralmente dirigidos em cena de exuberância visual, utilizando-se do recurso “slow motion”, e que de forma sutil tangenciou ambiência teatral/circense com suas profusões de fumaças coloridas dispersas em “guerra idílica” protagonizadas por Pedro, interpretado por Andre Bankoff, um ator que desperta a nossa atenção não somente pela sua inefável beleza mas também por talento e intensidade dramática indiscutíveis, além de possuir canora voz em que se ouve cada palavra dita com intuito calculado, e Zélia (Leandra Leal). Tarcísio Meira com entoação marcante e pausada em aliança com expressividade ímpar representou o “enraizado” Tibério com o brilhantismo de sempre. A chegada de Lilia Cabral (Vitória Vilar) já insinua excelência no porvir dos momentos conflituosos de que fará parte. Gabriel Braga Nunes entendeu com lógica o perfil sombrio, misterioso, lúgubre e sedutor do Professor Aristóbulo, que de quinta para a sexta-feira se transmuta em lobisomem. As imagens panorâmicas aéreas, a direção de arte, os figurinos, a fotografia e maquiagem mostraram valor. A abertura é inebriante com seus desenhos figurativos e surrealistas, e de certa forma com alusão a Botero ao retratar Dona Redonda. A trilha sonora apresentou o clássico “Pavão Misterioso”, de Ednardo, e Ney Matogrosso. Os diálogos foram construídos por Ricardo Linhares com vocábulos eruditos e neologismos que em muito lembram os antológicos discursos de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo em “O Bem-Amado”). Houve ainda as luxuosas aparições de Ana Beatriz Nogueira, Débora Bloch e Ilva Niño. “Saramandaia” contém ingredientes para receita de sucesso infalível com o propósito de manter os olhos do público bem abertos às 23h, e fazê-lo dormir após o seu término “sonhando” sonhos mágicos e fantásticos, e depois acordar para realidade que também aspira ser mágica sob as bênçãos de Santo Dias.
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Ao assistir tardiamente à interpretação de Igor Cotrim como o travesti Madona no filme de Marcelo Laffitte, “Elvis & Madona”, ao lado de Simone Spoladore como Elvis, apercebi-me de que pouquíssimas vezes testemunhei atuação tão sutil e humanizada de homem que se traveste. Sem qualquer demérito a Cotrim, muito pelo contrário, algo similar às antológicas personificações de Dustin Hoffman em “Tootsie”, de Sydney Pollack, Terence Stamp em “Priscilla, A Rainha do Deserto”, de Stephan Elliot e Robin Williams em “Uma Babá Quase Perfeita”, de Chris Columbus. O paulista Igor, que além de intérprete é dramaturgo e poeta (já lançou o livro “Ali como Lá!”; e junto com Pedro Poeta faz shows frequentes com a banda Beep-Polares, nos quais poesia e rock’n roll se dão as mãos), vivencia no longa de Laffitte Madona, como já foi dito um travesti com sensibilidade única que nutre como maior sonho montar grande espetáculo. Nas eventualidades da existência encontra a “motogirl” Elvis, a lésbica personagem defendida com brilho por Simone (assim como Igor). Na primeira entrega de pizza a Madona (a tal pizza de palmito gigante que serve de inspiração para o título deste texto), visível empatia mútua ocorre. A seguir, a direção segura de Marcelo aliada ao seu inventivo roteiro, o na minha opinião não improvável casal da trama se envolve em problemas e intempéries que não escapam ao cotidiano de um par “normal”. É imperativo que não se omita que o mercado exibidor brasileiro não rendeu o devido crédito à filme premiadíssimo em festivais de cinema mundo afora. No tocante à seleção de profissionais para o “cast” há peculiaridade: Igor Cotrim disputou a chance de ser Madona com travestis reais. O rapaz formado pela EAD (Escola de Artes Dramáticas da USP) iniciou sua carreira na atração infanto-juvenil “Sandy & Junior”, na Rede Globo, em que fora o “bad boy” Boca no decorrer das quatro temporadas. O papel lhe serviu para que solidificasse seu poder de interpretação perante o cenário nacional. Vieram-lhe oportunidades como incursões em novela de Manoel Carlos, “Mulheres Apaixonadas” e “Chamas da Vida”, da Rede Record, cuja autoria coube a Cristianne Fridman. Curiosamente, “Sandy & Junior” não foi isolada experiência com o público em fase de adolescência. A Rede Bandeirantes o convidou para integrar o elenco de “Floribella”. Já no teatro, bastaram três relevantes peças para que o palco lhe devotasse respeito: “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de José Saramago; “O Casamento”, de Nelson Rodrigues; e “A Cozinha”, de Arnold Wesker. Possui ainda porção filantrópica ao ter criado ONG, a “Voluntários da Pátria”, destinada a inserir poesia nas escolas com o intento de causar benéfica provocação nos alunos a fim de que construam apreço pessoal por rico gênero da Literatura. No momento, Igor empresta seu valor a dadivosa missão: ser repórter da “Revista do Cinema Brasileiro” na TV Brasil, acompanhando Natália Lage (não sendo o primeiro passo neste campo, haja vista que exercera ofício semelhante no Discovery Channel, em que cobrira o Fórum Mundial de Cultura em Barcelona, Espanha). Costumo em pensamento lhe atribuir o carinhoso aposto “o rei dos trocadilhos”, motivado pelo que escreve em sua página oficial no Facebook, seja na forma de poemas seja em frases de lavra própria. Acredito que se a “Revista do Cinema Brasileiro” tomar por decisão abordagem sobre “Elvis & Madona” se fariam necessárias no mínimo três edições, dada a significância da obra. Teríamos que pedir várias pizzas de palmito gigante a Elvis.
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Vida. Amor. Amor à vida. Walcyr Carrasco, o autor da nova novela das 21h da Rede Globo, “Amor à Vida”, dirigida por Mauro Mendonça Filho (direção de núcleo Wolf Maya), escolheu este título não à toa. O amor e a vida em todas as suas nuanças serão abordados na história que já no primeiro capítulo deu sinais de que não faltarão espaços para que se esmiúce temas que nos são tão caros. Tudo começa em 2001, na cidade sagrada inca Machu Picchu, no Peru, na qual Paloma (Paolla Oliveira) foi com a família, o pai César (Antonio Fagundes), a mãe Pilar (Suzana Vieira), o irmão Félix (Mateus Solano), e a cunhada Edith (Bárbara Paz) comemorar o fato de ter passado para a faculdade de Medicina, ciência que está entranhada em seu clã. Ficou-nos evidente de que mãe não gosta da filha. De que irmão não gosta da irmã. Desamor. Desamor à vida. Félix quer poder. Félix, em composição com toques efeminados propositalmente feita por Mateus para desde logo insinuar ao público a bissexualidade camuflada. César gosta da filha, o que gera ciúme e revolta no rapaz que preferia estar em Nova York, não no país andino. Paloma ama a vida. É sonhadora. Descobriu ser adotada. Desnorteou-se. Encontrou norte em brasileiro aventureiro, Ninho (Juliano Cazarré). Paixão fulminante. O louro com os “dreads”. Filha. A personagem de Paolla não sabe que opção tomar: ter vida comum ou vida incomum. Ninho lhe prometeu o mundo. Ninho não cumpriu. Deu-lhe decepção. A gravidez foi “fashion”. Feto apertado para não ser revelado. O homem de Machu Picchu é preso. Incorreu em crime. Separação. Félix arma sórdido jogo. Dinheiro, corrupção e traição. Tão pouco amor à vida. Ninho é liberto. Gravidez descoberta. O pai é internado. O plano deu errado. Paloma reencontra Ninho. Vão à bar. Há jogo de sinuca. Paloma entrou em sinuca de bico. Assim é se não lhe parece. Desculpe-me Pirandello. O jovem de barba negra escapuliu cheirando à álcool. Bolsa estoura. Filha nasce em banheiro sujo por mãos de estranha, Márcia (Elizabeth Savalla). Sofre hemorragia. O irmão a encontra, e leva a sobrinha que chama de ratinha. Enquanto isso, Bruno (Malvino Salvador) será papai. E Luana (Gabriela Duarte), mamãe. Gestação de risco. Parto de risco. Mamãe Luana morre. Seu filhinho morre. Bruno morre por dentro. Onde está a vida em “Amor à Vida”? No mesmo carro, a imundície do vilão Félix se imiscui com a pureza de criança roubada. Esta nos dá esperança. Bruno deixa escorrer por rosto próprio lágrimas de amor duplo perdido. Seu pranto é ouvido. Rosto contorcido. Bruno contraria a banda The Cure, “boys cry!”. Desenhos na abertura mostram balé de lápis. O lápis de Ryan Woodward. Casal que vira pássaro. O mesmo pássaro que sobrevoou Machu Picchu. As paisagens sagradas foram exploradas com beleza sagrada. Índios, fogo, poncho, vidência. A ambiência de “Amor à Vida”. A bebê em caçamba de lixo é jogada. Já vimos este filme. Basta abrir o jornal. Ódio à vida. E Félix tem ódio à vida. Em rua nua e crua de São Paulo vaga errático um Bruno de choro enfático. Seu choro cala diante de infante choro. O pai sem filho acha filha sem pai. Deus lhe deu segunda chance. Walcyr Carrasco deu chance à vida em “Amor à Vida”.
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Comparo Adriano Garib a um lutador, não ao lutador de Mickey Rourke em “O Lutador” nem tampouco ao de Christian Bale em “O Vencedor”. Adriano ao aceitar gigantesco desafio de personificar Russo, o chefe de segurança da quadrilha internacional de tráfico humano na novela de Gloria Perez na Rede Globo, “Salve Jorge”, tomou para si arriscada incumbência de ser um dos porta-vozes do núcleo mais polêmico da trama. Comparo-o portanto a um lutador, visto que entrara em ringue devidamente preparado (levando-se em conta a prolífica e bem-sucedida carreira que possui) pronto para pôr luvas e jogar-se em embate sem temores ou pudores contra os potencialmente inexpugnáveis rivais: público e crítica. Adriano construiu com habilidade e tato o seu império da vilania. Seus objetivos e os da autora foram alcançados em certeiro alvo. O artista usou goiva para esculpir papel de intricadíssimo delineamento, passível de ser mal compreendido e sujeito a inevitáveis clichês e estereótipos. Porém, o ator paulista de Gália que também é compositor (tendo participado como vocalista da banda Karadrás) e jornalista formado pela UEL (Universidade Estadual de Londrina; foi repórter da TV Tropical, que corresponde hoje a CNT Londrina) não deixou-se cair em armadilhas. Soube desviar-se de cada ardil, bote, emboscada que um personagem como Russo poderia proporcionar-lhe. Russo é verdade entrou para a galeria fechada dos grandes vilões da TV. Todavia, o subordinado de Lívia Marini (Claudia Raia) deixou escapulir que não é de todo blindado. Esta outra porção foi-nos mostrada ao sentir desejo por Lohana (Thammy Miranda) e dedicar profundo afeto pelo gato Yuri. O intérprete que iniciou sua escalada rumo ao sucesso em Bauru, SP, e que integrou o elenco de importantes longas-metragens como “Meu Nome Não É Johnny”, “Tropa de Elite 2” e “Novela das 8” utilizou-se de seus recursos corporais e emocionais a fim de que acreditássemos nas maldades perpetradas sem miragens de perdão do membro do grupo criminoso. A voz pausada com meticulosa separação das palavras, o poder do alto som da voz quando repreendia as traficadas, os olhares semicerrados, os lábios apertados, os meios sorrisos… Um conjunto proveitoso de ferramentas adequadamente manuseadas. A TV nunca foi estranha a Adriano Garib. Novelas, minisséries, seriados e especial agarram-se ao seu currículo. Dentre os folhetins, “Salsa e Merengue” (sua estreia), “A Lua Me Disse” (repete a parceria com Miguel Falabella), “O Profeta” (reprisado no “Vale a Pena Ver de Novo”), duas temporadas de “Malhação”, “Duas Caras”, “Paraíso Tropical”, “Pé na Jaca”, “Caminho das Índias”, “Caras & Bocas”, “Passione”, “Cama de Gato”, “Insensato Coração”, e na Rede Record “Vidas em Jogo”. Seriados como “Brava Gente” e “Casos e Acasos”. Minisséries como “Chiquinha Gonzaga”, “A Casa das Sete Mulheres”, “JK” e “Maysa – Quando Fala o Coração”. E o especial “O Natal do Menino Imperador”. O artista deu seus primeiros passos na década de 80. Uniu-se aos pares de ofício e montou peças com o Grupo Delta de Teatro. Ademais, dividiu experiências com o renomado diretor teatral Paulo de Moraes e sua Armazém Companhia de Teatro. Shakespeare esteve em sua vida em espetáculos como “Antônio e Cleóprata”, “A Tempestade” e “Rei Lear”. Quanto a “Péricles – Príncipe de Tiro” sua autoria é atribuída em parte ao bardo inglês. Houve espaço para Nelson Rodrigues ao encenar “Toda Nudez Será Castigada”. Não esqueci-me de “O Mundo dos Esquecidos”. A novela “Salve Jorge” hoje chega ao fim. Contudo nos confins de nossos inconscientes permanecerá sem “fade out” a imagem de uma grande interpretação resultado do talento sem inibição de Adriano Garib. Afinal, Adriano é ator que não se inibe.
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Os cariocas aplaudem o pôr-do-sol em Ipanema. Mas será que palmas estas não homenageiam o Vidigal, lá pelas paragens da Niemeyer sob os olhares severos dos Dois Irmãos? Porque não há quem desminta que no Vidigal uma tal de Arte lá se fez senhora em boa hora. Há palco. Há Guti Fraga. Guti que reuniu gente do bem. Gente que quer ser artista. Sonhadores aprendizes da senhora. Mostraram ao Brasil e ao mundo que a comunidade pode dar arte. Surgiu o “Nós do Morro”. Roberta Rodrigues é “nós”. Thiago Martins é “nós”. Mary Sheila é “nós”. Jonathan Haagensen é “nós”. E seu irmão Phellipe, também. Marcelo Mello Jr. é “nós”. Douglas Silva é “nós” e Leandro Firmino é “nós”. “É nós, ‘mermão’”! Somos todos “nós do morro”. Nós do asfalto, nós do asfalto e do morro. Todo mundo tem um Vidigal dentro de si. Sim! Somos todos iguais. “Tamo junto!”. Os aprendizes em suas raízes se fizeram artistas. Roberta Rodrigues é um dos exemplos. A popularíssima Maria Vanúbia de “Salve Jorge”, novela de Gloria Perez, exibida pela Rede Globo que está em reta final é prova das dedicação, disciplina e força de vontade da atriz em mostrar o que Deus lhe deu na “Cidade de Deus”. E na “Cidade dos Homens”. Apaixonou-se pelo “admirável mundo novo”, não o de Aldous Huxley, mas o de Manoel Carlos, quando de sua estreia em folhetins (“Mulheres Apaixonadas”). Na produção atual, consagrou-se com memoráveis bordões de inspiração única: “Sou Maria Vanúbia, não sou bagunça não”, “Quem gosta de pescoço é gravata”, “Pi Pi Pi Pi Pi Pi Pi, olha o recalque chegando!”, afora as alcunhas “Delzuitzzz” e “Percoço”, dentre tantos outros bem-humorados. Em capítulo recente, Roberta teve preciosa chance de exibir densidade de alto teor dramático ao se ver vítima do tráfico humano. Só que se esqueceram de que Maria Vanúbia “não é bagunça não”, e por não ser “bagunça” deu “sacode” em Wanda (Totia Meirelles). Ela sempre quis ser internacional. Preocupe-se não, Maria. “Salve Jorge” será vendida para os cinco continentes. Seus biquínis sensuais e megahair da cor do sol farão sucesso no estrangeiro. A moça de viseira que bronzeia-se na laje não é somente o que falam dela. Se é esnobe, provocativa, já demonstrou ser sensível também. Por baixo de Maria Vanúbia existe Roberta Rodrigues. Roberta que canta e encanta no grupo musical Melanina Carioca, com os seus amigos do Vidigal. Olha o Vidigal criando arte de novo. Na primeira versão de “Cabocla”, Nelson Gonçalves entoava: “Cabocla, seu olhar está me dizendo…”. No remake, Roberta soube o que dizer. Da mesma forma que soube dizer aos “Filhos do Carnaval”, sucesso da HBO. A intérprete é legitimamente tropical. Não poderia então ficar de fora de “Paraíso Tropical”. Após bater papo com as “Três Irmãs”, saiu do Vidigal e deu um pulo em Copacabana, e não se iludiu com “A Iludida de Copacabana”, episódio de “As Cariocas”. “Copacabana não me engana”. O coração “vale tudo” de Gilberto Braga não é insensato. E o papel de Fabíola fora dado à profissional em “Insensato Coração”. A personagem Dirce é “de menor”. Porém, Roberta Rodrigues é “de maior”. E daí? Ambas são brasileiras. Conexão Vidigal-Amazonas na história “A De Menor do Amazonas”, de “As Brasileiras”. Se bom filho à casa torna, a filha tornou. E bastante filmes saborearam a sua presença, sejam longas-metragens, sejam curta e documentário. Entre eles, estão: “Garrincha – Estrela Solitária”, “Noel – Poeta da Vila”, “Mulheres do Brasil” e “5 X Favela: Agora por nós mesmos” (apresentado no Festival de Cannes; indicação de melhor atriz para Roberta concedida pelo Grande Prêmio Brasileiro de Cinema). Não se enrolou em “Desenrola”. Quis fazer brinde em “Vamos Fazer Um Brinde”, e 10 anos depois como ela mesma esteve em “Cidade de Deus – 10 Anos Depois”. Onde tudo começou. Entretanto para o público e Roberta não terminou. Há o que vier pela frente. Roberta Rodrigues foi aprendiz, hoje é querida atriz e não torce o nariz para os que ovacionam-na. Maria Vanúbia não é bagunça. Tampouco Roberta. Roberta é mulher e artista séria.
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Sheila é meiga. Sheila é doce, sonhadora. Moça bonita que sobe e desce ladeiras, pega carona em garupa de moto e é verdadeira. A personagem de Lucy Ramos na novela de Gloria Perez, “Salve Jorge”, contribuiu de modo enobrecedor no sentido de alvejar o cerne da percepção avaliadora dos telespectadores. Lucy é boa atriz. Não porque ouvi: “É o que se diz.” Tenho provas que sublinham a máxima anterior a esta. No Direito, o ônus da prova cabe a quem acusa. Nas Artes, o ônus da prova cabe a quem atua. E Lucy Ramos saiu-se Defensora de primeira. Foi-lhe atribuída no folhetim das 21h a indispensável tarefa de no núcleo que acendeu acalorada discussão pintar fortes cores de credibilidade. As cenas que tivera abarcando o árido tema “tráfico humano” serviram para o desenvolvimento coerente da trama. Emprestou seus olhos ao susto e aos medo, aflição e angústia. Agradáveis às pupilas nossas foram os momentos que Lucy sorriu. Que Lucy dançou. Morena (Nanda Costa) confiou nela. Eu confiaria. Colaborou para que o público lavasse a alma dando oportunidade a Lucimar (Dira Paes) que esquentasse mão em rosto traidor de Wanda (Totia Meirelles). Não aceitem má interpretação, pois é ficção. Proferem que “tapinhas de amor não doem”, contudo “tapinhas de ódio” doem… E como doem. Que o diga Wanda. Que se arrebenta e não se emenda. A recifense Lucy Ramos fora peça-chave na elucidação e desbaratamento da quadrilha que assombrou o Brasil. A linda morena que não é a única “Morena” de “Salve Jorge” nos deu beijo de talento. Artista cumpridora de missão. Como libriana que é busca incansavelmente o equilíbrio da balança da vida e da profissão. A balança não se mexe. Sinal de equilíbrio. A também modelo iniciou carreira em fase que nos atordoa: a adolescência. Afinal quem dispensaria formoso rosto? Os deslumbrantes cabelos parecem moldura de valioso quadro renascentista do Louvre. E não é que a pelota se aproximou de seu delgado pé ao desejar ser jogadora de futebol? Lucy, você já marca seus gols. Os goleiros lhe temem. Aprendeu (ou só fez desabrochar) a capacidade de atuação no curso de teatro do SENAC. Estacionou seu carro na “Oficina de Atores” da Rede Globo. De lá, saiu tinindo, e disposta a brilhar. Matriculou-se em academia de “Malhação”. Suou, pegou peso, e a mesma toalha que usou para enxugar face própria, guardou em mochila, porquanto havia compromisso agendado: viajar no tempo e ser uma das moças de “Sinhá Moça”. Com esforço de atleta subiu em árvore, e saciando o apetite saboreou fruta de gosto peculiar, a jaca, em “Pé na Jaca”. Tão prazeroso conhecer o paraíso, e Lucy o conheceu em “Paraíso”. Deram-lhe cordel para ler. E o encantamento da sua leitura não nos decepcionou em “Cordel Encantado”. Ela, como já afirmei é do Recife. Recife é da terra de Cabral. Nada mais justo que sambar no episódio “A Sambista da BR-116” em “As Brasileiras”. Lucy surgiu em dimensões gigantescas ao ser vista em filmes como “Turistas”, “Um Dia de Ontem” e “Inocente”. Os paulistas comentaram: – A “mina” Lucy Ramos vai fazer Marina… da Silva. A atriz está em céu de diamantes porque é diamante. Nem precisa ser lapidado. Está pronto. Pronto para ser admirado.
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Foto: Jorge Rodrigues Jorge/Carta Z Notícias/TV PressO personagem de Antonio Calloni, Mustafa, em “Salve Jorge”, novela das 21h da Rede Globo escrita por Gloria Perez, como o rico comerciante turco de suntuosos tapetes que é, seguindo à risca as antigas tradições de seu país, costuma dizer aos seus interlocutores que deve-se servir em loja chá bem quente aos fregueses para que possam permanecer largo tempo no estabelecimento, e comprar mais tapeçarias. Quando vejo Mustafa, uma das melhores criações da autora para a produção atual, lembro-me de papel defendido por José Wilker na primeira fase de “Renascer”, em que usava como bordão: “É justo, é muito justo, é justíssimo.” Pois desta forma contextualizo a personalidade do pai adotivo (e nem por isso menos pai) de Aisha (Dani Moreno) na trama das 21h da Rede Globo que está chegando ao fim. Um homem justo, muito justo, justíssimo. Em vários momentos do folhetim, o ex-marido de Berna (Zezé Polessa) revelou esta nobre faceta, que impinge dignidade e honradez à enredo que discute questões de dura aceitação pela sociedade civil. No tocante à busca infatigável da amiga de Zoe (Julia Mendes) por suas raízes biológicas, sempre apoiou-a, por mais que de algum modo isto machucasse-o. Contudo quem justo é sobrepuja dor pessoal. Hoje move moinhos de vento para estreitar a relação afetiva de quem com tanto amor criara e a família legítima. Está ao largo do preconceito socioeconomico. A riqueza material não obscurece a riqueza da alma. Ao deparar-se com situação degradante em que encontrava-se Morena (Nanda Costa), vítima do tráfico humano, foi capaz de “comprá-la” para que pudesse escapar do calvário. Alimentou-a, deu-lhe roupas e guarida. Alguns poderiam argumentar que o que cometera fora errado. Entretanto, o que é o errado diante da multiplicação deste? Quando o assunto é Berna, a configuração analítica é complicada. A prima de Deborah (Antonia Frering) engendrou repertório de crimes, abusando de mentiras, omissões, furtos, e cedendo a chantagens para acobertá-los. O casamento de anos com a elegante esposa não demoveu-o de pôr em prática sua sede de justiça. Berna sofrera forte repreensão e colocada contra a parede todas as vezes em que suas práticas penais eram desveladas pelo marido. Antonio Calloni é daqueles intérpretes que dão credibilidade e prestígio a quaisquer produções para as quais é escalado, e em “Salve Jorge” não está sendo diferente. Quantas vezes não percebemos seus faiscantes olhos azuis marejados de lágrimas com real emoção? Privilegiados são os artistas que com ele dividem a cena. Antonio estreou com garbo na minissérie de Gilberto Braga, “Anos Dourados”, com o seu inesquecível Claudionor. E a partir daí, em desenfreada evolução, Calloni, que também é respeitado escritor e poeta, construiu sólida carreira pontuada por personagens indiscutivelmente marcantes. Dentre tantas novelas de que participou, destaquemos o William de “O Dono do Mundo”, o cineasta Milton Dumont de “Zazá”, o mitológico Bartolo de “Terra Nostra”, o Mohamed de “O Clone” (inicia-se aí frutífera parceria com Gloria Perez), o divertido César de “Caminho das Índias”, e o romântico e severo contraventor Natalino de “O Astro”. Um elemento objeto de interesse em sua jornada artística é o fato de ter personificado, não raro com verossimilhança, papéis históricos, como o abolicionista Lopes Trovão de “Chiquinha Gonzaga”, o pioneiro das telecomunicações Assis Chateaubriand em “Um Só Coração”, o poeta modernista Augusto Frederico Schmidt, afora o médium Zé Arigó. Sobressaiu-se em diversos episódios de “A Vida Como Ela É”. Emprestou potencial à adaptação de obra de Machado de Assis em “O Alienista”, na “Terça Nobre”. Não faltaram-lhe humorísticos, seriados, infantil e especiais. Testemunhamos seu alvo rosto em minisséries relevantes como “Decadência”, “Os Maias” e “Amazônia – De Galvez a Chico Mendes”. Seguiu a orientação de cineastas em filmes como “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil”, “Outras Estórias”, “A Paixão de Jacobina”, “Poeta das Sete Faces”, “Anjos do Sol” (com o qual recebeu o prêmio ACIE – Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil) e “Faroeste Caboclo”. Dublou Garfield. Retomando o tema láureas, fora agraciado com o Molière pelo Karl Marx do espetáculo “A Secreta Obscenidade de Cada Dia de Marco Antonio de la Parra”. E como autor revelação presentearam-no com o Prêmio Jorge de Lima pelo livro de poemas “Infantes de Dezembro”. Entre coxias, urdimentos e proscênios desbravou terrenos de Tchekhov, Jorge Amado, Sam Shepard, Harold Pinter, Tom Stoppard, Eugene O’Neil e Milan Kundera. Antonio Calloni é generoso e magnânimo com o público e as Artes, deixando por onde quer que passe marcas, vestígios e impressões de sua fonte inesgotável de talento nato. São por esses motivos que sugeri-lhes que sirvamos um chá bem quente a Antonio Calloni a fim de que fique mais tempo com a gente. Nem precisa ser o chá das 5, pode ser o das 18, 19, 21 ou 23h.
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Foto: Sergio Santoian para a Revista MENSCHCom passos largos e confiantes, proveio de cidade de nome Curitiba, lá pelos torrões do Sul do Brasil, jovem artista de braços dados com a Dona Arte. Eles não se desgrudavam. O “peregrino” é músico, compositor, arranjador, sonoplasta, diretor musical e… ator! Soltou branda voz em melodias de lavra própria por palcos com almas distintas. Caíram sobre suas merecidas mãos muitos prêmios. Nenhuma das múltiplas facetas que possui foi preterida. Deixou marcas dos pés pelos tablados da vida, em peças como “Os Leões”, “Agora é que são elas”, “O Processo”, “Pluft, o Fantasminha”, “A Bruxinha Que Era Boa”, e “Bolacha Maria: um punhado de neve que sobrou da tempestade”. Na tela mágica do cinema, frequentou os sets de filmes como “Corpos Celestes”, “Cilada.com” e “Novela das Oito”. E vem por aí “Super Crô – O Filme”. Dedilhou cordas de violão, cantou, juntou palavras esparsas em coesão. Nasceu música. E de bandas participou: Maquinaíma e Denorex 80. É fato que esteve de fato no grupo Fato. Lançou disco de relevância: “Vendo Amor Em Suas Mais Variadas Formas, Tamanhos e Posições”. Ouviu o chamado da televisão, a “grande fábrica dos sonhos”. Deram-lhe personagem doce. Vanderlei era tão doce que se tornou o favorito de Catarina (Lilia Cabral) em “A Favorita”, de João Emanuel Carneiro. Quando pensou que chegara a hora de tirar sesta na cama e sonhar com o paraíso, Edmara Barbosa e Edilene Barbosa o despertaram pois tinha compromisso com “Paraíso” (texto original de Benedito Ruy Barbosa). Terêncio foi parceiro do “leão” Eriberto Leão. Não me esqueci de “Casos e Acasos”, “Dó-Ré-Mi-Fábrica” e “Batendo Ponto”. Elizabeth Jhin escreveu em papel ou computador o que as estrelas lhe disseram: – Chame o Nero. E a Nero coube Gilmar. Tivera que cometer maldades no comecinho da noite. Recebeu então um convite de Aguinaldo Silva com estampa fina: o Baltazar de “Fina Estampa”. Serviu como importante ponte para que se denunciassem questões que amiúde entristecem segmentos da sociedade: a homofobia e a violência doméstica. Vítimas destas que só desejam respeito e cidadania. Alexandre conduziu volante de carro luxuoso pelo drama e pela comédia com o seu motorista. O destino e Gloria Perez quiseram porque quiseram que o ator se reencontrasse com a colega tão querida Dira Daes, com quem contracenou em folhetim anterior. Dos dedos rápidos e imaginativos de Gloria teclando máquina da informação surgiu Stenio de “Salve Jorge”. Ótimo advogado e sabedor das brechas das leis. Brechas que dão beijo no rosto da impunidade. Brechas do Brasil. Os brasileiros Drika (Mariana Rios), Pepeu (Ivan Mendes) e a turca Berna (Zezé Polessa) espocam garrafa de champanhe celebrando as brechas. No ombro alinhado de seu paletó há cheiro de bom perfume. Perfume de Helô (Giovanna Antonnelli), sua ex-mulher. O divórcio foi firmado em cartório. Contudo, não firmado em corações. Em corações apaixonados não há burocracia. Dentre tantas causas que ganhou ou perdeu, a mais desafiadora é reconquistar a bela mulher de cinto duplo. O que almeja o causídico é dela ouvir dentre um “hã hã” e outro “hã hã”, a frase “Eu te amo, Stenio.” A leitura de sentença que cultiva tanto em si mesmo escutar. Stenio se sentirá grande no prazer, atuante e cantante no amor. Não obstante, Stenio se refestelou em colo certo. No colo de Alexandre. Não há quem possa duvidar da intuição da Dona Arte.
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Foto: Primo Tacca Neto e Brasilio WilleAssim como pode florescer lírio em meio à cinzenta lama, no depósito das traficadas de “Salve Jorge”, novela das 21h da Rede Globo, de Gloria Perez, que está nos seus capítulos finais, pode haver os talento e beleza de jovem atriz e bailarina paulistana, Laryssa Dias. Bem já no começo do folhetim, Laryssa despertou-me a atenção por suas personalidade, firmeza, segurança, compreensão da difícil personagem, e é claro, belo rosto e nítido potencial dramático. Seu papel é contextualmente complexo, espinhoso, o que não causou temor à intérprete. Muito pelo contrário. Teve e tem ótimas cenas com seus colegas de elenco com quem dividiu e divide o estúdio. Laryssa, que é formada em Publicidade e Marketing, permitiu que sua genuína vocação artística bradasse. E colocou-a em prática desde cedo, quando criança. A atriz defrontou-se durante todo o decorrer da trama com fortes momentos de tensão estrategicamente inseridos naquela. Não faltou espaço para agressões físicas e morais de caráter contínuo impingidas por mão pesada do algoz onipresente Russo (Adriano Garib), o que não deve ter sido nada fácil para a artista. Se o que vemos hoje é uma poderosa atuação de Laryssa deve-se sobretudo à solidez na bagagem de aprendizado colhida no passado. Na primeira ocasião que sentiu o aroma do tablado de um teatro estava em período adolescente. O circo cutucou-a também. Os ensinamentos que obtivera não lhe foram transmitidos por mãos quaisquer. Ligia Cortez deu-lhe aulas na Casa do Teatro e dirigiu-a em “Menina Moça”. A Escola de Atores – Wolf Maya passou-lhe importantes noções de como se portar defronte a uma, duas ou três câmeras, e submeter-se à rigidez das marcações natas à engrenagem industrial do veículo televisão. Laryssa é “menina moça” inquieta, ávida por aprender. Buscou em Fátima Toledo, José Eduardo Belmonte, Denise Weinberg, Wladimir Capella e o Grupo Tapa um tanto mais de ricos ensinamentos. E o fruto maduro nascido da boa semente que plantou vislumbra-se na personificação de Waleska. Uma personagem que lograra simpatia do público não somente pelo carisma da profissional, mas proporcionada pelas sensibilidade, altivez, determinação e senso de justiça com que fora composta. O fato de que já era prostituta antes de ser traficada em nenhum instante livrou-a da condição de vítima como as demais. Alguns dos pontos positivos de sua participação evidenciam-se nas bem-sucedidas parcerias com Nanda Costa (Morena) e Murilo Grossi (Almir). Fontes asseguram que Waleska terá envolvimento com o policial e se apaixonará por ele, o que denota oportuno e agradável desfecho, haja vista que torcemos por sua vitória pessoal. Destaca-se outrossim a postura de líder com os pares de infortúnio. Ciente de que sofrerá “tapas & tapas”, e nunca beijos do “carrasco da Turquia” Russo enfrenta-o com dignidade e valentia surpreendentes. O confronto com Lohana/Jô (Thammy Miranda) propositalmente por esta provocado irá diluir-se com a descoberta de real identidade da desafeta, o que renderá interessante situação. Deduzimos que para que uma atriz ganhe a oportunidade que Laryssa Dias conseguiu faz-se necessário que tenha-se estofo de estudos além dos que já aqui mencionei. E aquele adveio de experiência como protagonista em curta-metragem de Marcel Mallio, “Fui Comprar Cigarro”, e no seriado da Fox, “9MM SP”. Entre coxias teatrais, durante curso do diretor de núcleo da Rede Globo Wolf Maya encenou Sam Shepard, “Oeste Verdadeiro”, e Ibsen, “Casa de Bonecas”. É de pronta conclusão de que nada caiu do céu no colo de Laryssa. Perseverança, dedicação e intento de aprender foram-lhe consistentes aliados. O destaque em “Salve Jorge” não veio-lhe por acaso. Há sim possibilidade de visar charme extra em Waleska dia a dia com Laryssa Dias. Laryssa é o lírio na lama. E onde há lírio há esperança.






