O que decorreu com o ator nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, Lucas Malvacini, e que iniciou bem-sucedida carreira como modelo na adolescência, na novela “Amor à Vida”, um grande sucesso de Walcyr Carrasco exibido no horário nobre da Rede Globo, findo há não muito tempo, em que vários intérpretes e respectivos personagens obtiveram destaque, foi algo próximo ao ineditismo. Lucas, que já havia “experimentado” um set de televisão no “remake” de “O Astro”, de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro (basearam-se no clássico de Janete Clair), ao lado de Fernanda Rodrigues, foi escalado para um papel potencialmente árido, que atendia pelo tenro epíteto de “Anjinho”. O personagem se incumbiria de cumprir a tarefa de ocupar posto polêmico desencadeador de miríade de conflitos na história. A Lucas Malvacini, então, que se tornou “a priori” conhecido em todo o país ao disputar e vencer o concorridíssimo concurso “Mister Brasil Mundo 2011” (desta forma o rapaz veio a ser o representante oficial do Brasil nos principais concursos de beleza internacionais) coube o desafiador encargo, imprevisível aos olhos sempre exigentes e implacáveis dos público e imprensa, de personificar com credibilidade o amante/namorado de Félix (Mateus Solano), um dos vilões do folhetim cujas graça e maldades indizíveis se “amalgamavam”. Considerável e avolumada parcela de telespectadores poderia de modo imediato rejeitar Anjinho por razões diversas. É notório e sabido que a sociedade civil (ao menos um segmento dela) “navega na latente turbulência de um mar hipócrita sem fim”. Todos falam em alto e bom som: “Eu não sou preconceituoso!”. Hoje em dia é bonito, conveniente não ter preconceito. Porém, não é o que se testemunha nas ruas, noticiários ou mesmo no discurso de alguém que lhe é próximo. Contraditoriamente ao apelido dado pelo filho de César (Antonio Fagundes), Anjinho poderia ser tachado de “pecador”, ao ser homossexual e “destruidor de lares”. E o mais agravante, um lar heterossexual, ainda que artificial. Antonio Fagundes, que ao meu ver, defendeu com brilho e dignidade o ambivalente, austero e respeitável médico que não respeitava a si mesmo tampouco o semelhante, representou, creio, inestimável percentagem da coletividade social com suas atitudes e opiniões homofóbicas (que numa altiva solução do autor se vira obrigado, pelas contingências, a se redimir). No entanto, o seu olhar sobre Anjinho (para surpresa nossa) se confrontava com o conceito de um outro setor que assistia a “Amor à Vida”. Walcyr Carrasco criou Anjinho com elementos tão sutis e delicados que impossível seria não nos afeiçoarmos a ele. O êxito incontestável do personagem se deve, outrossim, à interpretação meticulosa e disciplinada de Malvacini, que impingiu à personalidade daquele doçura, fragilidade, dependência emocional e imponderável ingenuidade acerca da realidade com riscos que o circundava. Lucas Malvacini, eleito o “Homem Mais Bonito do Brasil” em decorrência da vitória, dentre 40 candidatos, como “Mister Ilha de Búzios”, revelou em cada cena da qual participou nuances eficazes a fim de que não houvesse em nenhum momento rejeição ou não aceitação das pessoas, afora, claro, os empedernidos falsos conservadores. O mais impressionante na passagem de Lucas (que invariavelmente colocou em primeiro plano o objetivo de se estabelecer como intérprete, e para isso sempre se dedicara a estudos por intermédio de leituras apropriadas) pela novela em pauta foi que mesmo após a sua ausência prevista na primeira metade da sinopse e na derradeira despedida na fase final da produção, o nome “Anjinho” não “fugiu” do enredo, sendo mencionado vez por outra, seja de jeito carinhoso, debochado ou com ira, nas oratórias dos demais “characters”. Há que se ressaltar ainda a visível e louvável cumplicidade com Mateus Solano em cena. Mateus que em entrevista afirmara proximamente acreditar que a interpretação alheia ajuda na performance com êxito do parceiro profissional. E Lucas asseverara à mídia sobre a generosidade de seu colega de ofício, o que abriu um caminho para o acerto geral. Outra questão que não deve ser preterida fora a solicitação do público noticiada em veículos de comunicação para que o ator retornasse à trama quando da época de seu afastamento. O pedido, intuo, não se dera somente por sua beleza diferenciada, mas pelos carisma, empatia, competência e sustentação coerente do papel. Como novela é uma obra aberta, o teledramaturgo não se fez de rogado, e a volta de Anjinho reacendeu impasses e contendas entre aqueles direta ou indiretamente envolvidos com ele. Apiedamo-nos duas vezes por Anjinho: quando fora preso acusado por furto de joias (declarado inocente depois de apuração precisa dos fatos) e quando Félix terminara o romance que havia entre ambos em definitivo (Anjinho recebera passagem e dinheiro para viver em Barcelona e retomar a profissão de modelo). Com o desfecho, enganou-se quem pensara que Lucas (que no período em que se dedicara à moda teve gloriosas realizações, como a campanha para a Brookstone; o trabalho fez com que morasse em cidades como Milão, Miami e Santiago do Chile) se acomodaria após o sucesso da novela. O ator desbravador buscou se aperfeiçoar, adquirir novas experiências e evoluir como artista. E não haveria melhor espaço para a concretização desses intentos do que o palco de um teatro. Surgiu-lhe excelente oportunidade de ser um dos protagonistas da ótima comédia romântica de Raul Franco, dirigida por Bia Oliveira, junto com Felipe Roque e Camila Hage no elenco, revezando-se com Luca Pougy, “Crônicas do Amor Mal Amado”. Nós, assim, perguntamo-nos: – Como Lucas se sairá nos palcos? Saberá ele enfrentar a difícil arte da interpretação teatral? E o público? Como reagiria a isto? O espetáculo, com bastante proficiência, abrange a imensidão das possibilidades e probabilidades do amor. Como este é encarado sob distintos prismas. A árdua conciliação entre as discordâncias dos gêneros masculino e feminino. O sexo, seu prazer e frustrações. Os mitos e desmistificações. As cobranças descabidas que acabam por diluir um relacionamento. Lucas deu vida a dois personagens: um psicanalista que interage com a plateia, elucubrando e levantando questões, e Ernesto, que se apresenta com dupla proposta de comportamento. A primeira se o homem mantivesse com a mulher uma relação liberal, aberta, permissiva, e a segunda, um companheiro “comum”, sujeito a ciúme, dúvidas e inseguranças. Ao interpretar o psicanalista, Lucas Malvacini (que além de tudo que já relatei estudara Turismo e participara de um clipe da cantora e atriz Preta Gil, “Sou Como Sou”) demonstrou incrível capacidade de concentração, disciplina e interiorização do papel. O psicanalista é um atento observador das cenas, um segundo olhar, o que poderia facilmente provocar no artista um “escape” do personagem (o que não acontece). A interação com os espectadores exige firmeza, resolução e desenvoltura. A sua voz é clara, límpida e articulada. Não vislumbramos em sua atuação hesitações ou titubeações. Como Ernesto, o intérprete tem a chance de expandir ainda mais o seu talento, com gama sequencial de reações, como destempero, fleuma, impulsividade, indignação, carência, vulnerabilidade, fúria, indignação e uma carga de dramaticidade que atinge a sua posição de equilíbrio pertinente. Todavia, passamos a conhecer um Lucas leve, ágil, circulando com intimidade pela ribalta, engraçado, divertido, irônico e cativante. Não só “Amor à Vida” lhe foi uma vivência rica e marcante em sua trajetória. “Crônicas do Amor Mal Amado” serviu com toda a sacralidade que um tablado pode proporcionar para Lucas Malvacini, o ator desbravador, encontrar algo. Esse “algo” era um outro talento que desconhecíamos, e que, por sorte, encontrara. Esse “algo” estava apenas ali mudo, quieto, parado, silencioso e paciente, esperando que o seu dono o achasse e o levasse para casa. Mas não sem antes visitar o teatro.